Quinta-feira, 1 de novembro de 2012 - 05h56
Muito se falou sobre o direito à vida, muitos digladiaram e se mataram em seu nome, desde a Idade Média até a atualidade há os “escolhidos” que falam e agem em seu nome, dos cientistas aos políticos e religiosos fanáticos, todos querem ser porta-vozes de Deus. É curioso que no passado e no presente, no Ocidente e no Oriente, mata-se muito em nome da vida.
No passado, reinava isoladamente o discurso “verdadeiro” e milagroso da religião, no presente a religião divide espaço com a ciência e com o ceticismo: aqueles que não creem na religião, mas desconfiam da razão e da ciência, especialmente porque não conseguiram resolver problemas simples da vida moderna. O fato é que não se sabe se a vida valia mais do que vale hoje em dia: no passado, alguns que mandavam matar, depois compravam “indulgências” para se inocentar com Deus; no presente, a moeda de troca é o crack. O que leva ao conflito de morte, supostamente em defesa da vida, é a intolerância, a arrogância, a falta de bom senso e prudência.
O que leva à morte é tratar a vida como mercadoria. Todas as atitudes imperiais, e o atual Império estadunidense (mesmo capenga, com a entrada da China) não é exceção, tratam os outros como outras coisas, objetos para satisfazer seus interesses – no passado, esse Império também já foi católico, com apoio de Portugal e Espanha, tal qual conheceu o terror com os britânicos, pondo-se em ação respaldado pela “ética protestante” – a matriz evangélica.
Muito se matou pela liberdade, desde os escravos e gladiadores, como os liderados por Espartacus. E Muito mais se matou pelo trabalho, especialmente se o objetivo era (ou é) se apoderar do resultado do trabalho dos outros. Aliás, é de se lembrar que a expressão trabalho vem do latim tripalium ("tri", três, e "palus", pau, literalmente, "três paus"), um eficaz instrumento de tortura. Se não fosse trágico, seria cômico que na Polônia, no pórtico de entrada do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau estivesse estampada a expressão mais cínica que a razão pode firmar, “Arbeit Macht Frei”, cuja tradução literal significa “o trabalho liberta”.
Em suma: na luta pela vida, matam os terroristas, mata e trucida o Estado – algo como fazer a guerra para manter a paz. Não é custoso ver que o Terrorismo de Estado transforma o direito da vida em direito do sistema (em “terror da vida”), sendo mais grave, portanto, do que aquela visão reducionista que vê o direito como arroto do Estado.Frise-se que esta expressão de mal-estar não se deve a Hitler e à ideia de que a palavra é lei! Aliás, o próprio direito à vida surgiu como uma impressionante manobra do capitalismo em saber lucrar muito mais com a vida do que com a morte. Foucault traçou uma linha histórica que a atualidade do Estado Penal quer reverter:
Por muito tempo,um dos privilégios característicosdo poder soberano fora o direito de vida e de morte. Sem dúvida, elederivava formalmente da velha patria potestas que concedia ao pai de famíliao direito romano de ‘dispor’ da vida de seus filhos e de seus escravos; podia retirar-lhes a vida, já que a tinha ‘dado’ [...] O poder era antes de tudo, nesse tipo de sociedade, direito de apreensão das coisas, do tempo, dos corpos e, finalmente,da vida; culminava com o privilégio de se apoderar da vida para suprimi-la [...]Poderia ter tomado, em outro nível, o exemplo dapena de morte. Por muito tempo, ela foi, juntamente com a guerra, a outraforma do direito de gládio; constituía a resposta do soberano a quem atacava sua vontade, sua lei, sua pessoa [...] Pode-se dizer que o velho direito de causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de causar a vida ou devolver à morte [...]A velha potência da morte em que se simbolizava o poder soberanoé agora, cuidadosamente,recoberta pela administração dos corpos e pela gestão cuidadosa da vida [...]O homem, durante milênios,permaneceu o que era para Aristóteles:um animal vivoe, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal, em cuja política, sua vida de ser vivo está em questão (Foucault, 1988, p. 127-134 – grifos nossos).
No caso do terrorismo moderno, soberania é do governante e não do Estado e segurança é do Estado e não do cidadão. Portanto, para o vigor do Estado de Exceção, o direito sem fundamentação moral, não é imoral, é essencial. No Estado de Exceção predomina a lógica processual (seguindo-se à palavra de Hitler havia uma tempestade de regulamentos e de diretivas[1]). No Estado de Exceção em que nos metemos há muito tempo (para alguns nunca chegamos a sair), a vida é mais lucrativa do que a morte e, por isso, tanto se embala o direito à vida. Não se defende a vida propriamente dita, mas o que dela pode resultar, o lucro que dela se extrai, os recursos que se acumulam com a própria produção da vida dos outros.
Esta é uma ilusão que se desfaz na vida comum, como se enevoa na metáfora. Aliás, as metáforas (do grego “transporte, mudança”) nos encaminham para o significado que realmente queremos. De todo modo, se a manutenção de preceitos básicos e relativamente simples para assegurarmos um entendimento comum (do direito) da vida não é tarefa corriqueira; assegurar que este direito seja defendido com manifestação da diversidade é um exercício ainda mais complicado. Vejamos uma metáfora do direito à vida na diversidade.
Bibliografia
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber. Vol. 1. Rio de Janeiro : Graal, 1988.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
[1]É notável que mesmo o mal supremo julgue-se devedor da necessidade de formular tratativas: a exemplo do Fausto (Mefistófiles) e do nazismo.
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