Segunda-feira, 12 de novembro de 2012 - 15h13
O Estado Penal objetiva o direito penal do inimigo por meio de “setores sociais de regulação e a serem regulados”; como se pudesse haver um direito repressivo que desejamos doar a nossos amigos. O direito penal do inimigo estaria na “terceira velocidade”, em que haveria a imposição das penas privativas de liberdade e a flexibilização dos princípios político-criminais. De todo modo, para suas regras penais já não vigoram princípio e/ou garantias, uma vez que atuam as normas penais em branco (com grande possibilidade interpretativa, subjetiva[1]). Assim, o cerne do debate proposto está em inserir o fenômeno social da criminalidade social às regras de exceção criadas para o inimigo. O resultado é que passam a ser equivalentes, em termos jurídicos, o combate ao tráfico e ao terrorismo. As medidas de emergência promulgam a “guerra ao terror”, combatendo grupos humanos e não propriamente fatos reais. Não há história, a não ser a própria história da Razão de Estado e por isso haveria certa ilusão na máxima ubi societas, ibi jus, uma vez que não se separam os fatos jurídicos dos não-jurídicos (ou políticos, por exemplo). A infração, sobretudo penal, deve ser tratada seriamente porque o infrator é um inimigo de Estado, um traidor que merece punição compulsória, intempestiva (o crime é imprescritível, prolonga-se além de sua ação). Assim como se deu com a pena imposta a Caim, prolongando-se a punição às gerações futuras, sem solução de continuidade. A própria ideia de se separar um direito penal do inimigo e outro do cidadão (se o cidadão não é infrator, por que o direito penal?) corresponde a uma tentativa de se criar uma metodologia criminal baseada nas “medidas em estado de exceção”. Por influência dos EUA, a guerra impõe outra aparência jurídica; por exemplo, a guerra que impõe a excepcionalidade afasta a proporcionalidade.
O direito penal do inimigo, ao equivaler infrator e combatente, alveja duplo sentido: simbologia do direito penal; punitivismo expansionista. Este suporte revela que a exceção cria irracionalidades jurídicas quando separa epistemologicamente o “cidadão normal” do anormal; como se vê na prisão de Guantânamo (Cuba) em que os terroristas são tratados como fontes do perigo e núcleo do Mal. Por isso, argumenta-se que para os tratados criminalmente no Estado de Emergência Penal, não se aplica o direito e sim a pena. Também se diz que, seguindo o pensamento contratualista (de que a sociedade se origina de um contrato social), especificamente de Rousseau, o infrator volta-se contra a sociedade, viola o contrato social e, portanto, deixa de ser membro do Estado: ao violar o direito social colide com o Estado em sua soberania. Também para a filosofia de Fichte, o infrator coloca-se em “ausência completa de direitos”, como se lhe fosse decretada a “morte civil”. Do mesmo modo, para o pensar do filósofo Hobbes, como o infrator não tem capacidade jurídica de anular seu status de nacional, permanece sempre ao alcance do Estado e de seu direito de guerra, ainda mais quando o Estado se prepara para combater a guerra civil. Nessa mesma linha de argumentação, destaca-se no Kant da Paz Perpétua a razão para que o infrator tenha o status de inimigo. Pois, para o inimigo, a razão estatal vai da coação (coerção) à guerra.
Não é por acaso, portanto, que as medidas de segurança e suas “múltiplas formas intermediárias” podem facilmente chegar aos extremos da exceção. Portanto, não se trata de reparar o dano, mas sim de eliminar o perigo: tal qual na guerra não se atira para ferir ou avisar do perigo. A diferença entre obstáculos ou ofendículos à liberdade e a coerção praticada pelo Poder Público (ética como salus publica), ou seja, como limitação à mesma liberdade, decorre da lógica de que, segundo Kant, a coerção corresponde à ética social já regulada e positivada pelo Direito (como Lei Universal). De tal sorte, a indicação da liberdade (fazer ou deixar de fazer) é dosada pela coerção que estabelece os limites e os parâmetros éticos (costumeiros) da convivência social em determinado momento histórico e em cada sociedade.
A pena se dirige à segurança do futuro e não aos fatos já perpetrados, assim como a despersonalização do infrator (Guantânamo) decorre simplesmente do fato de que, para o Estado e para o direito, já não se trata de pessoas. Isto se justifica porque o inimigo de Estado rechaça a legitimidade do ordenamento jurídico, não apenas agindo contra a norma jurídica, mas contra o contrato originário; agindo contra todos os laços de sangue, ameaça a integridade, a sobrevivência do grupo. O que legitimaria a usar todos os meios, em favor do fim único: o uso da exceção está em que suas regras foram incluídas no direito penal, legitimando-se como “guerra contida”, em que cabe “uma custódia por segurança antecipada”. O perigo do futuro sinaliza uma “custódia de prevenção”: o saneamento da vida social. Em nome do Estado de Direito, retiram-se direitos. O receio do fato futuro (o crime a ser cometido) implica na eliminação do direito no presente. Ao que intervém – como base no 11/09/2001 – a legalidade do procedimento de guerra. Assevera-se que falta “segurança cognitiva suficiente” (desejo do direito) a quem se volta contra o ordenamento jurídico e, por isso, se o Estado o tratar como pessoa, sujeito de direitos, estará negando a necessária segurança cognitiva (desejar viver sob a Constituição Cidadã) aos demais membros do grupo.
A pessoa, como sujeito de direitos, é quem deve ter consciência (elo cognitivo) da norma jurídica – mesmo que desautorizando-a. Já o inimigo, ao procurar exterminar a norma jurídica, afugenta-se deliberadamente do vínculo social e da cognição jurídica – é como se agisse para se colocar fora do alcance do Estado, negando-o. Enfim, o direito penal do cidadão se caracteriza pela contradição social (conflito normativo de interesses) e o direito penal do inimigo se congratula pela “eliminação do suposto perigo” (conflito beligerante de interesses). A exceção permitida pela lei leva à exclusão, eliminação do inimigo. Do que decorre, obviamente, uma relação desproporcional entre o tipo penal e o bem jurídico tutelado, impondo-se uma série de práticas sociais excludentes conhecidas do Estado Penal – uma “criminalização no estado prévio”. Portanto, ressurge o punitivismo, como vingança pública.
Mas, tem-se a impressão de que o legislador está atento, pronto a resolver os problemas da violência social por meio da criminalização das próprias relações sociais: um tipo de direito penal simbólico, em que predomina a função latente sobre a manifesta (um “empiriocriticismo” em que o idealismo jurídico se desfaz diante do crime que nem existiu). Isto, por certo, fortalece o clima punitivista em que a política criminal despreza os antecedentes. De todo modo, assinala-se uma crescente demanda de criminalização do mundo da vida. Atualmente, há uma forte demanda pela criminalização da política e das relações sociais aflitivas e decorrentes da luta de classes, tanto na América Latina quanto nos discursos da socialdemocracia europeia. O resultado é a exclusão do Outro, tanto nos discursos e práticas punitivas da esquerda quanto na direita política. Com isso, o Estado ainda dissocia o direito e o sujeito, despersonaliza a ação social delituosa e não mais se aplica ao controle social - e sim ao combate social. A este “outro sujeito de não-direitos” (no lugar do Outro) não se aplica a reprovação, mas sim a neutralização. Nesta Nova Cruzada (basta ver o crescimento dos exércitos mercenários), somam-se, misturam-se o sentido religioso e militar. A atribuição da perversidade ao “outro-inimigo” implica na sua demonização, como já ocorrera com os pobres, os trabalhadores, os “vadios”, as oposições políticas e as “classes sociais inimigas”. (Lúcifer, o anjo caído, também recebeu o nome de inimigo).
Estando em debate aberto a ultima ratio, a última barreira do capital em defesa contra os não-proprietários, o fato jurídico notório é o emprego de meios de exceção para a exclusão social (hoje não-étnica) e, é claro, não pode haver excepcionalidade da lei sem que ocorra a própria fuga da normalidade, legalidade do sistema. Com o excepcionalismo, a Razão de Estado praticamente reconheceu a competência normativa do autor (a capacidade de questionar o sistema de normas e de poder). Porém, por meio da tipificação do “inimigo social de Estado” acaba por se reconhecer seu status de opositor e que se tornou inimigo. Neste sentido, já se tipificou o “terrorista individual”, a partir de um direito penal do autor e não como cobertura cognitiva do fato consumado. Pune-se não pela ação agressiva, mas pela própria existência. Afinal, à Razão de Estado interessa muito mais identificar e neutralizar o suposto “outro-inimigo” do que restringir a pena ao fato. Nossa crise de civilização, além de moral e material, é também uma crise princípios e de lógica.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
[1]Lembrando-se que a subjetividade decorre de modo direto, inflexivo da presença do sujeito, isto é, quem promove a subjetividade é o sujeito – o que ainda permite concluir que, para cada sujeito, equivale uma interpretação.
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