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Yêdda Pinheiro Borzacov

PRESENÇA MÉDICA NO CENÁRIO POLÍTICO-CULTURAL E EDUCACIONAL DE RONDÔNIA


O exercício profissional da medicina não incompatibiliza o médico a se dedicar a outros afazeres etemos exemplos dessa assertiva aqui mesmo em Rondônia, onde encontramos vários médicos que não se limitaram ou não se limitam apenas às práticas da clínica e da cirurgia. Alguns se revelaram escritores e poetas notáveis; outros, artistas plásticos e músicos; uns, no magistério, empenharam-se em transmitir seus conhecimentos para as jovens gerações, incentivando-as, seja no âmbito do ensino ou da pesquisa, procurando despertar nos alunos o interesse por algo mais que a obtenção de um diploma. Tivemos até um médico que se destacou como naturalista e, na política partidária, a atuação do médico é uma constante, desde 1917, ano que marca a presença médica no cenário político, com a nomeação de Joaquim Augusto Tanajura, médico-chefe do Serviço de Saúde da Comissão Rondon e Inspetor Honorário dos Índios na região, para a Superintendência Municipal de Porto Velho. Tanajura fundou o jornal "Alto Madeira", sendo seu primeiro diretor. E também foi presidente do Clube Internacional.

Quando Porto Velho passou ao "status" de capital do Território Federal do Guaporé, em 1943, mais tarde Rondônia, médicos de larga vivência e influência política local estiveram presentes na Prefeitura Municipal de Porto Velho: Renato Clímaco Borralho de Medeiros, um dos líderes do Partido Social Progressista, 1955-1956 (1a gestão) e 1956-1957 (2a gestão), eleito, em 1962, deputado federal; o médico-sanitarista Hamilton Raulino Gondim foi Prefeito em Guajará-Mirim no ano de 1952 e em Porto Velho de 1963-1964; Leônidas Rachid Jaudy, chegando em Rondônia em 1960, foi responsável pelo Posto Médico em Vilhena, instalado para atendimento do pessoal engajado na construção da BR-29, hoje BR-364, e foi Prefeito Interino de Porto Velho de abril a maio de 1975, sendo eleito deputado federal em 1982 e, em 1990, como vice-governador da chapa de Valdir Raupp, não sendo bem sucedido nas eleições. O médico pediatra Jacob de Freitas Atallah, homem culto, orador nato e baluarte de muitas lutas políticas foi Prefeito de Porto Velho no período de 1972-1974 e deputado constituinte do Estado de Rondônia no período de 1983-1986.

O município de Guajará-Mirim teve, além de Hamilton Raulino Gondim, outros médicos como prefeitos: Ernesto Laudelino de Almeida, 1945-1946; George Muniz de Aragão e Almeida, 1947-1950 e Cláudio Alencar Fialho, 1962-1964. Dentre outras atividades exercidas, Cláudio Alencar Fialho destacou-se como inspetor do Colégio "Rocha Leal", hoje, Escola do Ensino Fundamental e Médio "Rocha Leal", e como Presidente da Liga de Desporto de Guajará-Mirim.

Nas décadas de 40, 50 e 60 do século XX, os médicos Oswaldo Piana e João Fernandes de Souza participaram ativamente da política partidária, o primeiro como membro fundador da UDN local, e o  segundo como membro fundador do PSP, partidos opositores a Aluízio Pinheiro Ferreira.

Criado o Estado em 1980, houve a primeira eleição estadual, em 1982, e muitos médicos foram eleitos. Foram eles: para o Senado Federal, Claudionor Couto Roriz, tendo como 2° suplente o médico cardiologista, José Augusto de Oliveira; o pediatra mais conhecido e conceituado de Porto Velho José Adelino da Silva, ficou como 2° suplente do senador Odacir Soares Rodrigues. Ressalto que quando o Governador Jerônimo Santana nomeou pelo decreto n° 4.224 de 27 de junho de 1989, uma Comissão Especial de Estudos para mudança da capital do Estado, composta pelos seguintes membros: Tadeu Fernandes - Presidente, Isidore Stédile, Assis Gurgacz, Caio Marcelo Mano Gálio e Francisco de Assis de Araújo, e essa Comissão em relatório "Mudança da Capital", p. 33, enfatizou: "Muda-se a capital:

Aprimora-se a máquina administrativa" (sic), o médico José Adelino da Silva, como um guerreiro determinado e destemido, comandou o protesto na galeria da Assembleia Legislativa de Rondônia, contra o projeto de lei enviado pelo governador Jerônimo Santana. Lotadas a galeria e os corredores da Casa das Leis, no dia marcado para a votação do projeto, houve até colégio que suspendeu as aulas, como o Anglo, propiciando assim, aos estudantes, uma verdadeira aula de amor e civismo pela cidade de Porto Velho. O médico José Adelino, junto com o povo ,aos gritos e todo suado, discursava:

- Atenção minha gente! Aventureiros estão tentando destruir Porto Velho, cidade que por sua origem, história, tradição e situação geográfica privilegiada é e deve continuar como capital. Não vamos permitir que esse projeto indecoroso seja aprovado.

Palmas, vivas e gritos de muito bem, ecoavam fortemente na galeria e corredores repletos de comerciantes, estudantes e senhoras do bairro Caiary. O projeto, com o apoio de deputados à época comprometidos com Porto Velho, como Amizael Gomes da Silva, Heitor Costa, Osmar Vilhena e Oswaldo Piana Filho, não chegou nem a ser votado.

Para a elaboração da primeira Constituição do Estado, em 1982, a classe médica esteve representada PRESENÇA MÉDICA NO CENÁRIO POLÍTICO-CULTURAL E EDUCACIONAL DE RONDÔNIA Yêdda Pinheiro Borzacov pelos médicos José Ronaldo Aragão, anos depois Senador da República; Jacob de Freitas Atallah e Oswaldo Piana Filho, este eleito Presidente da Assembleia Legislativa para o biênio 1981 -1982, e Governador de Rondônia no período de 1990-1994.

Em outras disputas eleitorais, foram eleitos vereadores pelo Município de Porto Velho os médicos Sidrônio Timóteo, Mauro Nazif, João Dimas da Silva, Loura Neto e Aparício Carvalho. Exerceu Aparício Carvalho os mandatos de deputado federal em 1993-1994 e vice-governador no período de 1995 a

1998. Em 1993 Mauro Nazif renunciou ao mandato de vereador para assumir o de deputado estadual e, em 2006 elegeu-se deputado federal. Neste ano de 2012, Mauro Nazif foi eleito prefeito do município de Porto Velho com uma votação expressiva. Em Ji-Paraná, o médico oftalmologista Renato Veloso ganhou, em 1982, uma cadeira na Câmara Municipal, sendo eleito deputado estadual em 1990 e reeleito nas três eleições seguintes.

Para prefeito do Município de Presidente Médici, em 1982, foi eleito o médico José Cunha da Silva Jr. e em 1990 eleito deputado estadual; o vice-prefeito do Município de Colorado D'Oeste, médico João Batista foi eleito deputado estadual em 1983 e reeleito para mais dois outros mandatos; Confúcio Moura, após ser deputado federal, em I998 disputou e venceu a eleição, em 2004, para a Prefeitura do Município de Ariquemes e, em 2010, eleito governador de Rondônia.

Relevante e destacada foi a atuação dos médicos que lecionaram na Escola Normal "Carmela Dutra", oprimeiro estabelecimento público de ensino secundário do Território Federal do Guaporé. Lembro-me dos professores que ministravam aulas gratuitamente: Ary Tupinambá Penna Pinheiro, de Anatomia e Matemática; Osmar Oliveira, História Geral e do Brasil; Antônio Pereira Lima, Ciências Físicas e Naturais; José Cerqueira Cotrim, Biologia. O médico-anestesista Ernesto Laudelino de Almeida foi Diretor da Divisão de Educação (cargo hoje equivalente a Secretário), dedicando-se, inclusive, ao esporte, sendo eleito, em 1949, Presidente do Conselho Regional de Desportos e, em 1950 eleito Vice-Presidente do Ypiranga Esporte Clube. O médico Jacob de Freitas Atallah exerceu, no início do Governo Jorge Teixeira, em 1979, o cargo de Secretário de Educação e Cultura, ocasião em que foram criados os Departamentos de Cultura e o de Esportes; o médico psiquiatra, Aparício Carvalho, criou a FIMCA - Faculdades Integradas Aparício Carvalho, oferecendo hoje os cursos de Medicina, Farmácia, Medicina Veterinária, Administração com habilitação em Agronegócios, Ciências Biológicas, Educação Física e Turismo Ambiental.

Abrigo e celeiro de homens de letras, a imprensa escrita ofereceu aos médicos oportunidade de revelarem e divulgaram o seu talento e nas décadas de 40 e 50 do século XX, o médico Joaquim Paula Gonçalves era atuante colaborador do jornal "Alto Madeira". O jornal "O Guaporé", desde a sua fundação na década de 1950, estampava os trabalhos de Ary Tupinambá Penna Pinheiro e o jornal "Alto Madeira" mantinha, na década de 1970, páginas intituladas "Porque hoje é Sábado" e "Presença Universitária", coordenada pelo Grupo Universitário de Rondônia, liderado pelo então estudante de medicina da Universidade Federal do Pará, Viriato Moura. No período de 12 de abril de 1987 a 21 de março de 1988, o médico ortopedista Viriato Moura editou, no Estadão do Norte, aos domingos, "O Estadão Literário". Heinz Jakobi foi um dos editores da página Acadêmico Maçônico, publicada no jornal "Alto Madeira" e é ocupante da cadeira n° 14 da Academia de Letras de Rondônia, tendo como patrono Ricardo Franco de Almeida Serra e, como membro fundador, Paulo Nunes Leal.

A participação na literatura, nas artes plásticas e na música dos médicos de Rondônia, é parcimoniosa quanto ao número de seus representantes, entretanto significativa quanto a qualidade de suas produções. Dentre os literatos, destacam-se Ary Tupinambá Penna Pinheiro, primeiro Presidente do Conselho Estadual de Cultura, autor das mais belas páginas escritas sobre Rondônia. Foi esse médico, membro fundador da Academia de Letras de Rondônia, cadeira n° 1, tendo como patrono o sertanista Francisco Meirelles, e fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia. Viriato Moura, ex- Presidente da Academia de Letras de Rondônia, cadeira n° 19, tendo como patrono, o jornalista Carlos Mendonça, possui uma produção literária excelente e se dedica inclusive ao desenho e a pintura, ilustrando os seus próprios livros. Aparício Carvalho foi Presidente da Academia de Letras de Rondônia, ocupante da cadeira n° 21 que tem como patrono Oswaldo Cruz. Outros médicos literatos: Milton Moreira, autor dos livros de crônicas "Fulanos e Sicranos" e de poesia "Gênese de Poemas Inversos". O médico Hélio Struthos Arouca possui inúmeros trabalhos publicados na imprensa local, sendo coautor de Antologias Poéticas, e é membro da Academia Maçônica de Letras de Rondônia. O médico radiologista Samuel Castiel é coautor do livro de poesias "Letras Médicas" e se destaca como violonista e saxofonista, além de intérprete da MPB.

Em 1942 os médicos Rubens da Silveira Britto e Renato Clímaco Borralho de Medeiros, médicos da E.F. Madeira-Mamoré, participaram ativamente da fundação do Aeroclube de Porto Velho, sendo eleitos, respectivamente, secretário e sub-secretário da 1a diretoria da instituição. Renato Clímaco de Borralho Medeiros exerceu a presidência da Federação de Desportos do Guaporé, fundada em 29 de outubro de 1944.

É oportuno reconhecer o trabalho científico-histórico-cultural realizado pelo médico Ary Tupinambá Penna Pinheiro, contratado em 1937 pela Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Integrou como médicochefe, a Comissão Dequech, em 1941, expedição organizada pelo Departamento de Produção Mineral do Ministério da Agricultura, destinada às operações em busca das jazidas auríferas de Urucumacuam, no vale do Guaporé, iniciando, à época, a coleta de cerâmica indígena e tendo, posteriormente, doado essa sua coleção particular ao Museu do Território de Rondônia, criminosamente desativado por governos incultos e alheios à cultura amazônida. Como naturalista, dedicou-se à zoologia e à botânica.

A etnologia e a arqueologia também foram alvos de seus estudos, e os trabalhos que escreveu sobre esses assuntos lhe deram grande prestígio no seio cultural nacional, tornando-o sócio de algumas instituições científicas como o Museu Histórico do Rio de Janeiro e da Sociedade de Ecologia e Preservação da Fauna e da Flora Amazônica. A contribuição de Ary Pinheiro, embora mais restrita e de objetivos mais limitados, se comparados às de cientistas inteiramente dedicados as Ciências Naturais, nem por isto são menos significativas e importantes. Homem tomado do mais nobre espírito científico, abriu mão de qualquer utilização política de sua importância no cenário social, para se dedicar à pesquisa da rica fauna e flora que a Amazônia tem a oferecer ao mundo. Esta afirmação se cobre de redobrado orgulho, pois se trata não de um pesquisador europeu ou oriundo de outra parte do planeta, mas de um homem da própria Amazônia, já que Ary Pinheiro nasceu em Bragança, no Estado do Pará.

Há necessidade da realização de estudos aprofundados sobre a presença médica no cenário políticocultural e educacional de Rondônia, visando documentar e revelar as experiências do homem médico, em vários segmentos das manifestações humanas, evidenciando-se, assim, que muitos deles foram dotados de uma diversificada aptidão e atuação profissional, política, educacional e cultural, reconhecidas e aplaudidas pela sociedade rondoniense.

Fonte: Yêdda Pinheiro Borzacov

 

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