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Gente de Opinião

Yêdda Pinheiro Borzacov

À Memória de Nadir Ivo Albuquerque


* Yêdda Pinheiro Borzacov
 

Quando um amigo parte para o Mundo Maior, leva consigo uma parte de nós mesmas. Amigo completa nossa existência, alimenta nosso cotidiano. É com ele que dividimos os nossos encantos. Não existe medida maior para a grandeza de um caráter do que o poder de saber fazer amigos. E a professora Nadir Ivo Albuquerque, a mãe Dina das crianças do Educandário Belisário Penna, sabia ser amiga. Amiga, amicíssima, leal e de uma extrema fidelidade às suas amizades. Fomos amigas desde 1960, ela e o seu marido, Pedro Olímpio foram padrinhos de meu casamento, em 1965, com Eduardo Borzacov. Por uns anos, eu e Lindomar Soares, tivemos o privilégio de ajudá-la no seu magnífico trabalho no Educandário. Depois, com a chegada de filhos, afastei-me da tão abnegada obra realizada pela mãe Dina, mas a amizade foi sustentada pelo respeito mútuo.

Ao ter conhecimento da passagem de mãe Dina para a vida espiritual, lembrei-me que a morte para aqueles que viveram bem é como o desgarrar de um pantanal tenebroso para a sublimidade das planícies celestes.

Lembro-me de uma história ocorrida com um dos maiores escritores conhecido mundialmente. Ele amava com um amor terno e imenso a sua mãe, magrinha, suave, já atingindo o anoitecer da existência. Ela faleceu, como todos nós faremos um dia. Inconsolável, ele abandonou sua terra natal, não pretendendo jamais retornar. Achava impossível voltar ao velho casarão onde passara sua infância e adolescência. Andar pelas ruas, ver as mesmas praças, quem sabe, encontrar as mesmas pessoas e não encontrar sua mãe que fora também a sua melhor amiga.

Os anos passaram, e um dia não suportando a saudade que o invadia, retornou à cidade. Foi direto ao cemitério, onde supunha que sentiria a presença da mãe. Entrou. Rangeu sob os gongos, o velho portão de ferro. Havia um completo silêncio por entre os túmulos. Procurou o de sua mãe, sentando-se nele. Parecia-lhe incrível que ela, sua mãe, ali estava, debaixo daquela pedra fria, naquele lugar ermo, sozinha, sem poder falar, sem poder segurar suas mãos, acariciar-lhe os cabelos, beijá-lo, e dizer-lhe: “Meu filho querido!” Onde estava ela? Por que partira?

Impiedosa e amarga é a morte, pensava. Vem quando e como quer, e leva aqueles que passam por suas mãos. Chorava.

Percebeu nesse momento, um vento suave que balançava as folhas do coqueiro, ao lado do túmulo da mãe amada. Com um lenço enxugou os olhos e no auge do seu desespero “sentiu” e “ouviu” que alguém estava ao seu lado e lhe falava:

Filho querido, ânimo! Eu não estou onde tu pensas. Não te desesperes! Já atingi um plano muito além e acima da vida térrea. Estou alegre e trabalhando no exército de Cristo. Deixa de lado este apego às coisas terrenas que se destroem e nada deixam. De que valem meus ossos, meus restos? Nada. Apega-te naquilo imortal: o espírito. Filho, não lamente a minha partida. Tuas lágrimas serão as minhas. Teu desespero, o meu. Deves renovar tuas forças e procurares a verdadeira vida. Jesus a dá à todos nós. Vai e não penses que estou aqui.

Ele saiu. Seu estado de espírito era outro. Abandonara-o aquele abatimento moral, aquele apego ao que não mais existia de sua mãe. Olhando o sol poente, a quietude dos arredores, ele teve a certeza absoluta do lugar maravilhoso onde ela estava, e de que, não ele, mas ela, é que deveria lamentá-lo, enquanto se encontrasse naquela escuridão de espírito. Reagiria, na convicção que ela encontrara a paz. Ela estava muito bem. Ela vivia a outra vida.

Um conforto imenso invadiu seu coração. Poderia sentir saudades da mãe, sua falta, sua ausência. Amara-a muito, era humano. Contudo, como uma homenagem à mãe que viera ajudá-lo, ele iria viver sabendo de que a morte para os bons é como um sono tranquilo e a passagem para o Mundo Maior “dos que dormem no Senhor”.

Márcia, Maria de Fátima, Sílvio, Nelson, Sérgio e todos os filhos do Educandário Belisário Penna, da mãe Dina: Não existem aqui princípios outros religiosos que não um sentimento de profunda solidariedade com a dor que ora paira sobre vocês.

Sentimos e choramos juntos. Mas, juntos também enviamos nossa mensagem de vida, de conforto, de consciência plena de que ela está viva no plano espiritual. Atingiu o sublime, onde há primavera constante, amor e paz dando-se as mãos. Vida verdadeira e abundante.

* Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia, vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira e colunista do site Gente de Opinião.

À Memória de Nadir Ivo Albuquerque - Gente de Opinião

Nadir Ivo Albuquerque. Foto: Acervo de família

À Memória de Nadir Ivo Albuquerque - Gente de Opinião

Dr. Pedro Olímpio com as filhas Silvia e Fátima. Foto: Acervo de família

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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