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Gente de Opinião

Yêdda Pinheiro Borzacov

A Padroeira de Rondônia


* Yêdda Pinheiro Borzacov

“Ó! Virgem Mãe Amorosa

Fonte de Amor e de Fé

Dai-nos a benção bondosa

Senhora de Nazaré...”

Mudam os tempos, os costumes, as modas e até a devoção. Como prova citamos o exemplo de devoção à Nossa Senhora de Nazaré, em nosso Estado, particularmente em sua capital, Porto Velho.

A devoção a essa Santa data de 1931, quando expressivo número de famílias paraenses se radicou em Porto Velho, trazidos pelo primeiro diretor brasileiro da Madeira-Mamoré, o paraense-bragantino, Aluízio Pinheiro Ferreira. Eram os Silveira Brito, os Pinheiro Ferreira, os Borralho de Medeiros, os Penna Pinheiro, os Laudelino de Almeida, os Oliveirinha, os Teixeirinha, os Souza Cordeiro, os Ferreirinha, os Caladrini Pinheiro, dentre muitos outros que, irmanados na mesma devoção e liderados por Aluízio Ferreira, introduziram o culto à milagrosa Virgem, homenageando-a com o Círio, tradição de fé e o transbordamento religioso do paraense, passando inclusive, essa devoção, para as outras colônias aqui radicadas, de amazonenses, cearenses, piauienses, maranhenses etc.

Quando, em 1943, foi criado o Território Federal do Guaporé, escolheu-se para Padroeira da nova unidade da federação, Nossa Senhora de Nazaré, prosseguindo, portanto, a homenagem à Santa com a realização do Círio, no segundo domingo de outubro, como reza a tradição no Pará. Na véspera, à noite, a imagem da Santa, adquirida no Rio de Janeiro por Aluízio Pinheiro Ferreira, era conduzida com grande acompanhamento, da Catedral do Sagrado Coração de Jesus para a Capela do Hospital São José. Era a transladação. E no domingo do Círio a procissão fazia o percurso inverso, percorrendo as ruas da então pacata e bucólica Porto Velho, sendo conduzida a berlinda com a imagem da Santa, pelo governador do Território e mais três paraenses. A berlinda era antecedida pelas autoridades, por um carro cheio de crianças vestidas de anjos e pela banda de música da Guarda Territorial, tocando hinos sacros e precedida por um ensurdecedor espocar de foguetes, seguida pelo povo, cantando hinos de louvor à Santa e entoando preces. No período de 1943 a 1950 minha avó Sinhá, paraense de Bragança, ornamentava a berlinda com flores confeccionadas por ela própria. Inclusive bordava com esmero o manto de Nossa Senhora de Nazaré, com miçangas, lantejoulas, pérolas, fios prateados ou dourados. A cada ano uma cor e flores diferentes. Eram miosótis, rosas-meninas, violetas, sorrisos de Maria, lírios, jasmins, margaridas, delicadas e mimosas. As donas de casa colocavam, às janelas, pois à época não havia necessidade de grades, toalhas de linho branco, bordadas, e enfeitavam as ruas por onde a procissão passava com pétalas de rosas e folhagens.

O momento culminante do Círio era a chegada da imagem em frente à Catedral do Sagrado Coração de Jesus, ocasião em que era celebrada uma missa solene. Em seguida a imagem era retirada da berlinda e o bispo subia os degraus da escada da Catedral, erguia-a por cima da cabeça, e abençoava o povo presente. A emoção tomava conta dos devotos, mesmo daqueles que todos os anos participavam do Círio e, com os olhos fixos em Nossa Senhora de Nazaré, a multidão batia palmas e dava vivas à Virgem Santíssima. A seguir, o bispo entrava no templo e colocava a imagem em seu altar. O povo adentrava a Catedral, procurando conseguir um lugar dentro do templo.

Faltavam ao Círio, culto religioso que igualava socialmente pobres e ricos, burgueses e operários, apenas os desiludidos e os falecidos. Em 1950, quando Petrônio Barcelos assumiu o cargo de governador do Território, a devoção do povo por Nossa Senhora de Nazaré deixou-o tão emocionado que, por meio do Decreto nº 18 de 5 de abril de 1951, “Considera monumentos do Território a imagem de sua Padroeira, Nossa Senhora de Nazaré e a Catedral de Porto Velho”. O governador Petrônio Barcelos entendeu a demonstração de fé, solidariedade, fraternidade e determinação do povo à sua Padroeira.

Após a realização do Círio havia, na Catedral, a novena. Finda a reza, o povo se dispersava para a diversão na quermesse. Armavam-se barraquinhas no largo onde eram comercializadas bebidas e comidas típicas, havendo também jogos de diversão e “footing” dos jovens. No período de 1931 a 1942, quando Aluízio Ferreira ocupava o cargo de diretor da E.F. Madeira-Mamoré, e no período de 1943 a 1945, quando foi nomeado, pelo presidente Getúlio Vargas, governador do Território Federal do Guaporé, comparecia, quase todas as noites, naturalmente seguido pelo seu séquito, ao arraial de Nazaré.

Os tempos e os costumes mudaram. Poucas pessoas em Rondônia sabem hoje que Nossa Senhora de Nazaré é a Padroeira dos rondonienses e que no segundo domingo de outubro é realizado o Círio. Porém a fé dos paraenses residentes em Porto Velho, como Maria de Nazaré Figueiredo da Silva, Ivani de Paula, Sandro Ferreira, Odaléa Sadeck, Claudete Ferreira, Lúcia Barbosa e Fernando Fonseca (esses quatro últimos já falecidos); as porto-velhenses Leinha Soares e Júlia Arcanjo Fonseca e os padres cambonianos da Paróquia de Nossa Senhora das Graças, subsiste, intangível, através dos anos, resistindo bravamente a todos que tentam esfacelar as tradições, a cultura e costumes do nosso povo. Afinal, há coisas terrenas que exigem menos, mas em contrapartida, não enobrecem tanto.

* Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia, vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira e colunista do site Gente de Opinião.

A Padroeira de Rondônia - Gente de Opinião

Devotos acompanham a procissão do Círio de Nazaré
em Porto Velho (Foto: Reprodução/TV Rondônia)

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