Sexta-feira, 7 de dezembro de 2012 - 15h26
Alguma coisa realmente parece estar acontecendo no Brasil. A série de investidas contra a corrupção, nos últimos tempos, tem produzido um efeito benfeitor. Na verdade, temos um efeito contraditório, uma espécie de paradoxo, pois: se de um lado ficamos animados em ver a cultura da glamourização da corrupção ceder frente ao espírito republicano, por outro lado, assusta ver a grita ensandecida pela criminalização social – como se o direito penal fosse resolver todos os problemas sociais. Neste sentido, os juristas têm responsabilidade direta sobre isso, uma vez que a desmistificação do alcance do direito repressor resultaria em efeito pedagógico revelador, fazendo amadurecer a cultura do homem médio.
Em todo caso, a coisa toda se passa como numa novela: o povo quer se vingar dos séculos de corrupção, maus-tratos, violência política, este desejo se transforma em programas de auditório em toda a mídia e, por sua vez, forçamos a barra no Supremo Tribunal Federal. Como ouvi de um dos advogados do Mensalão, o STF perdeu sua principal característica, a de ser uma instituição contra-majoritária, ou seja, o Supremo tem o dever ideológico de se esquivar dos apupos sociais, de caminhar contra a corrente da opinião pública em busca da “verdade real”. O STF deveria ser uma instituição abrigada dos holofotes, dos raios da vaidade que celebriza as autoridades nacionais. Uma instituição fora do alcance do glamour da sociedade de consumo. O próprio julgamento do Mensalão provou que a instituição secular não conseguiu blindar seus ministros – de certo modo, algo compreensivo, porque seria a primeira vez que grandes caciques da política seriam condenados às penas de prisão em regime fechado e assim teriam de repartir, com o povo, as celas medievais brasileiras.
Também tornou-se comum ouvir na mídia, especialmente a televisiva, a desinformação das questões mais sérias ou, então, aquelas que estão na base da educação e da cultura brasileira. Para ficar apenas neste exemplo do Mensalão, ouve-se repetidamente que a cultura da corrupção se deve ao fato de que não se ensina mais as disciplinas de Educação Moral e Cívica e OSPB (estas sim verdadeiras disciplinas nacionalistas, moralistas etc). O erro grave aqui é histórico e conceitual, pois a ditadura pós-64 retirou as disciplinas de Filosofia e de Sociologia do ensino obrigatório, impondo, em seu lugar, exatamente os dois conteúdos assinalados acima. A Filosofia e a Sociologia das décadas de 1960-70 não eram meramente ilustrativas, estéticas, contemplativas ou pragmáticas, eram combativas, revolucionárias, porque remexiam nos velhos sarcófagos da dominação de classes imposta ao povo brasileiro. Logo, tinham de ser removidas porque não atendiam aos propósitos imperialistas da ação global estadunidense e dos governos golpistas e amenos aos interesses do capital internacional. OSPB e Educação Moral e Cínica vieram a calhar, para colonizar, embrutecer, emburrecer politicamente.
A mesma fonte de deturpação cultural mitigou o ensino da língua portuguesa, para avançar no culto do inglês. Na América Latina, ainda hoje, é preciso remexer muito na lata de lixo para que o inglês, por exemplo, não seja mais recepcionado como musgo cultural do colonialismo. Não basta falar que não se é colonialista; ao se dedicar ao ensino do inglês e de outras línguas (mas, conta mais essa, visto que é predominante), é preciso ensinar em um contexto pedagógico em que a língua estrangeira seja efetivamente um aporte cultural, globalizador, e não mero estrangeirismo. Como explicar que temos alunos na faculdade de direito que falam melhor o inglês do que o português? Para mim, isto reflete que a língua inglesa e a educação de forma geral estão longe de ser um processo de integração, são como sinalizadores de que ainda somos vítimas da colonização.
Este e outros fatos concorrentes nos fazem ver que um dos mais graves problemas da cultura brasileira é a glamourização do erro histórico: louvamos cretinos porque foram presidentes; louvamos a cultura, o hino e a bandeira dos EUA; louvamos os corruptos, porque agem como espertalhões; louvamos o machismo, o racismo, a força-bruta; e agora louvamos o STF porque usa meios de exceção para julgar meia dúzia no conto do bode expiatório. Enquanto isso não for diagnosticado, enfrentado, removido, não teremos muito a comemorar. Amanhã, como ocorreu no Impeachment de Collor, tudo será esquecido e tudo voltará a ser como antes, no Quartel de Abrantes (diria minha avó, acesa, menos indefesa, contra os modismos).
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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