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Yêdda Pinheiro Borzacov

A VARANDA DO PORTO VELHO HOTEL. ESTA VARANDA TEVE HISTÓRIA! Por Yêdda Pinheiro Borzacov



A VARANDA DO PORTO VELHO HOTEL.  ESTA VARANDA TEVE HISTÓRIA! - Gente de Opinião

 
A vida cultural de Porto Velho, nas décadas de 1950 e 1960, comportava um grupo erudito, culto,
constituído por conversadores eméritos que se reuniam das 18 às 22 h, impreterivelmente, na
aprazível e acolhedora varanda do Porto Velho Hotel, prédio imponente que domina grande parte
da paisagem alta da cidade.

O grupo intelectual era assim formado: Ary Tupinambá Penna Pinheiro, médico, etnólogo e
historiador; Stélio José Moreira Motta, promotor público; Pedro Carvalho, protético, conhecido
como Pedro Tatu; Orlando de Morais, jornalista e poeta; Emanuel Pontes Pinto, historiador,
seringalista e jornalista; José Pontes Pinto, advogado e notável contador de histórias e "causos";
Fouad Darwich Zacharias, advogado e escritor, sendo o 1° Presidente do Tribunal de Justiça
quando Rondônia passou a Estado; Flodoaldo Pontes Pinto, industrial; Hélio Fonseca, promotor
público e o mais jovem do enciclopédico grupo e outros personagens que se juntavam ao grupo
cativo esporadicamente, quando se encontravam na então pacata e provinciana Porto Velho. Entre
alguns desses, o poeta satírico paraibano Pompílio Diniz, o indianista Chico Meirelles, o
naturalista, antropólogo e escritor Nunes Pereira e os engenheiros Oswaldo Barbosa e José Fiel. A
conversa versava sobre a história e cultura amazônica e a política partidária da terrinha. O aspecto
ridículo dos políticos era então cantado em prosa e verso, provocando sempre gargalhadas,
apesar de repetidas muitas e muitas vezes. As vítimas preferidas eram o dentista Luís Cantanhede,
Presidente da UDN no Território, apelidado de Clodoveu; o ex-governador Joaquim de Araújo Lima
que disputou, em 1958, a única vaga de deputado federal pelo Território Federal de Rondônia,
obtendo a inexpressiva votação de 442 votos; o ex-governador Joaquim Vicente Rondon, apelidado
de "Cérebro de Concreto Armado"; o ex-governador José Ribamar de Miranda e outros mais.
O desembargador Hélio Fonseca conta, em sua belíssima crônica "Histórias de Ary Pinheiro", fato
narrado várias vezes envolvendo o "Cérebro de Concreto Armado": "Episódio muito interessante e
que sempre fazia grande sucesso, fazendo-nos rir até cansar, era o do governador Joaquim
Vicente Rondon, protegido de Dona Santinha, esposa do presidente Eurico Gaspar Dutra.

Enquanto viva, Dutra não se atrevia a demiti-Io do cargo, apesar dos empenhos sucessivos de
Aluízio. Quando aquela dama faleceu, Dutra não suportou mais a pressão e tirou-lhe o cargo sem
aviso prévio. Soube-se do fato pela "Voz do Brasil", ouvida com muita dificuldade nos aparelhos
mais possantes de ondas curtas, e logo em seguida começou um foguetório na esquina da av. 7 de
Setembro, chefiado por um guarda territorial cujo nome agora não me ocorre. O local era bem
próximo da residência oficial, e o fogoso coronel, duplamente abalado pela demissão e pela
surpresa, não aguentou a terceira afronta das explosões e correu, em mangas de camisa, para o
referido logradouro, onde aplicou um forte tabefe na cara do fogueteiro, no momento em que
elevava mais um rojão para os céus. O dito caiu duro no chão, custando a se levantar. O mais
engraçado é que o agredido parece não ter guardado raiva e mais tarde até se envaidecia em
contar as peripécias (que deve ter sido o momento culminante de sua vida), honrado por ter sido o
alvo de tão categorizado agressor".

Os conversadores Ary Pinheiro e Chico Meirelles trocavam ideias e demonstravam preocupação
com o destino das nações indígenas. Antes da abertura da BR-29, hoje 364, o engenheiro José
Fiel, frequentador da famosa varanda, escreve na crônica "Um Tipo Inesquecível", em homenagem
ao amigo Ary Pinheiro: "Ouvi suas colocações, suas óticas lúcidas para preservar a cultura tribal,
mas que isso não significasse o afastamento de uma aproximação inevitável que teria de
acontecer. Defendiam a dignidade da raça com a conservação dos costumes, mas sem a
imposição de um emparedamento que tantos anos depois querem determinar, como égide de
proteção das chamadas minorias não privilegiadas".

As tertúlias na varanda do Porto Velho Hotel eram momentos de aprendizagem, verdadeiras e
magníficas aulas dadas sobre Botânica, Zoologia, Indiologia, História, Antropologia, entremeadas
de histórias satíricas sobre o momento político de Rondônia. O assunto pulava dos bandeirantes
que perlustraram os rios Madeira e Guaporé, para improvisos de versos e historietas préfabricadas,
dedicados ao dentista Luiz Cantanhede e outros adversários políticos.

Tais versos e historietas revelavam insuperável senso de humor do grupo e demonstravam uma
cidade de Porto Velho bem diferente da de hoje. Isto nos leva sempre a um ponto difícil: a cidade
melhorou ou não? Sem registrar uma opinião, há um fato concreto representado pelo ritmo veloz
da mudança sofrida por Porto Velho nas últimas décadas do século XX e início do século XXI. Um
ritmo que aguça uma sensação de descontinuidade. Que tem esta nova cidade com aquela outra?
Muitas cidades brasileiras sofreram o mesmo fenômeno, porém creio que em nossa cidade ele foi
mais rápido e profundo. Não é o caso de tentarmos falar de diagnósticos e terapêuticas. Mas
também não é inoportuno lembrar de certos episódios que aconteciam na Porto Velho antiga, das
pessoas que ajudaram a fabricar a cara da então isolada Porto Velho. Por exemplo, uma viagem
aérea para Belém ou São Paulo levava dois dias, havendo pernoite em Manaus, no caso de Belém
e Cuiabá, no caso de São Paulo. Não havia estradas e nem televisão e os jornais, de fora, que
chegavam, atrasados, eram disputadíssimos. Uma ligação interurbana levava horas e às vezes
dias para completar. O amigo desembargador Hélio Fonseca escreve: "O remédio era preencher
as horas vazias com conversas intermináveis, essa arte tão apreciada que se perdeu hoje em dia
com a agitação das grandes cidades e o império da TV sobre os sentidos e a nossa preguiça".
Nenhum cidadão de Porto Velho, à época dos comícios e das eleições ficava em cima do muro, na
esperança de receber benesses de qualquer político que tivesse seu nome consagrado nas urnas.
Havia apenas dois grupos políticos: o PSD, coligado com o PTB, e a UDN, coligada com o PSP.
Havia fidelidade partidária dos políticos e firmeza e lealdade nos eleitores.

Lembro-me que a turma da varanda do Porto Velho Hotel contava, indignada, o episódio ocorrido
em um dos seringais do Joaquim Rocha, nas eleições de 1954. Disputava-se vaga única de
deputado federal. Os seringalistas, por unanimidade, apoiavam Aluízio Pinheiro Ferreira,
candidato à reeleição pela coligação PSD/PTB, e o seringalista Joaquim Rocha pediu votos, aos
seus seringueiros, para o amigo do peito, Aluízio Ferreira. O outro candidato, da coligação
UDN/PSP, era Joaquim Vicente Rondon, e a disputa acontecia acirrada, com tenacidade e garra
pelos candidatos e correligionários. Tranquilo, tendo a certeza que as urnas dos seus seringais
sufragariam o nome de Aluízio Pinheiro Ferreira, o seringalista Rocha viajou para Manaus, após
votar, onde comemoraria, naquela cidade, os seus 50 anos junto com os seus familiares. Voltaria
para festejar a vitória certa de Aluízio Ferreira. As urnas, naquela época da eleição, das vilas e
seringais, eram trazidas à Porto Velho e Guajará-Mirim para a devida apuração. Todos os
seringalistas garantiram os 100% dos votos dos seus seringais para Aluízio e ... surpresa
desagradável, terrível, a urna do seringal "Angustura", de Joaquim Rocha, deu 100% de votos para
o candidato da oposição, Joaquim Vicente Rondon. Indignado, sentindo-se traído e envergonhado
perante Aluízio, o Rocha viajou imediatamente para o seringal "Angustura". Ia apurar, "in loco", o
sucedido. Lá chegando, pediu ao seu gerente para reunir os seringueiros, pois queria apurar, timtim
por tim-tim, a traição. Todos seringueiros reunidos saudaram respeitosamente o patrão e
inquietos conservaram-se calados, aguardando o que o seringalista Rocha tinha a dizer.
O seringalista, ainda indignado com os votos dados a Joaquim Vicente Rondon, logo em um dos
seus seringais, perguntou o que havia acontecido, pois não havia ele pedido os votos para o amigo
fraterno, o benfeitor do Guaporé, Aluízio Ferreira? Como e por quê não fizeram o que ele pedira?
Foi então, que um dos seringueiros, espantado e com os olhos arregalados, pediu para falar.
Concedida a palavra, indagou:

- O patrão num é candidato? Num é possive! Veio aqui um homem, um tar de Bonerges dizendo qui
o patrão havia mandado pra conversa cum noís e mostrou um papel, dizendo que era o papel do
voto (cédula), com o nome Joaquim, nome do patrão que era candidato. Eu vi o papel cum esse
oios que a terra há di cumer o nome do patrão. Aí nois votamo, votamo no patrão, sim!

Depois da resposta dada pelo humilde seringueiro, o que fazer? Joaquim Rocha percebeu que o
correligionário de Joaquim Vicente Rondon, membro do PSP, o comerciante Boanerges Lima,
proprietário de uma farmácia localizada na av. 7 de Setembro, esquina com a rua José de Alencar,
havia utilizado uma estratégia, por sinal inteligente, para ludibriar os semi-analfabetos seringueiros
que, inocentemente, consagraram na urna o nome do pele-curta Joaquim Vicente Rondon,
julgando estarem votando no patrão que tanto gostavam e que sempre os tratou muito bem, o
seringalista Joaquim Rocha.

A varanda do Porto Velho Hotel presenciou muita história e teve muita história para contar.
Quando, em 1977, o Porto Velho Hotel foi fechado, as reuniões da famosa varanda foram
transferidas para o jardim tropical da residência de Ary Pinheiro, na rua D. Pedro II, esquina com a
rua Euclides da Cunha, e o grupo ganhou novos companheiros: José Nóbrega da Rocha, Vivaldo
Mendes, Paulo Struthos, José Lira, César Queiroz, Francisco Pontes Pinto, Floriano Riva, Pedro
Gondim, Carlos Alberto Brasil e Eduardo Borzacov. E, debaixo das frondosas árvores do jardim tão
amado, evocando a floresta amazônica, os conversadores contavam histórias que fluíam
espontaneamente, interrompidas muitas vezes pelas sonoras gargalhadas e vibrantes aplausos.
As histórias que aprendi a amar desde criança, ouvindo-as na varanda do Porto Velho Hotel ou no
jardim tropical de meu pai, Ary Pinheiro, serviram de lastro magnífico para minha formação cultural.

Só tenho a agradecer.

Yêdda Pinheiro Borzacov

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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