Quarta-feira, 1 de abril de 2015 - 11h45
*Yêdda Pinheiro Borzacov
Dentre as obras arquitetônicas que Porto Velho ostenta, destaca-se o prédio do Porto Velho Hotel, atualmente reitoria da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, dominando com sua imponência grande parte da paisagem alta da cidade. Situa-se no quadrilátero compreendido entre as avenidas Presidente Dutra, Rogério Weber e as ruas D. Pedro II e José do Patrocínio.
O Porto Velho Hotel foi construído para substituir o casarão de pinho-de-Riga – Hotel Brasil, que durante mais de quarenta anos representou a única opção de hospedagem da cidade. Totalmente obsoleto, o Hotel Brasil não atendia mais as necessidades hoteleiras e o governo do Território iniciou a construção de um novo hotel em 1948, na gestão de Joaquim de Araújo Lima, sendo concluídas as obras quatro anos depois, no governo de Jesus Burlamarque Hosannah.
Edificado em estilo que lembra a arquitetura moderna do neoclássico da década de 40 do século passado, possui uma área coberta de 1.780 m2. Evidenciam-se em sua fachada principal, dois frontões laterais com ornamentos na escala 1x1. O portal avarandado central e a escadaria de acesso completam sua caracterização.
Apresenta técnica construtiva mista de alvenaria e concreto armado, em um só bloco de dois pavimentos, no formato de “U”. A cobertura de duas águas, recebeu originalmente telha Marselha e sua pintura original apresentava fundo cinza e detalhes na cor branca.
O autor do projeto foi o arquiteto Leongrin de Vasconcelos Chaves, do Rio de Janeiro e a construção foi iniciada por empreitada pela empresa Belmiro Galloti, de propriedade do engenheiro Belmiro Galloti. A supervisão era responsabilidade do Diretor da Divisão de Obras, Leonardo Ramos de Carvalho, auxiliado pelo engenheiro Carlos Sales Vieira.
Antônio Cantanhede escreve no livro “Achegas para a História de Porto Velho”: “Trata-se de edifício de grande porte que terá 30 quartos e vinte apartamentos, além de salões e diversos serviços”.
O Porto Velho Hotel foi inaugurado no dia 29 de janeiro de 1953, às 10h30m, com a presença do governador do Acre, João Kubitschek, convidado especial do governador Hosannah, para descerrar a fita com as cores nacionais. Às 22h, o governo ofereceu suntuoso baile à sociedade, no salão de refeições do hotel recém inaugurado, sendo exigido para os cavalheiros, “smoking”, e longuinho para as damas.
O governo do Território, para fazê-lo funcionar, arrendava-o às pessoas de sua escolha. Assim foram arrendatários Henrique Soares Valente, de 1953 a 1961; Abelardo Townes de Castro, de 1962 a 1963 e Nilce Guimarães, de 1964 a 1969. No contrato de arrendamento constava um item que determinava quando houvesse hóspede oficial, o governo assumiria as despesas com uma porcentagem de abatimento.
O Porto Velho Hotel também preencheu uma lacuna na vida social da cidade, consternada com a demolição do Clube Internacional. Ali funcionava um requintado bar, “Abunã”, e uma boate, “Urucumacuã”.
O rotariano Miguel Gomes de Souza esclarece que o Porto Velho Hotel: “Ficou famoso nos anos setenta pelas grandes festas beneficentes promovidas pelo Rotary. É bom que se diga, que todas às vezes contava com a participação maciça da nata social, a ponto de serem ocupadas todas as dependências disponíveis”.
Manoel Rodrigues Ferreira relata: “Nas tardes quentes, sob a sombra do terraço do hotel, em torno de mesinhas, reúnem-se as personalidades da cidade. Ali vemos um médico distinto, Ary Tupinambá Penna Pinheiro, paraense de nascimento. O Dr. Ary, como é conhecido, é um médico muito humano, e um intelectual. Sua residência é um autêntico museu de peças indígenas; o jornalista Moacir de Miranda, amazonense, também vemo-lo ali diariamente, mesmo porque ele reside no hotel. Diretor de um dos diários locais, é um homem fino, e possuidor de brilhante cultura”. E acrescentamos: foi no Porto Velho Hotel que se iniciou um dos primeiros movimentos intelectuais que marcou a vida cultural da cidade. Costumeiramente, ali se reunia na varanda, um grupo culto para debater e questionar a cultura nacional e regional. Era formado pelos irmãos Flodoaldo, José e Emanuel Pontes Pinto; protético Pedrinho Carvalho, conhecido como Pedro Tatu; sertanista Francisco Meirelles; bacharel Stélio Mota, na época Promotor Público; advogado Fouad Darwich Zacharias; Hélio Fonseca, Promotor Público; médico e etnólogo Ary Tupinambá Penna Pinheiro, e por vezes, pelo poeta paraibano satírico Pompílio Diniz. Dessas conversas saíram belíssimas crônicas e poesias publicadas pela imprensa local.
A ampla varanda era um palco natural, local onde famosos cantores se apresentaram com grande sucesso. Dentre eles, cito: Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e Bevenido Granda.
No governo do Cel. João Carlos Santos Mader, período compreendido de 29 de março de 1966 a 10 de abril de 1967, houve a elaboração de um projeto alterando a estrutura arquitetônica do prédio, acrescentando-lhe mais um pavimento. Ao ter conhecimento do fato, o engenheiro e arquiteto José Otino de Freitas protestou veementemente e felizmente seu pleito foi atendido.
O Decreto nº 425, publicado no Diário Oficial nº 15 de 9 de novembro de 1964, datado de 29 de outubro de 1964, assinado pelo governador José Manuel Lutz da Cunha e Menezes passou à administração do município o prédio do Porto Velho Hotel. O art. 2º preconizava: “A Prefeitura poderá arrendar a terceiros o Porto Velho Hotel, mediante contrato previamente aprovado pelo governador do Território”.
O Porto Velho Hotel foi desativado em 1974, no governo do Cel. Humberto da Silva Guedes, em razão da iniciativa privada ter construído hotéis na cidade, tais como o Hotel Vitória, o Shelton Hotel e, depois, o Floresta Hotel.
Nessa época, o prédio sofreu uma reforma, descaracterizando-o internamente. Em 1979 passou a sediar algumas secretarias, sendo denominado “Palácio das Secretarias”. O jornal “Diário da Amazônia”, em sua edição de 25/4/1997 publica: “Para atender novas funções, o prédio ganhou janelas novas e diferentes das originais. Porto Velho, então, já não era a pequena cidade em que os pacatos moradores dormiam de portas abertas e o antigo Porto Velho Hotel ganhou grades. Os graciosos muros baixinhos, que deixavam entrever a grama bem tratada também foram modificados. As paredes foram furadas para a instalação de aparelhos de ar condicionado. O telhado foi modificado. A parte térrea do prédio (que era formada por amplos salões interligados por grandes portas que se abriam em um só ambiente) foi dividida em pequenos compartimentos independentes. A sala destinada ao restaurante, com acesso fácil para o primeiro andar do prédio, onde ficavam os quartos dos hóspedes, virou um auditório. As seis portas que davam acesso à varanda frontal do prédio foram transformadas em janelas e outras modificações foram feitas ao longo do tempo”.
Quando foi construído no bairro das Pedrinhas, a Esplanada das Secretarias, o prédio do Porto Velho Hotel foi doado à recém-criada FUNDACENTRO, que se transformou na Fundação Universidade Federal de Rondônia, implantada por Euro Tourinho Filho e Raymundo Nonato Castro, respectivamente, 1º reitor e 1º vice-reitor.
Por um longo período esse prédio ficou sem manutenção e as restaurações essenciais a um bem histórico arquitetônico, ficando nossa cidade privada de um dos seus componentes mais significativos que conferem sua identidade e seu caráter.
Não adiantou seu tombamento histórico – Decreto nº 3.995 de 29 de novembro de 1988, porque na época o prédio não estava vocacionado para um uso específico. Passaram-se os anos e a UNIR despertou. Realizou a restauração do prédio, dando-lhe perenidade. Só que a perenidade não implica em situação estática, imobilista, e isso, no caso de arquitetura, só poderá ser explicitado na dinamização, no uso vocacionado do prédio.
Atualmente a UNIR mudou o necessário e conservou o imprescindível, instalando a reitoria, sendo possível, assim, preservar esse bem que é uma testemunha de decisões significativas para o desenvolvimento sociocultural e político de Rondônia.
Ao proceder ao seu tombamento (como técnica da área cultural, fui responsável pelo levantamento de dados e da elaboração de justificação, visando seu tombamento), o governo de Rondônia, à época governador Jerônimo Garcia de Santana e secretário de estado da Cultura, Esportes e Turismo, Abelardo Townes de Castro Filho expressaram, com este ato jurídico, o reconhecimento do valor histórico e sentimental do prédio: a sua incorporação na vida de Porto Velho. Seu tombamento ocorreu no dia 29 de dezembro de 1988 e sua inscrição se encontra no livro de Tombo sob o nº 3 e na ficha técnica constam que à época da sua inauguração, em seu entorno, existiam o Palácio “Presidente Vargas”, o Mercado Municipal, as Caixas D’Água e o sobrado episcopal que serviu de residência à D. João Batista Costa. A sua localização possibilita ampla visão do centro urbano e do rio Madeira.
O prédio do Porto Velho Hotel faz parte do patrimônio histórico material, e aqueles que são responsáveis pela sua proteção têm a responsabilidade de conservar a sua estrutura e transmiti-la intacta para as novas gerações.
* Yêdda Pinheiro Borzacov, professora, autora de oito livros e dezesseis coautorias. Membro da Academia de Letras de Rondônia e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia.
Porto Velho Hotel. Fonte: Google Imagens.
Catedral do Sagrado Coração de Jesus. Fonte: Google Imagens.
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