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Yêdda Pinheiro Borzacov

RONDÔNIA: POR QUE RONDÔNIA?


 

*Yêdda Pinheiro Borzacov

A razão que originou o deputado federal do PTB, pelo Estado do Amazonas, Áureo Bringell de Mello, advogado e jornalista, nascido no hospital da Candelária, em Porto Velho, e vivido sua infância em Guajará-Mirim e Santa Fé, onde o seu pai, respectivamente foi Delegado de Polícia e Agente Fiscal da Fazenda Pública, a apresentar o projeto de Lei Complementar nº 2.521/1956, dispondo sobre a mudança da designação política do Território Federal do Guaporé para Território Federal de Rondônia é o próprio Áureo de Mello que ao falar da sua vivência nos vales do Mamoré e Guaporé, relata: “Vi e senti o sertão na sua forma bruta, com as inenarráveis dificuldades que cercava o homem. O princípio econômico dominante naquela época, era, o mais primitivo, ou seja, o sistema da troca; fome absoluta, e o heroísmo dos trabalhos em poaia se apagando no mais triste dos anonimatos e na maior desassistência. Apenas uma luz de civilização via rasgar o horizonte de treva: os postes e as passagens da Comissão Rondon, chefiada pelo bravo caboclo Cândido Mariano da Silva Rondon”.

Cresceu, portanto, o menino Áureo de Mello, vendo e ouvindo falar sobre os feitos de Rondon — a instalação das linhas telegráficas e o fantástico trabalho junto aos povos indígenas, sofredores sob as mãos de exploradores inescrupulosos. A legenda que imortalizou o sertanista, ponto alto do humanismo de Rondon, diz respeito aos índios: “Morrer se preciso for, matar nunca”, encantava Áureo de Mello, que mais tarde, estudou a política indigenista de Rondon, fiel aos princípios do filósofo Augusto Comte.

À medida que aprofundava seus estudos, mais admirava o grande sertanista, e quando já deputado federal, assistindo a investidura no Marechalado de Cândido Rondon, em sessão solene na Câmara Federal, emocionou-se ao ver aquele homem, e escreve: “Erguido, imponente, na majestade dos seus quase noventa anos, e já envergado às honras do Marechalado, segurar o microfone e, agradecendo comovido, a homenagem, termina dando um ‘Viva a República’”.

Naquele momento delineou-se no espírito e no pensamento do deputado Áureo de Mello, o projeto de lei que mudaria o nome de Guaporé para Rondônia. E o projeto apresentado e aprovado pelo Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira, transformou-se na Lei Complementar nº 2.721 de 17 de fevereiro de 1956.

Vale salientar ainda que, o povo do Território recebeu com naturalidade a mudança do nome, houve muita perplexidade e até mesmo uma certa dose de indignação invadiu o guaporeano, quando a “Voz do Brasil”, programa radiofônico, divulgou a nova designação política do Território e o pronunciamento do deputado Áureo de Mello ao apresentar o projeto de lei. Dizia, em um parágrafo: “Bem, acontece que Guaporé é um nome de um rio. De um rio igual aos outros, como o Mamoré, o Madeira, e os demais que banham essa região. Guaporé, além de tudo, nada tem de brasileiro, sendo pelo contrário, de origem boliviana”.

O deputado Áureo de Mello ainda esclarece que “... sem consultar ninguém, apresentei o projeto. E fiz no dia seguinte à homenagem, o discurso que gostaria de ter feito na ocasião em que Rondon era elevado ao posto de Marechal”. Lamentava Áureo de Mello que a Mesa não houvesse escolhido ele ou outro amazônida para proferir a saudação à Rondon e confessava: “As saudações dos meus colegas da Câmara e do Senado parecem frouxas, quanto ao sentimento”.

Voltando a toponímia de Guaporé, o deputado Áureo de Mello, lamentavelmente equivocou-se ao se referir como boliviano o rio. Ora, o nosso rio Guaporé, apesar de banhar também o território boliviano, não é absolutamente um rio totalmente boliviano. No país vizinho, recebe o nome de Itenes. Não, absolutamente não, o rio Guaporé não é um rio comum. Nasce em um lugar bonito – Chapada dos Parecis, em Mato Grosso. O nome poético e sugestivo: Guaporé, significa em tupi, cachoeira do Campo ou rio Campestre. Corre por lugares atraentes... planalto, floresta, planícies, vale. O rio batiza com o seu bonito nome a região que atravessa, o Vale do Guaporé, e entra em território rondoniense formando paisagens deslumbrantes... uma floresta sem fim, de um verde escuro... campos abertos de um verde claro... praias de areias brancas entram pelo rio... ilhas de mil desenhos... céu azul e sol brilhante. Na paisagem do Guaporé encontramos as cores da bandeira nacional: o verde, na mata; o amarelo, no sol; o azul, no céu e o branco, nas praias... o rio Guaporé não pode ser comparado a outro rio qualquer. Em sua margem direita, ergue-se, como testemunho da tenacidade humana, o Real Forte do Príncipe da Beira, patrimônio histórico nacional. O guaporeano não gostou nada mesmo da mudança do patronímico do Território e o deputado Áureo de Mello, que não teve a sutileza de consultar o povo, ficou antipatizado em todos os segmentos da sociedade de sua terra natal.

É oportuno esclarecer que, o deputado Áureo de Mello adotou a ideia do nome Rondônia, do notável etnólogo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Roquette Pinto, que em 1912 participou de uma viagem de pesquisas e estudos à região da Serra dos Parecis, onde a Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, seção Cuiabá / Santo Antônio do Rio Madeira, chefiada pelo então Major Cândido Rondon, realizava os trabalhos de construção da linha telegráfica. Impressionado pela envergadura do trabalho, Roquette Pinto, em 1915, durante a realização do Ciclo de Conferência sobre a Comissão Rondon, no Museu Nacional, propôs que a área compreendida entre os rios Juruena e Madeira, cortada pela linha telegráfica fosse denominada “terras de Rondônia”, em homenagem a Rondon. E em seu livro “Rondônia”, lançado em 1916, registra a importância geológica, geográfica, botânica, zoológica, antropológica e etnológica da Comissão Rondon para esta parte do extremo oeste brasileiro e a sua utilidade no tocante à vigilância das nossas fronteiras. E, ainda em 1916, o eminente cientista Roquette Pinto, em artigo publicado na Revista do Brasil, p. 169, defendendo a proposta apresentada, registra as principais características da obra de Rondon, para esta extensa área de terra que o sertanista “descobriu”, palmilhou e começou a civilizar, reiterando que fosse denominada de Rondônia. Em 1917, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, conferiu a Roquette Pinto, o prêmio Pedro II, pela sua obra fascinante e que relata aspectos até então desconhecidos da área geográfica constituída atualmente pelo Estado de Rondônia.

Na década de 1940, quando o Presidente Getúlio Vargas inspirado nos supremos interesses da nação, sem hesitações, frente a frente com a realidade brasileira de sua época, decidiu criar os Territórios Federais, que se constituíram no meio hábil para penetrar rápido e fundo no organismo amazônico, levantando as causas da sua apatia e da sua marginalização no processo civilizatório do Brasil e contribuindo de forma decisiva na mudança dos elementos tradicionalmente ambientais, servindo, inclusive, como fator de desenvolvimento, que se superpôs nos limitados padrões das atividades comunitárias, erigidas às margens dos rios e igarapés, valorizando o homem da ribeira e dos barrancos amazônicos, que deixou de ser um cidadão de segunda classe no corpo da cidadania brasileira.

Foi criado, entre outros, o Território Federal do Guaporé na região que se estendia do sul do Estado do Amazonas aos confins do rio Guaporé e o Diretor da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, Aluízio Pinheiro Ferreira, o artífice da criação do Território, escreve ao Presidente Getúlio Vargas: “... existindo já, no noroeste mato-grossense, uma zona descoberta pela Comissão Telegráfica e Estratégica de Mato Grosso ao Amazonas, que a geografia denomina Rondônia, a partir de Utiariti até Presidente Pena e do rio do Sangue e cabeceiras do Canumã até os vertedeiros do Cabixi, Pimenta Bueno, São Miguel, Cautarinho, Urupá, Jaru, Jamari, Candeias, Jacy-Paraná e Pacaás-Novo, abrangendo o nódulo geográfico de onde promanam estes últimos rios nos campos de Urupá, e, se bem que o Território de Fronteira a ser criado não integre todos os quadrantes dessa dilatada faixa, tenho a honra de sugerir a Vossa Excelência a consagração política da alcunha oficializada pela convenção geográfica, dando à unidade federativa por nascer o nome de Território Federal de Rondônia, que a terra, a selva, o rio pelos seus caminhos, esgalhos e meandros e o índio pela sua pacificação, já imortalizaram. A par da homenagem feita ao egrégio sertanistas de tantíssimos méritos, lembro ao espírito nacionalista de Vossa Excelência, para reivindicação do “primitivo heroico”, que Porto Velho se mudasse para Caiari, em razão de Porto Velho ser uma designação caduca e inexpressiva e o batismo Caiari seria justo e nativista”.

Questões políticas que envolviam a Comissão Rondon com o Governo Vargas (Revolução de 1930), determinaram que o legendário Cândido Rondon se opusesse a sugestão de Aluízio Ferreira e em telegrama agradece a ideia de Aluízio Ferreira e sugere que o novo Território, recebesse o nome de território Federal do Oeste Brasileiro.

Aluízio Ferreira não obteve o apoio necessário e o anteprojeto elaborado, em dezembro de 1938, pelo Conselho de Segurança Nacional, denominando o Território com o nome de Guaporé foi mantido quando o Território foi criado. Outras denominações foram sugeridas, entre elas o nome de Mamoré (exposição de motivos nº 1.174, publicada no dia 17 de junho de 1942, no Diário Oficial de 20 de julho de 1942, assinada pelo Presidente do Departamento Administrativo do Serviço Público). Em 1942, o jornal “Alto Madeira” fez uma enquete entre seus leitores para que escolhessem entre os nomes: Madeira-Mamoré, Madeira ou Alto Madeira.

O deputado Áureo de Mello recebeu inúmeras congratulações pela iniciativa, dentre elas, registramos a do ex-deputado federal e ex-governador do Território, Aluízio Pinheiro Ferreira:

“... Quando foi criado o Território do Guaporé, em 1943, eu dirigia a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Quebrei lanças para que se denominasse Rondônia a nova unidade administrativa e para que os seus limites, que se estendiam até Lábrea, no rio Purus, fossem reduzidos aos atuais contornos geográficos do Território.

Somente nesta última parte obtive o apoio do Conselho Nacional de Geografia. Porém, consegui a mudança da designação da localidade – centro da linha telegráfica que une Porto Velho a Vilhena, de Presidente Pena para Rondônia. Na toponímia dos nossos sertões, ao que sei, é o único nome evocador das glórias do egrégio amansador de desertos, cuja obra civilizadora, representada nas linhas telegráficas, evitei, em parte, que fosse destruída por alguns iconoclastas infiltrados na vitoriosa revolução de 1930. Foi a maior homenagem prestada pelo último tenente da Comissão Rondon, ao seu chefe”.

Quando o Território Federal de Rondônia, em 1981, sob a égide do governador Jorge Teixeira, ascendeu à condição de Estado Federado, houve o reconhecimento do acerto de sua criação, pois implícitos no conceito da comunidade, a combinação de forças e a aliança de objetivos, se fixaram em interesses mais amplos e mais coordenados, com direções próprias, que desencadearam o processo de transformação. Os nomes do Estado, Rondônia e de sua capital, Porto Velho, foram preservados.

Convém relevar que Rondônia é o único Estado brasileiro que homenageia um personagem histórico, ostentando o seu nome.

* Yêdda Pinheiro Borzacov, professora, autora de oito livros e dezesseis coautorias. Membro da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia e vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira.

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Cândido Mariano da Silva Rondon  – à
época Oficial de Engenharia do Exército

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Deputado Federal Áureo de Mello

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