Segunda-feira, 25 de maio de 2015 - 11h52
*Yêdda Pinheiro Borzacov
Vários fatores contribuíram para que a bacia amazônica fosse ligada a Cuiabá mediante o telégrafo: a grande extensão da área; a guerra do Paraguai, quando nossas tropas ficaram sem comunicação; a corrida da borracha; a crise do Acre com a República da Bolívia e a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
O presidente da República, Afonso Pena, recorreu a um homem de fibra para realizar a ligação de Mato Grosso ao Amazonas: Cândido Mariano da Silva Rondon, experimentado oficial de arma de engenharia, já inteirado plenamente dos problemas das comunicações.
Abrindo caminho através de florestas, atravessando a nunca dantes palmilhada floresta amazônica com rios caudalosos, pantanais, igarapés, animais ferozes, doenças e tribos de índios desconhecidas, Rondon e sua brava equipe, após 7 anos, inauguraram no dia 1º de janeiro de 1915, a linha telegráfica na Câmara Municipal de Santo Antônio do Madeira, unindo Cuiabá a essa Vila, bem como o ramal de Guajará-Mirim, integrando, assim, essa vasta região ao grande circuito telegráfico brasileiro.
Rondon, além de suas atribuições como estrategista militar construindo cerca de sete mil quilômetros de linhas telegráficas, inspecionou várias fronteiras, explorou e estudou uma grande área brasileira, abriu 120 léguas de estradas carroçáveis e, ainda, utilizou seus conhecimentos como etnólogo, antropólogo, cartógrafo e pacificador dos índios, prestando incomensuráveis serviços ao País.
Como chefe da Comissão Científica que acompanhou em 1913, o ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, realizada entre Mato Grosso e Amazonas, Rondon concorreu sobremaneira para o enriquecimento do acervo do Museu de História Natural de Nova York, com 23.107 espécies, algumas raras, ligadas à botânica, à zoologia, à mineralogia e a outras classificações.
Como diretor de engenharia do Exército, inspecionou toda a fronteira brasileira, registrando-a em mais de 50 volumes e 13 mapas, tendo à época grande atuação, fazendo inúmeros levantamentos de caráter estratégico. Obviamente, as estações telegráficas, disseminadas no sertão do País, seriam as sentinelas avançadas, velando por nossa integridade territorial e um alerta contra qualquer invasão das zonas limítrofes.
A fase que se desenvolve de 1907 a 1915 foi também uma epopeia, foram construídos mais de 1.500 quilômetros de linha tronco; 784 ramais; dezenas de estações telegráficas; tendo sito explorados, reconhecidos e levantados milhares de quilômetros, não só terrestres como fluviais.
Mas com o advento do rádio, o telégrafo com fio tornou-se ultrapassado, razão pela qual a construção das linhas telegráficas foi interrompida em Santo Antônio do Madeira, não seguindo para o Acre, Manaus, nem para outros locais.
Na área do atual estado de Rondônia, as estações telegráficas instaladas por Rondon deram origem a prósperas cidades, tais como: Vilhena, Pimenta Bueno, Ji-Paraná, Jaru e Ariquemes, tendo ainda facilitado sobremaneira o traçado da rodovia BR-364.
A vida dos encarregados de operar os postos telegráficos não era das mais fáceis, pois além do isolamento eram frequentemente atingidos pelas doenças tropicais e corriam constantemente o risco de serem atacados por índios hostis. As estradas ainda muito precárias, praticamente picadas na mata; e os meios de comunicação com outros locais, além do telégrafo, eram as vias fluviais.
Quando ocorria interrupção nas transmissões, o operador e o guarda-fios eram obrigados a percorrer a estrada, encontrando geralmente árvores tombadas sobre a linha. Muitas vezes a causa do defeito era um simples inseto: a “aranha gregária”, que costuma fazer uma teia de seda compacta que desce da cruzeta do poste à terra, resultando daí um curto circuito. Nessas caminhadas iam armados de torcefio, chave de ementas, um roki de arame-canela e o inseparável “44 Winchester”, para evitar e prevenir surpresas provocadas pelos silvícolas, que costumavam cortar os para-raios para fazer pontas de flechas para atingir bichos e homens brancos que consideravam inimigos.
A coletora norte de linha telegráfica estava localizada às margens do rio Machado ou Ji-Paraná, recebendo a estação o nome de Presidente Afonso Pena, dado por Cândido Mariano da Silva Rondon em homenagem ao dirigente da Nação. Esse posto ou estação telegráfica, construído no período entre 1930 a 1934, deu origem a um pequeno núcleo urbano, cuja população explorava a borracha e garimpava diamantes ao longo do rio, constituindo marco de referência de colonização da Vila de Rondônia, hoje, município de Ji-Paraná.
Rondon preocupou-se desde o início em emancipar as estações telegráficas dos embaraços do fornecimento de alimentação. Para suprir essa deficiência, iniciou em cada Posto a indispensável lavoura de subsistência e a criação de aves domésticas e de gado vacum, suíno e caprino, o que assegurava a sobrevivência dos funcionários designados para servirem nos postos telegráficos.
Os resultados dessa iniciativa tiveram imediato retorno. Em todas as estações, a partir do Parecis até o Madeira, as plantações começaram a produzir banana, mandioca, cará, abacaxi, cana, verduras e legumes diversos, possuindo também vacas de leite, porcos, cabras, carneiros, patos e galinhas em abundância. Os funcionários de cada Posto apenas importavam dos centros comerciais o sal, trigo, açúcar, mate, café, calçados, roupas e ferragens.
Desenvolvendo a maior parte desses núcleos de produção, o comércio completou uma série de medidas indispensáveis à vida humana, estabelecendo a mascateação pelos novos sertões abertos.
A densidade demográfica até o final de 1960 se mantinha ainda quase que inalterada. Entretanto, o traçado da rodovia Cuiabá-Porto Velho, ligando Rondônia com as regiões do centro-oeste e sul do País, facilitou a vinda de migrantes do centro-sul, à procura das terras férteis drenadas pelos rios da bacia do Madeira, havendo o crescimento demográfico acelerado e fora do controle das autoridades.
Essa migração desenfreada é, às vezes, e por força do desconhecimento da História, responsável por algumas depredações ocorridas ao patrimônio histórico-cultural de Rondônia. E foi exatamente o que ocorreu com o Posto Telegráfico de Rondon, em Ji-Paraná, relegado ao abandono quando a agência local dos Correios e Telégrafos ganhou sede nova em 1981. Ele foi desprezado e vítima de atos de vandalismo tão desfigurantes que houve até projeto da Prefeitura de Ji-Paraná para derrubá-lo e construir uma praça na área, onde um pedestal ostentaria um busto de Rondon.
No dia 17 de julho de 1984, recebemos uma carta da professora Maria Madalena Ferreira, professora da Escola Agrícola, hoje, professora de Geografia da UNIR, fazendo um apelo:
“Dona Yêdda, venho por meio desta pedir sua atenção especial para com a “Casa” do Marechal Rondon desta cidade. Ela está sendo utilizada como banheiro público, além de estar caindo a sua pequena área (alpendre). Caso houver necessidade, conte com minha pessoa para fazermos campanha de reconstituição da mesma. Atenciosamente, Maria M. Ferreira — Professora do Agrícola”.
Imediatamente, como representante da Secretaria de Estado da Cultura, Esportes e Turismo, informamos ao Conselho Estadual de Cultura – CEC, órgão consultivo e normativo daquela instituição, que tinha como presidente, Hélio Fonseca e como membros Euro Tourinho, Telmo Fortes, Ary Pinheiro, Edson Badra e Maria Madalena Duarte, dentre outros. Atendendo nossa indicação, o CEC enviou proposta ao Dr. Paulo Saldanha, presidente do BERON, consultando-o sobre a possibilidade de a instituição bancária restaurar tão significativo bem cultural.
O presidente Paulo Saldanha concordando com a proposta, mandou efetuar o levantamento técnico e histórico do Posto Telegráfico com o objetivo de instalar um Posto de Captação de Poupança e o Museu das Comunicações “Cândido Mariano da Silva Rondon”.
A avaliação técnica realizada pelo engenheiro Waldemar Júlio Reis de Carvalho e a arquiteta Neusa Maria Bazo constatou o precário estado de conservação em que se encontrava o marco histórico que, além de ter sido inicialmente Posto Telegráfico, fora também moradia dos funcionários da linha telegráfica e, por último, agência local dos Correios e Telégrafos. Na avaliação técnica consta que o Posto Telegráfico, construção com um só pavimento, apresentava “porta vencendo o declive, modelos dos sistemas construtivo da arquitetura rural colonial (alvenaria de adobe, forma e divisão retangular, cobertura em telha de barro tipo canal, esquadrias almofadadas com bandeira fixa. Predominando na fachada a modulação da varanda frontal e material, compondo com o fundo branco das paredes e o colorido das esquadrias”.
Prosseguindo, os técnicos escrevem: “Descaracterizada por adaptações e reformas externas, somente o corpo principal nada perdeu em dimensões e detalhes. A estrutura da varanda acha-se escorada, em face do desgaste de peças e todo o piso tabuado encontra-se deteriorado pelas infiltrações e total abandono. Parte das telhas quebradas, acelera a decomposição da alvenaria em adobe. O madeiramento do telhado, em perfeitas condições, só exige limpeza e imunização. Os revestimentos arruinados, o reboco desprendido em alguns trechos, as esquadrias não têm condições de serem restauradas. O entorno, reduzido por cortes no terreno, decorrentes do arruamento da cidade, tem de ser contido, e a escada frontal, modificada, por não ser original e apresentar bastante insegurança”.
Os trabalhos de restauração foram iniciados com a preocupação de manter as características originais da construção, adequando-as às suas novas funções com salas para exposições das ilustrações museológicas e, nas demais dependências, para o funcionamento da Caderneta de Poupança do Banco do Estado de Rondônia – BERON.
O acervo do Museu foi formado com doações da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Rádio do Estado de Rondônia e doações espontâneas da comunidade.
No dia 8 de maio de 1985, o governador Jorge Teixeira de Oliveira chegava a Ji-Paraná para entregar à comunidade, a grande obra de valor histórico para Rondônia – o Posto Telegráfico de Rondon, a sua última inauguração como governador do estado que ajudou a criar. Transferiu as homenagens ao Dr. Paulo Saldanha e a minha pessoa, solicitando, ainda, que eu e o telegrafista Expedito Rodrigues da Silva cortássemos a fita inaugural. Em seu discurso, o Cel. Jorge Teixeira despediu-se da população de Ji-Paraná como governador de Rondônia.
No livro de registro do Museu das Comunicações “Cândido Mariano da Silva Rondon”, constam opiniões de personalidades que participaram do evento de inauguração. Ei-las:
“No momento em que deixo a nobre missão de ver acabada na transformação do Território de Rondônia no Estado de Rondônia, faço esse relato na Casa de Rondon, figura ímpar, na qual procurei me mirar para ser útil ao meu Brasil”. Jorge Teixeira de Oliveira – Governador de Rondônia.
“Parabéns aqueles que constroem o nosso Patrimônio Histórico, lembrando e homenageando este grande brasileiro – Marechal Rondon. Povo sem tradição, história e cultura tende a destinar-se a praia do olvido”. José Adelino da Silva – Secretário Estadual de Saúde.
“A reconstrução da Casa de Rondon foi uma agradável missão que recolhemos do governador Jorge Teixeira. Mais importante, porém, que reconstruí-la, será a missão de preservá-la, conservando-a como relíquia cultural da nossa gente. De parabéns, os funcionários do BERON envolvidos na recuperação, bem como o diretor Celso Gonçalves dos Santos, a Secretaria de Estado da Cultura, Esportes e Turismo – SECET, na pessoa da professora Yêdda Borzacov e o Cel. Teixeira, o grande entusiasta da ideia”. Paulo Cordeiro Saldanha – Presidente do BERON.
“Aqui será o santuário em que as futuras gerações de ji-paranaenses elevarão o seu pensamento para o nome tutelar, Rondon, cujo espírito pairará eternamente nesta cidade, cujos fundamentos lançou, e há de refletir em seu povo as maiores qualidades de seu caráter: honra, patriotismo e amor ao próximo”. Desembargador Hélio Fonseca – Secretário da Casa Civil.
“Ao participar da inauguração desta Casa histórica e memorável, em homenagem ao grande e modelar homem brasileiro – Marechal Rondon –, deixo patente, com orgulho e admiração, o respeito a esse que foi pedra angular e imprescindível como marco inicial do nascimento deste venturoso e móvel Estado de Rondônia que, por justiça tem origem em seu nome – Rondon.
Ao governador responsável pela restauração do prédio que também foi um baluarte e seguidor da trilha, o nosso apreço, enfim, a todos os responsáveis pelo engrandecimento deste Estado que aprendi a gostar desde cedo”. Roosevelt Costa – Juiz de Direito.
Cabe ainda assinalar que Ji-Paraná originou-se de uma pequena povoação fundada na confluência dos rios Ji-Paraná ou Machado com o Urupá, pelos nordestinos fugidos da grande seca, em 1879, recebendo o nome de Urupá. Em 1912, um dos acampamentos da Comissão Rondon foi mudado e instalado no “... local onde no futuro seria edificada a estação telegráfica Presidente Pena... O nome escolhido por Rondon para o lugar não caiu nas graças dos seringalistas e seringueiros da região, que continuaram a chamar o povoado de Urupá”.
O crescimento populacional e o desenvolvimento da Vila de Rondônia provocaram a criação do município de Ji-Paraná – Lei nº 6.448 de 11 de outubro de 1977, com área desmembrada de Porto Velho.
O Posto Telegráfico é inscrito no Livro de Tombo Histórico desde 2007 do Instituto do Patrimônio Histórico e artístico Nacional – IPHAN.
* Yêdda Pinheiro Borzacov, professora, autora de oito livros e dezesseis coautorias. Membro da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia e vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira.
Foto da capa do livro Imagens de Rondônia – A Fotografia Documenta a História.
A autora deste texto e o telegrafista Expedito Rodrigues, ao lado do governador Jorge Teixeira de Oliveira, cortando a fita inaugural do Posto Telegráfico de Rondon.
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