Sexta-feira, 30 de novembro de 2012 - 06h07
Você prefere o título ou o subtítulo? Se concordar com o título, é sinal de que considera nosso país justo em relação à desigualdade que seria provocada pelo racismo – aliás, você nem consideraria o Brasil um país racista. Contudo, ao contrário, se você – como eu – concorda com o subtítulo, é porque vemos o quanto este país é racista, injusto, segregacionista, intolerante.
Alguns se apegam a antigos mitos para não ver o racismo brasileiro de todo dia: o mais comum dos argumentos é a tal da miscigenação. Como o povo é resultado de uma confusão generalizada de genes, entre brancos, negros e índios, o brasileiro, meio caboclo, cafuzo, mameluco, moreno, mestiço, é um misto que deu certo. Muito antes de você pensar assim, um sociólogo chamado Gilberto Freyre já dissera a mesma coisa, pregava uma tal de democracia racial. Outros, mais cautelosos, como o antropólogo Darcy Ribeiro, tentavam ver as coisas boas dessa mesma miscigenação, mas sem a ingenuidade classista do seu mestre e orientador, Darcy Ribeiro.
Os exemplos do Brasil racista são inúmeros, alguns conheci pessoalmente: tive um amigo e professor parado, revistado, ofendido pela polícia porque, como negro, pegara um taxi, na hora errada, no lugar errado. Perto dali, um “suspeito meio mulato” havia cometido alguma infração qualquer. Ele não processou, apenas berrou nos jornais – eu teria processado e ganho do Estado. Como fiz, quando me senti discriminado pelo poder público e pela iniciativa privada como pessoa com deficiência física.
Historicamente, se ainda queremos avançar um pouco mais na desmistificação de nossa santa miscigenação, basta-nos lembrar que as mulheres negras – esfalfadas da África, de suas famílias e cultura – foram trazidas ao Brasil como “coisas”. Nesta condição de coisas, foram “usadas” na Casa Grande e na Senzala como objeto sexual. Os filhos espúrios, ilegítimos, bastardos, formam a base da miscigenação do homem branco e da mulher negra. É óbvio que, naquela época, o contrário sequer seria pensado: mulher branca, homem negro. Então, não é difícil ver que esta miscigenação resultou do estupro.
Como é que negras trazidas nessas condições poderiam concordar com a tese da miscigenação?
Esta parte da miscigenação, entre brancos e negros, é majoritária na formação da cultura brasileira: o restante, o cafuzo e o mameluco, é residual se compararmos a presença/manifestação genética e até mesmo cultural.
Aos que querem/precisam avançar um pouco mais na questão, podem ler o sociólogo paulista Octávio Ianni, no livro A ideia de Brasil moderno, e que nos traz um belo resumo de nossa história cultural:
Foi na década de 30 que se formularam as principais interpretações do Brasil Moderno, configurando ‘uma compreensão mais exata do país’. Muito do que se pensou antes se polariza e se decanta nessa época. E muito do que se pensa depois arranca das interpretações formuladas então [...] Mas naquela época formularam-se algumas matrizes do pensamento social brasileiro, no que se refere a questões básicas: a vocação agrária e as possibilidades da industrialização, o capitalismo nacional e associado, o federalismo e o centralismo, o civilismo e o militarismo, a democracia e o autoritarismo, a região e a nação, a multiplicidade racial e a formação do povo, o capitalismo e o socialismo, a modernidade e a tradição [...] Uns preconizam a modernização em moldes democráticos; outros em termos conservadores, ou simplesmente autoritários. Há aqueles que reivindicam reformas sociais amplas; outros até mesmo a revolução social. Um outro chega a idealizar o escravismo, o regime monárquico, o colonialismo lusitano, o alpendre da casa grande”.
Se você ainda não se deu por satisfeito e está recalcitrante, como o racismo, em aceitar que o país é desgostoso para a parte majoritária de sua população, veja esse dado aterrador que transforma o racismo em morte provocada por homicídio intencional; (veja bem que não se trata de qualquer fator-morte); trata-se da cultura que encoberta o racismo e que leva inexoravelmente à morte:
As mortes por assassinato entre os jovens negros no país são, proporcionalmente, duas vezes e meia maior do que entre os jovens brancos. Em 2010, o índice de mortes violentas de jovens negros foi de 72, para cada 100 mil habitantes; enquanto entre os jovens brancos foi de 28,3 por 100 mil habitantes. A evolução do índice em oito anos também foi desfavorável para o jovem negro. Na comparação com os números de 2002, a taxa de homicídio de jovens brancos caiu (era 40,6 por 100 mil habitantes). Já entre os jovens negros o índice subiu (era 69,6 por 100 mil habitantes)[1].
Agora, se você, como eu, quer deixar a vergonha para trás, conhecer nossa história, falar um pouco de tudo com certa convicção, neste caso, recomendo que comece pela bibliografia que segue abaixo. É uma espécie de leitura que deveria ser obrigatória nas escolas brasileiras, se estas se dedicassem à leitura. Como dizem os estadunidenses, que são patriotas porque conhecem sua Constituição, deveríamos ler o que nós falamos de melhor sobre nós mesmos.
Bibliografia
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 110ª ed. Rio de Janeiro : Record, 2003.
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______ Macunaíma.
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CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo : Companhia das Letras, 1987.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10ª ed. São Paulo : Global, 2001.
____ Contos Tradicionais do Brasil. 13ª ed. São Paulo : Global, 2004.
CASTRO, Osório Alves de. Porto Calendário. São Paulo : Livraria Francisco Alves, 1961[2].
CHACON, Vamireh. A construção da brasilidade: Gilberto Freyre e sua geração. São Paulo : Marco Zero, 2001.
COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e sociedade no Brasil: ensaios sobre idéias e formas. Belo Horizonte : Oficina de Livros, 1990.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1983.
______ A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. São Paulo : Brasiliense, 1985.
_____ O que faz o brasil, Brasil? 11ª ed. Rio de Janeiro : Rocco, 2000.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. IN : Intérpretes do Brasil. Volume 2. Rio de Janeiro : Editora Nova Aguilar, 2002.
FAUSTO, Boris. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo : Brasiliense, 1986.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo : Companhia das Letras, 1995.
IANNI, Octávio. Ensaios de sociologia da cultura. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1991.
_____ A idéia de Brasil moderno. 2ª ed. São Paulo : Brasiliense, 1994.
_____ Tipos e mitos do pensamento brasileiro. XXV Encontro anual da ANPOCS, em Caxambu, realizado de 16 a 20 de outubro de 2001. (disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-45222002000100008&script=sci_arttext).
JOÃO CABRAL de Melo Neto. Morte e vida Severina. 7ª imp. 4ª ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2000.
JR., Hélio Silva. Anti-racismo: coletânea de leis brasileiras (federais, estaduais, municipais). 1ª ed. São Paulo : Oliveira Mendes, 1998[3].
JOSÉ, de Alencar. Iracema. 2ª ed. Fortaleza-CE : ABC editora, 2001.
KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo : Brasiliense, 1987.
LIMA, Barreto. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo : Objetivo, s/d.
LIMA, João Ferreira de. Proezas de João Grilo. Fortaleza-CE : Academia Brasileira de Cordel : Ban Gráfica, 2002.
LOBATO, Monteiro. O saci. São Paulo : Brasiliense, 2005.
MACHADO, de Assis. A sereníssima República e outros contos. São Paulo : FTD, 1994
NAVARRO, Fred. Dicionário do Nordeste. São Paulo : Estação Liberdade, 2004.
QUEIROZ, Raquel de. O quinze. 73ª ed. São Paulo : ARX, 2002.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. (91ª ed.). São Paulo ; Rio de Janeiro : Record, 2003.
_______ Relatórios do prefeito de Palmeira dos Índios. Col. EntreLivros. São Paulo : Record : Duetto, 2006.
REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos Malês em 1835. São Paulo : Companhia das Letras, 2003.
SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 34ª ed. Rio de Janeiro : Agir, 2002.
VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. (2 volumes). Belo Horizonte : Itatiaia ; São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo ; Niterói, RJ : Editora da Universidade Federal Fluminense, 1987.
[2]Este é baiano de nascimento, mas, alfaiate de profissão e comunista de coração, escreveu uma literatura nacional, do melhor nível, em minha cidade natal: Marília. Este livro é raríssimo, já foi citado por gente como . como sobrinho de sua filha, ganhei meu exemplar há muitos anos.
[3]Por que razão teríamos uma coletânea de leis antirracista se não temos racismo?
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