Quinta-feira, 19 de julho de 2018 - 18h13
Robert Michels, autor do clássico “Sociologia dos Partidos Políticos”, analisou, em 1911, que os partidos são organizações inclinadas naturalmente à oligarquização. É dele a célebre frase: “Quem diz organização, diz oligarquia”. Ao analisar por dentro o Partido Social Democrata Alemão (SPD) do início do século XX, Michels constatou que, por mais democrática que fossem as organizações políticas, em especial os partidos, no contexto de instituições complexas e hierarquizadas, sempre haverá um grupo dominante, que impõe sua vontade e o domínio no tocante aos cargos e demais recursos de poder. Desse modo, predominaria a “Lei de ferro da oligarquia”.
Nas eleições de 2014 ao governo rondoniense, o então governador e candidato à reeleição, Confúcio Moura (PMDB) venceu, por uma pequena margem de votos, o ex-senador tucano Expedito Júnior, ex-aliado direto do senador Ivo Cassol (PP). A aliança eleitoral de Confúcio contou com a participação de PDT e PSB, além de outras pequenas legendas. A diferença para 2010 era o vice, saía da composição da chapa o pedetista Ayrton Gurgacz, entrava Daniel Pereira (PSB). Esse acordo foi celebrado pelo senador Acir Gurgacz (PDT), sobrinho de Ayrton, liderança política e dono de um forte poderio econômico e político no estado, e o então prefeito de Porto Velho, Mauro Nazif, principal nome do PSB rondoniense.
Na ocasião, a estratégia de Acir Gurgacz foi vitoriosa. Estava o senador ciente de que se o vice-governador fosse novamente seu tio, Ayrton, pela legislação eleitoral, ele não poderia ser candidato ao governo em 2018. Reeleito ao Senado com expressiva votação, Acir demonstrava sua força política, ao lado dos vitoriosos Confúcio e Daniel. No mesmo pleito, Ayrton Gurgacz garantiu uma vaga na Assembleia Legislativa. Assim, estava selada a aliança entre PMDB, PSB e PDT em Rondônia.
A escolha do nome de Daniel Pereira foi estratégica também por outro motivo. Pereira veio das bases, liderança sindical com grande interlocução com o empresariado e o setor produtivo, foi deputado estadual por dois mandatos pelo PT, até se filiar ao PSB. Sua entrada na chapa peemedebista de Confúcio Moura garantia o apoio de importantes setores da esquerda, principalmente os sindicatos e os movimentos sociais. Diante de uma eleição disputadíssima, Pereira contribuiu diretamente para a reeleição de Confúcio. Não obstante, o acordo firmado entre o pedetista Acir Gurgacz e o então prefeito de Porto Velho, Mauro Nazif, passava pelo apoio irrestrito do PSB à candidatura de Acir ao governo em 2018. Assim, mesmo num possível contexto de renúncia de Confúcio Moura para concorrer ao Senado, e ascensão de Daniel Pereira ao governo – o que de fato ocorreu, Daniel abriria mão da disputa à reeleição, para apoiar a candidatura de Acir.
Ocorre que, no final de 2017, o senador Acir Gurgacz foi condenado pelo STF e a partir daí sua candidatura passou a estar ameaçada sob possível condição de inelegibilidade. Diante dessa nova conjuntura, Daniel Pereira seria uma alternativa direta, tendo em vista, principalmente, o fato de Acir, até o presente momento, não decolar nas pesquisas. Ademais, como governador, seria natural que Daniel concorresse à reeleição. Entretanto, as coisas não são bem assim. Ao perceber que a pré-candidatura de Pereira começava a ganhar fôlego a partir dos sindicatos e movimentos sociais,lideranças de PDT e PSB anunciaram para o dia 29 de julho convenção conjunta que lançará as candidaturas de Acir Gurgacz ao governo e do ex-prefeito de Ji-Paraná, Jesualdo Pires, ao Senado. Desse modo, ao que tudo indica,o governador Daniel Pereira estará fora da corrida eleitoral pela reeleição, vetado pelas cúpulas partidárias de PSB e PDT.
Paralelamente, o MDB, maior e mais tradicional partido rondoniense, vive uma crise interna que envolve suas principais lideranças no estado, o ex-governador, ex-presidente nacional da legenda, e atual senador Valdir Raupp, e o ex-governador Confúcio Moura, que renunciou o cargo em abril para se candidatar ao Senado Federal. Bem avaliado pela população, Confúcio seria, ao lado de Raupp, um dos favoritos. Contudo, desde o início do ano, fortes rumores davam conta que o senador Raupp estaria incomodado com a possibilidade de candidatura de Confúcio, tendo em vista as dificuldades do MDB em eleger dois nomes, mesmo diante de duas vagas em disputa. Para interlocutores mais próximos, Raupp chegou a afirmar que Confúcio Moura teria dito a ele que seria candidato à Câmara dos Deputados, o que certamente facilitaria a reeleição do senador Raupp. Vale recordar que, em 2014, Confúcio quase desistiu de concorrer novamente ao governo, na ocasião, Raupp intercedeu diretamente para que Moura seguisse adiante em seu projeto de reeleição.
Como bem recorda a coluna do jornalista Alan Alex, do Painel Político, durante muito tempo Confúcio demorou a admitir a candidatura ao Senado, chegando até a afirmar que não disputaria a eleição em 2018 e concluiria o mandato de governador. Um dos principais episódios foi exposto em minha coluna aqui no Legis-Ativo, em artigo publicado no dia 21 de março deste ano. Posteriormente, o ex-governador voltou atrás e renunciou ao cargo para, enfim, anunciar que concorreria a uma das vagas em disputa ao Senado.
A crise peemedebista se acirrou no último final de semana, quando Confúcio Moura divulgou áudios onde afirma que o senador Valdir Raupp, com o apoio de membros da cúpula partidária, encabeça um processo interno na legenda que levará a candidatura de Confúcio à votação dos delegados regionais do MDB rondoniense. Nas gravações, o ex-governador alega que, ainda em 2017, havia demonstrado intenção de mudar de partido, quando obteve a garantia do senador Raupp de que ambos seriam candidatos. Com receio de ficar sem a vaga, Confúcio partiu para o ataque e afirmou que se trata de um “golpe” arquitetado contra ele, e que Raupp age como “bandido” e de forma “descarada” contra a sua pessoa. Posteriormente, Moura mudou o discurso, e agora, em tom mais conciliador – mais característico de seu estilo, tenta convencer os delegados emedebistas a aprovarem ambas as candidaturas ao Senado, ao lado de Maurão de Carvalho (MDB), presidente da ALE-RO, que concorrerá ao governo estadual.
Nesse clima de forte incerteza, vale uma reflexão: Quais equívocos cometeram Confúcio Moura e Daniel Pereira? Como dois políticos experientes, com um governo bem avaliado pela população, perderam espaço em seus próprios partidos, a ponto de não conseguirem registrar suas candidaturas majoritárias? A meu ver, Daniel e Confúcio se equivocaram no momento em que, ao perceberem as dificuldades internas em suas legendas, não souberam aproveitar o bom momento perante a opinião pública, desperdiçando a oportunidade de se unirem sob um projeto partidário comum. O caminho poderia estar aberto para ambos, caso seguissem unidos e filiados em outra legenda.
Ainda que o cenário atual seja indefinido, se a convenção de PDT e PSB confirmar o nome de Acir Gurgacz, mesmo o senador sendo um forte candidato ao segundo turno terá que, além de lutar contra o “estigma” da possível inelegibilidade, aglutinar forças para derrotar um Expedito Júnior (PSDB) fortíssimo, apoiado, muito possivelmente, pelo grupo do senador Ivo Cassol (PP). É na possibilidade de inelegibilidade que reside o grande dilema da candidatura de Acir. Como abrir mão de lançar um Daniel Pereira, atual mandatário, com o poder da caneta na mão, com baixa rejeição, em nome de uma liderança que concorrerá sub-júdice? Isso, inclusive, poderá afetar todo o desempenho da coligação. Nesse contexto, ainda há tempo para Daniel virar o jogo até a convenção.
No tocante ao MDB e a corrida ao Senado, são iminentes as chances de derrota de Confúcio na convenção. Se isso persistir, ele deverá contribuir com o partido na disputa à Câmara dos Deputados, com grandes possibilidades de vitória, ajudando, como puxador de votos, na eleição de outros candidatos do partido, enquanto Raupp demonstraria sua força como político rondoniense de maior visibilidade nacional. Por outro lado, se os dois concorrerem, o partido pode rachar e apenas um ser eleito, ou até mesmo os dois naufragarem. Não obstante, tudo pode acontecer.
A conjuntura político-partidária e a atual competição eleitoral rondoniense demonstram claramente a validade dos argumentos de Robert Michels, e o peso da “Lei de ferro da oligarquia”. Teses que, como todo clássico, cem anos depois, continuam atualíssimas.
João Paulo Viana - João Paulo S. L. Viana é professor de Ciência Política da Universidade Federal de Rondônia (DCS/UNIR)
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