Sábado, 4 de julho de 2015 - 06h47
* Yêdda Pinheiro Borzacov
A cidade era dividida em alta e baixa, de acordo com a sua topografia. A parte conhecida como alta era a dos bairros Caiari, Arigolândia, Pedrinhas, Olaria e tantos outros. A parte baixa era onde se localizavam o comércio, o “porto”, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, os bairros Triângulo, Mocambo, Favela, Santa Bárbara, Km 1, Nossa Senhora das Graças, Tucumanzal, Areal e outros mais.
E foi no bairro Areal, cujo nome deveu-se ao fato da existência de um imenso areal situado no espaço cortado hoje pela rua Campos Sales, próximo à avenida Raymundo Cantuária, local onde a garotada empinava papagaios e jogava peladas que ocorreu um fato e feito significativo e inolvidável: a campanha humanitária para a construção do Abrigo Santa Clara pela Liga de Assistência ao Tuberculoso Pobre; entidade criada por um grupo de senhoras abnegadas da sociedade, liderado pela esposa do governador Paulo Nunes Leal, Thalita Leal, presidente da Legião Brasileira de Assistência – LBA.
Com a finalidade de arrecadar recursos financeiros para comprar materiais de construção, um grupo de senhoras e jovens, alunos e alunas do colégio Nossa Senhora Auxiliadora e Dom Bosco, saíam do bairro Areal, percorrendo outros bairros, acompanhados do serviço de alto falante “A Voz da Cidade”, de Fouad Nagib. Portavam os jovens que aderiam à campanha: bandeiras nacionais, recolhendo donativos e dinheiro que o povo espontânea e generosamente depositava nos pavilhões nacionais. O cortejo era antecedido pela banda de música – a “furiosa” da Guarda Territorial, tocando hinos e dobrados.
A campanha cresceu, atingindo todos os segmentos da sociedade, sensibilizando as pessoas. A tuberculose nessa época, 1959, havia invadido os humildes casebres anti-higiênicos, onde os enfermos viviam seminus, deitados em redes e alimentados precariamente. Vários eventos beneficentes foram realizados, dentre eles, os bailes com desfiles de moda, como o do “Perfume” e da “Flâmula”, no Bancrévea Clube; a eleição da “Mãe do Ano”, promoção do Rotary Clube, na sede do Ypiranga Esporte Clube que funcionava em um casarão de pinho-de-Riga, situado entre a avenida Farqhuar e a rua Euclides da Cunha, saindo vencedora, dona Graci Azevedo Araújo, conhecida como dona Nega, proprietária do salão de beleza mais elegante da cidade. As outras mães que receberam votos foram Miriam Alves, esposa do médico Araão Jacob Alves; Tereza Lima e Jacira Lessa.
A reserva e venda das mesas para os bailes eram efetuadas no Porto Velho Hotel, na época administrado por Abelardo Townes de Castro.
Gestos significativos de solidariedade humana ocorreram durante a campanha. Dentre eles, lembro-me o da enfermeira Teresa Gervais, contribuindo com três dias de seu salário; o da funcionária Oda, do Hospital São José, retirando seus anéis de ouro, depositando-os em uma das bandeiras; o do comerciante Albertino Lopes, agente da empresa Panair do Brasil, abrindo um livro onde os doadores registravam a entrega dos donativos que poderiam ser em dinheiro ou em materiais de construção, tais como: tijolos, telhas, pedras, areia e cimento; o do bispo D. João Batista Costa, doando uma área dos salesianos conhecida como Chácara Mesquita, local onde foi edificado, no Areal, o Abrigo Santa Clara.
Não houve uma só pessoa em Porto Velho que não se solidarizasse com o movimento, gente de alto poder aquisitivo e gente pobre, entidades como a Cruzada da Recuperação Regionalista, a Associação Profissional dos Carregadores e Transportes de Volumes e Bagagens e os clubes sociais Ypiranga Esporte Clube e Bancrévea Clube contribuíram para o seu êxito. O Abrigo Santa Clara foi desativado na década de setenta, em razão da instalação de postos de saúde.
Os tempos e costumes mudaram. Poucas pessoas em Porto Velho se lembram daquela campanha e da sua líder, uma mulher pequenina, franzina, dona de uma energia e determinação inquebrantáveis, Thalita Nunes Leal, e do povo que ajudou a construir uma obra nobre e humanitária: o Abrigo Santa Clara.
* Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia e vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira.
Bairro Areal. Ao lado direito a igreja Nossa Senhora de Fátima
Foto: Trilhando a História – Aleks Palitot
Primeira igreja do bairro Areal, onde hoje é o Centro do Menor
Foto: Trilhando a História – Aleks Palitot
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