Quarta-feira, 5 de dezembro de 2012 - 10h46
Por que o Estado permite que os celulares funcionem com tanta regularidade dentro dos presídios? O próprio Estado ora diz que assim monitora melhor as transações feitas pelos criminosos, ora alega que não tem tecnologia para bloquear o sinal. De qualquer modo, seja qual for a explicação dada, não é crível e nem admissível.
Quanto a grampear os malfeitores, penso que teríamos formas mais inteligentes e mais honradas com o direito de obter as informações necessárias. Quanto à tecnologia, se o crime está grampeado, é sinal de que há tecnologia disponível. Isso sem levar em conta que os celulares não deveriam estar lá e se estão é porque a corrupção do agente penitenciário permitiu sua entrada. Além do fato de que, por mais de seis anos, não se realizou nenhuma inspeção nos presídios paulistas. Imagine o leitor que sua casa ficaria sem a visitação do Estado por tanto tempo – alguém pode dizer que ficou seis anos sem receber qualquer agente público por tanto tempo? Pois é, não conheço ninguém, mas se quisermos conhecer alguém basta visitar qualquer presídio.
Em uma dessas gravações, o Estado descobriu que um grupo de traficantes negociou por doze horas seguidas, usando celulares, e de dentro do presídio. Doze horas de conferência!
Os participantes da conferência, ligados à facção criminosa PCC, discutiam negócios: a compra e venda de drogas no Paraguai e na Bolívia, o envio de maconha e cocaína para São Paulo, a distribuição para outros Estados e os investimentos que devem ser feitos com o dinheiro. As investigações, compartilhadas com a Polícia Civil, mostram que esses diálogos não acontecem diariamente -depende da equipe de agentes de plantão e das rondas nas celas dos presos do PCC .
Mais curioso ainda é o nome dado à operação militar que gravou o bate-papo: Leviatã.
E o que é esse Leviatã? É o título de um dos mais famosos livros do Renascimento e anuncia, exatamente, o surgimento do Estado Moderno e de sua soberania. Escrito pelo filósofo inglês Thomas Hobbes, faz referência a uma passagem bíblica. Para Hobbes, o Estado é o Leviatã: a soberania deveria ser uma fortaleza sobre-humana capaz de subjugar a todos os indivíduos, graças a sua força descomunal. Para representar tal força do Estado, Hobbes utilizou-se da imagem bíblica em que a personagem principal é um potente, selvagem e indomável crocodilo (Livro de Jó – 40, 41). Jó - Capítulo 41 - Versículo 1 a 34
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1 Poderás tirar com anzol o leviatã, ou apertar-lhe a língua com uma corda?
2 Poderás meter-lhe uma corda de junco no nariz, ou com um gancho furar a sua queixada?
3 Porventura te fará muitas súplicas, ou brandamente te falará?
4 Fará ele aliança contigo, ou o tomarás tu por servo para sempre?
5 Brincarás com ele, como se fora um pássaro, ou o prenderás para tuas meninas?
6 Farão os sócios de pesca tráfico dele, ou o dividirão entre os negociantes?
7 Poderás encher-lhe a pele de arpões, ou a cabeça de fisgas?
8 Põe a tua mão sobre ele; lembra-te da peleja; nunca mais o farás!
9 Eis que é vã a esperança de apanhá-lo; pois não será um homem derrubado só ao vê-lo?
10 Ninguém há tão ousado, que se atreva a despertá-lo; quem, pois, é aquele que pode erguer-se diante de mim?
11 Quem primeiro me deu a mim, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois tudo quanto existe debaixo de todo céu é meu.
12 Não me calarei a respeito dos seus membros, nem da sua grande força, nem da graça da sua estrutura.
13 Quem lhe pode tirar o vestido exterior? Quem lhe penetrará a couraça dupla?
14 Quem jamais abriu as portas do seu rosto? Pois em roda dos seus dentes está o terror.
15 As suas fortes escamas são o seu orgulho, cada uma fechada como por um selo apertado.
16 Uma à outra se chega tão perto, que nem o ar passa por entre elas.
17 Umas às outras se ligam; tanto aderem entre si, que não se podem separar.
18 Os seus espirros fazem resplandecer a luz, e os seus olhos são como as pestanas da alva.
19 Da sua boca saem tochas; faíscas de fogo saltam dela.
20 Dos seus narizes procede fumaça, como de uma panela que ferve, e de juncos que ardem.
21 O seu hálito faz incender os carvões, e da sua boca sai uma chama.
22 No seu pescoço reside a força; e diante dele anda saltando o terror.
23 Os tecidos da sua carne estão pegados entre si; ela é firme sobre ele, não se pode mover.
24 O seu coração é firme como uma pedra; sim, firme como a pedra inferior duma mó.
25 Quando ele se levanta, os valentes são atemorizados, e por causa da consternação ficam fora de si.
26 Se alguém o atacar com a espada, essa não poderá penetrar; nem tampouco a lança, nem o dardo, nem o arpão.
27 Ele considera o ferro como palha, e o bronze como pau podre.
28 A seta não o poderá fazer fugir; para ele as pedras das fundas se tornam em restolho.
29 Os bastões são reputados como juncos, e ele se ri do brandir da lança.
30 Debaixo do seu ventre há pontas agudas; ele se estende como um trilho sobre o lodo.
31 As profundezas faz ferver, como uma panela; torna o mar como uma vasilha de ungüento.
32 Após si deixa uma vereda luminosa; parece o abismo tornado em brancura de cãs.
33 Na terra não há coisa que se lhe possa comparar; pois foi feito para estar sem pavor.
34 Ele vê tudo o que é alto; é rei sobre todos os filhos da soberba.
Então, dirá o leitor, onde estará a soberania do Estado que não consegue blindar os presídios ao avanço dos celulares do Mal? Realmente, a ironia não poderia ser maior. Não sei se o nome foi dado ironicamente ou se o agente acredita que o Estado está vencendo a batalha. Eu não tenho dúvidas de que, com este modelo de ação, já perdemos e de lavada. Para o cidadão comum, o Leviatã só aparece para cobrar impostos e, para os pobres, anuncia sua vinda com o giroflex ligado.
Escrevo sobre a realidade de São Paulo porque se mostrou um exemplo a não ser seguido, mas que, infelizmente, exportou-se para todo o Brasil e alguns países vizinhos, como Paraguai e Bolívia. Isso mesmo, exportamos o crime organizado e já faz tempo. Agora, exportamos suas estratégias e tecnologias, sendo que a principal das técnicas é impedir a ação do poder público – empurrando a fiscalização e a repressão para debaixo do tapete.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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