Sábado, 8 de dezembro de 2012 - 11h16
O Judiciário é uma das coisas, neste caso instituição, que precisam ser mudadas e muito, mas muito, profundamente, modificadas no Brasil. À primeira vista, o leitor pensaria que há regularidade, por exemplo, nas decisões dos juízes. Vamos ver que não é bem assim. Tomemos o que já se tornou um ícone da corrupção e da impunidade, o exemplo do julgamento de Carlinhos Cachoeira.
Este é apenas um exemplo, há muitos, alguns nacionais, outros locais: por que, faltando 20 e poucos dias para o fim do ano, todas as atenções judiciais voltaram-se para a prefeitura de PVh? Em todo caso, por que, como presente de Natal, recebemos mais esta operação? Muitos ficam tentando descobrir quem teria sido perturbado em seu sossego para termos uma ação desse porte. As explicações oficiais todos já conhecem – mas, este é outro belo exemplo do que precisa ser modificado urgentemente, pois o oficialesco quase-nunca corrobora a “verdade real”.
Aliás, se precisamos definir como “verdade real” e não apenas verdade o que se passa no Judiciário, é porque o realismo nacional não é suficiente – o juiz precisa ser ultra-realista, mais que perfeito. De modo coerente com o erro, se tratamos de uma verdade real, em contraposição à verdade processual, é porque esta não é necessariamente verdadeira, isto é, legalizamos o direito de mentir ao próprio Judiciário. O Estatuto do Advogado, ao contrário, obriga a dizer e agir com honestidade, ou seja, sem mentiras. Não tem algo estranho, de difícil entendimento se utilizarmos uma lógica mediana, bem linear?
Enfim, voltemos ao Cachoeira.
Outra relação que salta aos olhos e à atenção do cidadão médio, diz respeito à Construtora Delta – onde estão os seus responsáveis dentro do processo citado? Por que razão misteriosa os contratos da Delta não são investigados? Por que não se prorrogou os trabalhos da CPI do Cachoeira? Não tenho todas as respostas, mas é certo que as principais obras e recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) estão vinculados à Delta e a Delta se liga ao Cachoeira. Então, o leitor pode tirar suas conclusões (coloque na internet, “ligação da Delta com o PAC”, é um assombro).
No caso já conhecido, o Cachoeira, como todos sabem, estava em liberdade e foi detido novamente ontem. Até ele ficou surpreso; imagine o cidadão que trabalha e paga suas contas. Agora, após ser condenado a quase 40 anos de prisão, o juiz Alderico Rocha Santos entendeu ser necessária a prisão preventiva do empresário, no prazo de dois anos. Pois é, foi condenado a 40 anos, mas preventivamente a apenas dois anos de prisão. E aí justifica-se o juiz: "É que o acusado já permaneceu preso por quase nove meses e a prisão por mais dois anos é o suficiente a afastar o sentimento de impunidade, possibilitar a conclusão das investigações sobre os crimes de lavagem de dinheiro, o rastreamento do destino dos valores que transitaram pelas contas das empresas fantasma e a demissão, se o caso, do grupo de policiais e outros servidores públicos que lhe deram suporte na prática dos crimes". Não se trata de fazer justiça, mas sim acalmar a sensação de impunidade. Não sei se estou redondamente errado, se estou vendo o que não existe, mas este seria um argumento racional, jurídico, lógico, necessário a uma sentença judicial? Ninguém é condenado a 40 anos de prisão sem ter muita motivação para tanto. Quantos erros seriam necessários para se condenar um inocente a 40 anos de prisão, por crimes ligados a corrupção?
Para o juiz, a prisão preventiva é necessária porque há risco real, concreto de repetição das ações delituosas, caso o réu permaneça em liberdade. A liberdade de Cachoeira expressa o sentimento de que o crime compensa, à medida que o infrator pode continuar a praticar uma série infindável de crimes. Digamos que até concordemos com o juiz, que solto, oferece risco à sociedade. O que não se entende é que a prática da justiça dependa de ações preventivas, depois do crime cometido, do julgamento e da condenação por gravíssimos crimes cometidos contra a sociedade nacional – é como trocar a tramela (a madeirinha na porta da casa do pobre) depois do arrombamento. Também não se explica como o Judiciário permanece tão desprotegido – é claro, os juízes honestos –, enquanto mudanças simples resolveriam muitos problemas.
Por exemplo, expandindo o alcance do direito liberal, em que UM juiz deve ser vinculado à ação judicial. Este único juiz, é óbvio, torna-se alvo fácil dos desafetos e dos muitos criminosos, especialmente os bem poderosos. Para combater a Máfia, o Judiciário italiano modificou, ampliou o significado do Princípio do Juiz Natural – coletivizando as ações e os processos. Não há como ameaçar o Judiciário, apenas o juiz preso à ação pode ser atordoado.
No caso do Cachoeira, o primeiro juiz do seu processo renunciou porque foi ameaçado de morte, o segundo, Leão Aparecido Alves, é amigo de um dos réus e só se afastou do caso depois das denúncias e de muitas pressões. Alderico Rocha Santos é o terceiro juiz do caso e permaneceu atuante mesmo depois de ter sido chantageado por Andressa Mendonça, mulher de Cachoeira. Quer dizer, o caso em si, no todo, é um exemplo perfeito do que precisa ser transformado no Judiciário brasileiro. O pior de tudo, entretanto, é saber que os juízes amigos pessoais de réus em processos de corrupção são mais comuns do que se pensa – mas esta mudança não se dá apenas com a mudança da lei.
É preciso ver se a lei é capaz de modificar a moral. Há casos concretos indicando isso, para o bem e para o mal, mas isto é assunto para outro dia. Hoje, basta-nos pensar em fortalecer os juízes honestos – isto equivale a fazer o Bem.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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