Quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020 - 10h51
Escrito em parceria com o engenheiro e analista político boliviano Jorge Isaías Chavez Chavez (Fundación para el Desarrollo de la Amazonia).
A insistência de Evo Morales (MAS) em participar do processo
eleitoral de outubro de 2019, visando o quarto mandato consecutivo, contribuiu
diretamente para o retorno da instabilidade política na Bolívia, no momento em
que o país vivenciava um período de inédita construção da estabilidade
democrática. Se são inegáveis os ganhos econômicos e sociais conquistados
durante os governos Morales, também era iminente o descontentamento de parte
significativa da população boliviana com a tentativa de 3ª reeleição aprovada
pelo Tribunal Constitucional. A insatisfação popular aumentaria ainda mais após
a paralisação da apuração pelo organismo eleitoral boliviano, com mais de 80%
dos votos computados, que somente seria retomada quase 24 horas depois. Sob
suspeitas de fraude, o resultado apresentou uma ínfima diferença capaz de
garantir a vitória governista no primeiro turno, num disputa direta contra o
ex-presidente Carlos Mesa (Comunidade Cidadã), principal candidato da oposição.
Com a confirmação da vitória de Evo Morales, a conjuntura de
violência se alastrou pelo país, contabilizando destruição, mortos e centenas
de feridos. Os comitês cívicos da região de Santa Cruz lideraram os protestos
que culminaram na renúncia do ex-presidente, no domingo, 10 de novembro, após o
comandante das forças armadas boliviana “sugerir” a Morales que abdicasse do
cargo em prol da pacificação do país. No mesmo dia, antes da renúncia de Evo, a
OEA divulgou o resultado preliminar da auditoria eleitoral e recomendou a
realização de um novo pleito eleitoral, o que fez com que Morales anunciasse
uma nova eleição, decisão porém insuficiente para refrear os instintos
autoritários da oposição, encabeçada por uma ultra direita violenta, dotada de
um discurso com forte conotação religiosa, que lucrou politicamente com o
descontentamento de maioria significativa dos bolivianos, inclusive, de setores
progressistas contrários a uma nova disputa eleitoral de Morales.
Após a queda de Evo, renunciaram
também o vice-presidente, Álvaro García Linera, a presidente do Senado, o
primeiro vice-presidente do Senado, e o presidente da Câmara dos Deputados.
Assim, a segunda vice-presidente do Senado, a oposicionista Jeanine Añez
(Partido Democrata), assumiu a presidência com a principal missão de
reorganizar o país para a realização da nova eleição presidencial, marcada
posteriormente para o dia 03 de maio desse ano. Além da eleição presidencial,
os bolivianos votarão também nas eleições legislativas para deputados e
senadores.
Sob esta
conjuntura, a classe política boliviana se prepara para disputar novamente as
eleições gerais, inclusive, com velhas lideranças que retornam após a ida do
ex-presidente Morales para o exílio. No total, são oito candidaturas
registradas, sendo quatro alianças (coligações)
que agrupam as legendas mais tradicionais e quatro candidatos disputando por um
partido cada. Importante ressaltar que alguns desses novos atores emergiram
politicamente durante os protestos cívicos que acarretaram a derrubada de
Morales do poder.
Nesse contexto, são os seguintes candidatos à presidência e
vice-presidência confirmados: Carlos Mesa y Gustavo Pedraza, pela coligação
Comunidade Cidadã. Mesa perdeu seu principal aliado: o prefeito de La Paz e
líder da legenda Sol; Luis Revilla, que agora apoia a candidatura da presidente
Añez; o ex-presidente Jorge Tuto Quiroga Ramirez e Tomasa Yarhui, pela
Liberdade e Democracia; as lideranças cívicas de Santa Cruz e Potosí, Luis
Fernando Camacho e Marco Pumari, pelo Creemos (Acreditamos); a atual presidente
Jeanine Añez, que anunciou candidatura há poucos dias, acompanhada pelo líder
da Unidade Nacional, o empresário Samuel Doria Medina. Ambos encabeçam a
coligação “Juntos” formada por Democratas e Unidade Nacional. Há também a
candidatura de extrema direita do médico coreano, naturalizado boliviano, Chi
Hyun Chung e Jessmy Karem, pela Frente para a Vitória. Pela Ação Democrática
Nacionalista, os candidatos são Almirante Ismael Schabib e o General Remberto
Silez. E, finalmente, pelo Pan – Bol, os candidatos são Feliciano Mamani e a
advogada Ruth Nina. Todas essas sete candidaturas são diretamente contrárias a
Morales e ao MAS.
Por sua vez, o MAS definiu seus candidatos em uma reunião na
Argentina. Na cabeça da chapa segue Luis Arce Catacora, ex-ministro da Economia
por aproximadamente doze anos, a quem muitos atribuem os bons resultados
econômicos obtidos pelo país durante a era Morales. O candidato a
vice-presidente é o ex-chanceler David Choquehuanca, que esteve à frente do
Ministério das Relações Exteriores por 10 anos, uma das lideranças masistas
mais próximas ao ex-presidente.
No último final de semana, a atenção nacional esteve voltada para
a reunião ocorrida no sábado, dia primeiro de fevereiro, em Santa Cruz. O
encontro contou com a participação dos principais candidatos à presidência e
líderes de diferentes siglas partidárias opositoras a Evo Morales e ao MAS. A
expectativa girava em torno da celebração de uma frente única para enfrentar o
partido de Morales, o que não se concretizou. Importante recordar que o
principal argumento da oposição a Evo residia na suposta fraude eleitoral, pelo
fato de que o controle do Órgão Eleitoral estava nas mãos do MAS. Nessa
perspectiva, atualmente, a Presidente Jeanine detém o comando da instituição.
Seguindo essa linha de raciocínio, supõe-se que hoje a oposição a Morales
venceria em primeiro turno, com larga vantagem, ou que os resultados do MAS
seriam inferiores aos obtidos em outubro passado. Não obstante, o temor e a
busca pela união das oposições a Morales contradizem tal argumento.
Os partidos que faziam oposição ao governo Morales já vislumbravam
que uma frente única contra o Movimento ao Socialismo não seria possível, em
virtude de que para assegurar uma cota de poder num governo que não fosse do
MAS seria fundamental obter representação na Câmara dos Deputados e no Senado.
Assim, seriam as cadeiras no parlamento “moedas de troca” que garantiriam
espaço no novo governo, caso alcançassem a presidência. Nesse sentido, a
própria governabilidade estaria assegurada de uma forma muito semelhante a que
ocorria antes da era Morales, durante a “democracia pactuada” (1985-2005),
tendo em vista de que se não houver vencedor no primeiro turno, os partidos
celebrariam um novo arranjo de forças, unindo-se contra o masismo.
Por outro lado, o MAS aposta na vitória em primeiro turno, tarefa
que não será nada fácil, com um Morales no exílio pretendendo ser candidato ao
Senado. Nesta segunda-feira, dia 03 de fevereiro, sua representante legal e
ex-colaboradora foi presa quando retornava da Argentina com seus documentos, ao
que tudo indica, com o intuito de registrar sua candidatura. Além de não contar
mais com a influência e o aparato estatal a seu favor, o masismo ainda possui
várias lideranças, dentre elas ex-ministros do governo Morales, refugiados na
embaixada mexicana, a espera de um salvo conduto, que dificilmente ocorrerá.
Juan Ramon Quintana e outros ex-ministros e colaboradores de Morales
denunciaram a presidente Añez por perseguição política.
Diante desse cenário de profunda crise política, que parecia ter desaparecido da Bolívia há mais de uma década, o povo boliviano aposta no retorno da paz e da estabilidade. Para isso, torna-se imprescindível que as classes sociais menos favorecidas não sejam marginalizadas e que efetivamente ocorram condições para o povo prosperar.
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