Domingo, 13 de setembro de 2015 - 08h33
* Yêdda Pinheiro Borzacov
A cidade em que nasci possui um bucolismo poético encantador. O céu sempre azul, e o sol, de uma claridade tropical é uma festa colorida de cintilações ofuscantes. Dá-nos entusiasmo, desperta-nos para a vida. Ninguém se sente tristonho ou desanimado ao olhar os raios solares matutinos aquecendo a cidade e as águas dos igarapés e rio.
À noite, o firmamento pontilha-se de estrelas à claridade de um luar de prata, fazendo renascer sentimentos de amor, inspirando poesia.
O nome da minha cidade também é uma poesia. Guajará-Mirim! Cachoeira Pequena? Campo das Sereias ou Yaras? O certo é que tem um rio sussurrante, uma floresta luxuriante, um clima bom, embora quente, uma água saudável. Não é só quem bebe água do Madeira, em Porto Velho, que retorna. Quem bebe uma vez água do Mamoré, apaixona-se pela cidade.
Guajará-Mirim é uma cidade que pulsa dentro da floresta, trocando carícias com o Mamoré e em eterno namoro com a serra dos Parecis. Cidade onde encontramos gente humilde, simples e pura, comendo tucumã com farinha d’água e bebendo mingau de banana com tapioca; onde encontramos caboclas miscigenadas com o boliviano, cabelos negros, escorridos, olhos meio puxados, cheirando a pitanga e a aromas da mata. Cidade onde encontramos um tipo característico: o catraieiro, tripulante das catraias e barcos que enchem o porto de um pitoresco impressionista, íntimos com as águas do Mamoré, dando um colorido especial ao barranco do rio. Guajará-Mirim é a cidade onde encontramos o culto da Nossa Senhora do Seringueiro. A veneração por essa Santa de tez morena, cabelos negros e lisos, olhos negros um pouco oblíquos que favorece a colheita no beiradão, a pescaria, o sucesso do comércio, colocando amor e bondade no coração do homem, foi introduzida pelo Bispo dos pobres e meu pai espiritual, D. Xavier Rey. Cidade onde o grego e o libanês deixaram a marca predominante de suas culturas e o boliviano participa ativamente do seu dia-a-dia.
Guajará-Mirim honra suas tradições, cultua a memória dos antepassados, dos homens que construíram sua história. Guajará-Mirim não teve pressa em crescer e essa tranquilidade prolonga a vida de seus habitantes, que mantinham, até pouco tempo, hábitos tradicionais. As famílias colocavam cadeiras nas calçadas para contar e ouvir histórias da matintaperera que aparece sob a forma de ave do mesmo nome, só fazendo assombração. Contavam que as velhas bisbilhoteiras à noitinha se transformavam em matintaperera; histórias de assombração, de alma do outro mundo; do mapinguari, aquele bicho cabeludo, meio urso, meio gente.
A crendice estava arraigada no espírito simples e puro do povo. As crianças adoravam o mito do curupira, aquele garoto astuto que gosta de montar nos caititus, cachimbo à boca. Ele é o espírito bom e protetor que defende os animais e as plantas. As jovens impressionavam-se com o “encanto” do boto, quando ele se transforma em um belo rapaz, todo vestido de branco e comparece aos bailes em residências situadas à beira do rio, e se mostra um excelente dançarino, conquistando e seduzindo donzelas, sem nunca tirar o chapéu da cabeça. As mulheres atemorizavam-se com os relatos dos ataques dos “papas figos”, que roubavam criancinhas para sacrificá-las, tirando-lhes o fígado para comê-lo cru em favor da recuperação da sua saúde. Eram hansenianos.
Acreditava-se nas histórias fantásticas dos pescadores, vibrava-se de entusiasmo pela descrição das lutas travadas com piraíbas gigantescas e boiúnas monstruosas. Os rapazes ficavam fascinados com as histórias da mãe d’água, metade mulher, metade peixe, cabelos compridos, cauda de escamas multicores, atraindo com seu canto inebriante, ao seio das águas, jovens que a escutavam.
Não havia preocupação com problemas domésticos, nem se dava importância aos martirizantes preconceitos raciais. Tudo era livre, de simplicidade cativante, não se dava guarda à maledicência. E logo depois que os cines “Guarani” e “Melhem” terminavam suas sessões noturnas, todos se recolhiam, pois o sistema de vida daquelas pessoas, era o de dormir e acordar cedo.
O poeta Bolívar Marcelino saúda com ternura e alegria a:
“Sentinela graciosa da fronteira,
já nasceste co’este cheiro de donzela,
És igual a um quadro de aquarela”.
Que beleza, Guajará-Mirim com cheiro de moça dengosa, bonita, autêntico cartão postal!
As águas do Mamoré são assim cantadas pelo poeta:
“Cosmopolita, foste, a vida inteira,
Do Mamoré, a pérola mais singela,
cujas águas se agitam na procela,
A correrem, velozmente p’ra o Madeira!”
Prosseguindo, o vate fala da cidade fronteira boliviana, cidade-amiga, cidade-irmã:
“Co’a velha Puerto Sucre à tua frente,
As catraias deslizando, febrilmente,
Da Madeira-Mamoré: último abrigo”...”
O povo, o meu bom e querido povo é evocado:
“De um povo tão gentil e hospitaleiro,
És meu sonho mais singelo e verdadeiro,
Que eu trago, no meu peito, aqui, comigo!”
* Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia, vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira e colunista do site Gente de Opinião.
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