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Vinício Carrilho

Educar para crescer


Hoje (mais do que nunca), a educação é uma questão de Estado e não mais se submete aos caprichos ideológicos, oportunistas, míopes, deste ou daquele governo. Sempre foi assim, mas como o país não crescia, era reserva de valor e de mercado para as elites dominantes, sem o ingresso do povo na economia, não havia esse problema. Mais longe ainda no tempo, quando éramos colônia de Portugal, as elites enviavam seus filhos para estudar na Europa – chama-se de bacharelismo porque só se fazia direito ou medicina. Até o começo do século XIX, o país não tinha nenhum curso superior. É claro que os cursos de bacharelado não formavam (como não formam) para o ensino, ou seja, mesmo criando faculdades no Brasil, o objetivo não era formar professores, educadores, mas apenas técnicos que socorressem às necessidades elitizadas de seus governantes. É claro que a educação do povo não foi considerada por muito tempo uma prioridade: o primeiro curso de pedagogia recebeu aval para sua abertura em 1939. Sem o reconhecimento necessário às chamadas pedagogias, o país mal se mantinha em pé. Além disso, a mão de obra qualificada que, por ventura, fosse necessária, entrou no país por meio dos fluxos de imigração. Assim, sem uma economia crescente e a incorporação de massas de consumo, a maioria do povo poderia ser mantida ignorante. Apenas há duas décadas, a educação para formar especialistas tem recebido maior atenção e isto porque o crescimento da economia exige medidas mais contundentes. Hoje, sem que (por enquanto) haja outra onda imigratória europeia de técnicos e de especialistas, vemos como a “educação para o trabalho” está despreparada. Sem fortes investimentos na educação o país vai parar, estagnar em seu crescimento e quem sabe sofrer refluxos sociais e políticos. Não é difícil perceber o risco estrutural que nos acomete, basta ver que faltam profissionais em áreas centrais à manutenção da própria “ordem capitalista”. Algumas dessas defasagens estão presentes nos seguintes casos:

1. Formação de técnicos: edificações, automação, eletrônica e outras. A falta desse tipo de técnicos evidencia como a economia não crescia, servindo apenas àquela meia dúzia.

2. Trabalhadores de ofício manual: eletricistas, pintores, encanadores e pedreiros. Mesmo o setor de serviços esteve confinado à classe média.

3. Engenheiros: de áreas conhecidas até geologia, por exemplo.

4. Motoristas: desde profissionais com melhor padrão de conhecimento, em outras línguas ou tratamento mais adequado, educado, portanto, até motoristas de caminhão.

5. Operadores de produção: profissionais que se dirigem à produção, têm um conhecimento que requer tempo para maturar práticas e técnicas.

6. Profissionais de finanças: se a economia só crescia para os mesmos, quem mais iria se preocupar com a formação de operadores de mercado e de finanças?

7. Representantes de vendas: com a geração de empregos, crescimento do volume de negócios, a economia capitalista precisa de profissionais que a representem.

8. Profissionais de TI: esta talvez seja a área mais descoberta, mais frágil e mais difícil para se adequar. Se em tudo há informática, é o setor que mais necessita de cérebros; porém, é o que mais sofre, uma vez que a qualidade requerida também é crescente. Uma empresa ofereceu uma Ferrari a quem indicasse dez engenheiros de software de alto rendimento e ninguém levou o prêmio.

9. Operários: até mesmo ajudantes precisam de conhecimento técnico, atualização constante, porque também os equipamentos e insumos têm sofrido enormes mudanças.

10. Mecânicos: poucas são as máquinas, os carros que não incorporam tecnologias sofisticadas, o que leva à necessidade de se incorporar conhecimentos específicos, como de informática. Em casos mais especializados, a própria indústria tem investido na formação dos profissionais que necessita, como em Mecatrônica.

Hoje, como se diz, não mais se empregam os conhecidos “orelhas secas”. A não ser, é claro, na política, pois aí poucos são os realmente alfabetizados, com cultura universal, sabedores de seu ofício, cumpridores de sua responsabilidade técnica. Em política, pensando como na lição da Grécia clássica, pouquíssimos são aqueles que sabem ser a política essencial à condição humana, à liberdade, à formação de autonomia (dar normas a si mesmo) e autarquia (comandar a si mesmo). Pois, na generalizada baixa qualidade, poucos governantes não são analfabetos políticos.

Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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