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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Direito e Antidireito: reestruturação ou desconstrução?


Dentre tantas obras jurídicas contemporâneas relevantes destacam-se Um novo Olhar sobre a Questão Penitenciária da jurista portuguesa Anabela Miranda Rodrigues e Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do Direito Penal do jurista italiano Alessandro Baratta. Numa palavra, Anabela propõe uma medida inovadora no fim do século XX, qual seja: a autonomia do Direito Penitenciário ou Direito de Execução Penal, com a reestruturação adequada para que as medidas carcerárias vigorassem em sua finalidade e sem lesar a pessoa humana além do estabelecido na sentença. Ao passo que Baratta assevera a desconstrução do Direito Penal vigente, pois para o referido autor é contrassenso que um “direito” mantenedor de desigualdades busque, por meio do cárcere, estabelecer uma harmonia social. No entanto, para melhor compreensão dessa problemática que muito bem se reflete a condição do sistema penal brasileiro, é necessário uma breve aprofundamento de outros elementos chaves. Neste sentido, é de se indagar inicialmente, como se dá a relação entre Direito (liberdade) e Antidireito (encarceramento massivo), liberdade e exceção?

Na perspectiva de Roberto Lyra Filho, Direito é um processo histórico-social contínuo onde cada acontecimento atuará na sua formarção. Com efeito, cada momento histórico, seja ele de avanço ou de retrocesso, fará parte da constituição do Direito. Logo, não se deve confundir Direito com o ordenamento jurídico vigente ou apenas com conceitos metafísicos que se assentam na natureza das coisas(incluindo o conceito-chave do Estado de Direito, que precisa ser “materializado”). Aliás, para a verdadeira compreensão da complexibilidade do fenômeno jurídico deve-se superar o tradicional confronto Positivismo x Naturalismo. Para uma verdadeira apreensão da essência do Direito necessário se faz analisar dialeticamente, confrontando-se todos os aspectos da questão, vislumbrando-se não apenas a ciência jurídica em si. Pois, se antes o Direito estava em harmonia com a Filosofia, Sociologia e História, com o avanço do pragmatismo no Brasil, já se vislumbra a desarmonia entre a ciência do direito e o direito posto. Afinal, apenas por meio dessa dialética perceberemos que “[...] cada perfil atualizado do Direito autêntico é um instante do processo de sua eterna reconstituição, do seu avanço, que vai desvendando áreas novas de libertação.” (FILHO, 1996, p.98).

Aqui vem à tona a liberdade e, junto a ela, de maneira antagônica, a exceção. Somente após sintética abordagem desses dois institutos a ideia de Antidireito ficará mais evidente. A liberdade, tão preconizada por teóricos liberalistas, não se define pelo não-aprisionamento ou pela total liberdade. Vai além disso: a liberdade consiste em entender a realidade que nos cerca e aperfeiçoa-la para melhor utilidade coletiva, para o aprimoramento da vida em sociedade. Por outro lado, a exceção cria medidas restritivas, nesse sentido, confunde-se com cerceamento, um estado de não-liberdade ou a supressão dela.

O Antidireito seria um status quo que restringe a liberdade ou que interfere nela de modo que venha favorecer uns em detrimentos de outros. Sem embargo, seria um Estado que se diz de Direito, porém é esse mesmo “direito” que estabelece e regula muitas das desigualdades sociais. O próprio conceito de Estado de Direito transparece uma realidade positivista, porquanto a sua definição comumente aceita é que um Estado de “direito” seria um Estado cujos integrantes (do Chefe político aos mais míseros dos cidadãos) se submetem ao ordenamento jurídico local. Poderia o Direito se limitar ao que está transcritos em papéis? Estados democráticos que reconheceram direitos a todos os seus concidadãos, tardiamente nos anos 19701, mas que ainda não os efetivaram poderiam realmente ser definidos como democráticos ou de Direito?

Aqui transparece a realidade do Antidireito, ou seja, um mecanismo jurídico formal, legitimador e legalizador de desigualdades. Assim, de acordo com o exposto, até pode-se dizer “legalmente” que um Estado é de Direito, porém seus efeitos são de Antideireito. Por isso a proposta de Alessandro Baratta é a desconstrução do Direito Penal, porquanto per si é injusto. A título de exemplo: a Lei Penal em Branco, norma que estabelece crime que necessita de melhor definição e a sanção para o ato infracionário, em outras palavras, até há uma prescrição da conduta delituosa e sua respectiva penalidade, porém é necessário complementação de outro ato normativo ou infralegal para delimitar o limite de sua aplicação, o que atribuí principalmente ao integrante do poder executivo um alto grau de discricionariedade, o que em si é uma medida perigosa e legitimadora de injustiças.

Por fim, Anabela Rodrigues, por sua vez, advoga a criação e autonomia do Direito Penitenciário. Para a autora, com o estabelecimento de um Direito para a execução penal junto à voluntariedade do preso, diminuiria as atrocidades e permitiria que houvesse a ressocialização do recluso. Seria uma tentativa jurídica de desconstruir o antidireito.

Debates teóricos à parte, muito ainda há que ser feito para minorar os gravames da realidade atual do cárcere no Brasil.

1Decisão do Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht) datada de 04 de março de 1972, que garantiu aos presidiários direitos previsto na Lei Fundamental alemã (Grudgesetz).

 
Ítalo José Marinho de Oliveira
Acadêmico de Direito – UNIR/DCJ
Membro do Grupo de Pesquisa “O Estado Penal”

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