Sábado, 5 de setembro de 2015 - 21h07
Recentemente, relendo “Navegação de Cabotagem”, de autoria do mais autêntico intérprete da vida regional baiana, Jorge Amado, recolhi flagrantes curiosos e até mesmo pitorescos referentes à Academia Brasileira de Letras.
Na página 372, Jorge Amado assinala que a famosa instituição, “... nos dá não é nem a imortalidade (sic!), nem a glória (puf!), nem sequer a respeitabilidade, nada disso. Nos dá apenas e isso, sim, é muito, paga a fatuidade, o transitório, o disparate, o que ela nos dá é a convivência, a amizade”. A fascinante expressão do intelectual de mil artes nas letras (um dos meus preferidos), fez-me lembrar que não existe medida maior para a grandeza de um caráter do que o poder de saber fazer amigos. Como exemplo cito o acadêmico de honra da ACLER, Euro Tourinho, personagem de minha estima e admiração e de todos que com ele convivem. Alguns até comentam, como o acadêmico Almino Afonso, ex-Ministro do Trabalho do governo Goulart e ex-vive-governador de São Paulo, nascido em Humaitá-AM e vivido parte de sua infância e juventude em Porto Velho: Amigo? Digo mesmo que mais do que amigo, ele é irmão. Irmão amigo.
Sempre que leio algo referente às Academias de Letras, sou instada a tecer alguns comentários sobre essas Casas das inteligências e de seus membros que trabalhados por um sentido superior da cultura, superiores se mostram na própria criação literária, incapazes de vulgaridade e muito menos de mesquinharia de forma e de conteúdo. Creio que toda a questão está na altitude das ideias, na sanidade de pensamento, na dignidade de expressão e da comunicação humana, tanto quanto na capacidade de conviver. Mais que o êxito literário importa para as Academias a filosofia dos valores da cultura e do homem, em termos de altitude, largueza e, antes de tudo, de polimento. O escritor mais definido e triunfante poderá ser o acadêmico mais duvidoso. O problema não é caracterizá-lo como expressão de uma categoria de trabalho específico, mas identificar o sentido, o espírito, a elevação e, assim como o porte, o conteúdo de sua obra.
Creio que para alguém ser acadêmico não basta trazer em si as habilidades do escritor. Alguma coisa mais se há de querer. Nem mesmo a obra numerosa, ou de fama, basta, às vezes, para legitimar os sufrágios dos imortais (sic), imito Jorge Amado. A soma dos valores publicados e o próprio rumor da popularidade em termos de livraria, poderá não perfazer o total desejado: a linha acadêmica, o tônus próprio e inconfundível.
Um valor, na vida literária, será o conjunto dos fatores ou condições de êxito, espécie de produto bruto (perdoem a paráfrase). São decisivos outros valores. O importante, desde logo é reconhecer que a junção das parcelas – imaginação, engenho e talento – não nos dará necessariamente, numa soma final, o homo-academicus. Dele se exige mais. Li certa ocasião, não me lembro em qual livro, que o escritor Afrânio Peixoto, conversando com um grupo amigo, entre irônico e fazendo-se de esquecido, perguntou: “Qual é mesmo o nome daquele escritor tão impolido?
A tirada de Afrânio Peixoto serve-nos para lembrar que no impolido não pode existir o acadêmico. Uma academia não é apenas um punhado de escritores, treinados ou jeitosos na poesia, no romance, na prosa e no que mais; o que importa é constatar o intelectual com educação literária.
Retornando aos flagrantes recolhidos em “Navegação de Cabotagem”, p. 373, Jorge Amado relata que durante um discurso proferido por um acadêmico, Álvaro Moreyra, voltou-se para ele e disse: “Ontem à noite me vi num programa de televisão, gravado dias antes. Só aí me dei conta de como estou acabadozinho, fiquei com tanta pena de mim...”. É preciso mesmo coragem para reconhecermos nossa decadência física e mostrarmos firmeza para contemplá-la, é a batalha do espírito contra a matéria. Se tivermos a alma férrea, venceremos a melancolia e o desânimo que os avançados anos muitas vezes provocam em nosso ser. Por isto, lembremos os pensamentos de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo” e de Shakespeare: “Sê fiel a ti mesmo”.
* Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia, vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira e colunista do site Gente de Opinião.
Capa do livro Navegação de Cabotagem – Foto: Google Imagem
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