Terça-feira, 6 de agosto de 2019 - 13h13
A opressão sistêmica das mulheres é um fenômeno universal que se observa em todos os sistemas ideológicos, econômicos, políticos e religiosos, em todo o mundo. A desvalorização da mulher é a consequência lógica das sociedades com matriz masculina fomentadoras de estruturas patriarcais.
A instituição eclesial, à imagem da sociedade secular tem-se orientado por padrões masculinos, considerando a feminilidade, nas suas estruturas, como característica secundária. Já vai sendo tempo de se praticar o evangelho (1) não se dividindo numa de reservar a paternidade para a sociedade e a maternidade para a família: uma e outra são constitutivos de vida e devem igualmente estar presentes na sociedade. A matriz masculina da sociedade secular não pode ser norma de adaptação para a Instituição eclesial. O lugar do diálogo nela não é a sexualidade (entre homem e mulher) mas sim os princípios/energias feminilidade e masculinidade a nível de pessoa e de sociedade. A “fragilidade” deve estar mais presente nos lugares “fortes”!
Na Páscoa passada, muitos milhares de mulheres católicas fizeram uma "greve de igreja", em toda a Alemanha, durante uma semana. A partir de Münster, na Vestefália, e com o apoio da Comunidade de Mulheres Católicas (Kfd), elas (integradas no movimento "Maria 2.0"), interromperam os seus cargos honorários nas paróquias e celebraram liturgias em torno das igrejas. Foram mais de 1.000 grupos, que organizaram vigílias, cultos e ações de protesto.
Com esta ação, as mulheres pretendiam dar rosto público ao seu descontentamento com as estruturas masculinas de poder na Igreja Católica. As mulheres exigem acesso a ministérios de ordenação, a abolição do celibato obrigatório para os sacerdotes seculares e uma revisão da moral sexual.
Posteriormente, as mulheres organizaram delegações para falarem com os bispos nas correspondentes dioceses.
Os seus protestos tiveram uma expressão feminina (2): As mulheres protestam por amor à Igreja, de dentro para dentro e de dentro para fora sem a atacar com a ideia numa igreja que querem também sua casa religiosa.
O Arcebispo de Hamburgo, Dom Stefan Heße, convidou o movimento "Maria 2.0" a participar no "Caminho sinodal" planeado pelos bispos e a apresentar as suas exigências de reforma (3).
É verdade que a Igreja católica está implantada em todas as culturas do mundo e por isso urge reconhecer a dignidade na diversidade das pessoas (homem e mulher) também na missão de libertar o ser humano, de levar a Boa Nova à humanidade e de descobrir possíveis melhoras e alertar para os perigos. A Igreja não é apenas uma instituição, ela é uma comunidade de vida de homens e mulheres congregadas em torno de Jesus Cristo (não pode ser dividida numa igreja petrina e numa igreja joanina).
A Igreja Católica, na sua qualidade de instituição mais beneficiadora da humanidade (4), sendo uma religião especialmente impregnada de feminilidade (Boa nova, liturgia e espiritualidade), seria mais conforme consigo mesma se no seu aspecto exterior de instituição reduzisse a predominância do rosto masculino (masculinidade) e desse lugar a um maior equilíbrio entre as energias/princípios feminilidade e masculinidade.
A Igreja, que por natureza é de conotação feminina, precisa também de um olhar feminino a partir das suas instituições, numa atitude dialógica não só no que respeita às diferenças entre religiões e sociedades seculares, mas sobretudo no empenho pela presença e balance da feminilidade e da masculinidade nos presentes modelos de sociedade dominados pela masculinidade; o melhor paço seria começar por si mesma.
Torna-se uma contradição que sacerdotes e mulheres empenhados em reformar a Igreja tenham de sofrer pelo facto de a igreja oficial se encontrar demasiadamente distanciada da realidade. A promoção de mulheres nos ofícios da igreja não pode ser limitada a educadoras infância ou a referentes pastorais.
Urge impulsionar uma marca católica em que as mulheres pertencem a uma igreja fraternal, onde cada um possa determinar e viver a sua vocação e ter o seu projecto de vida sem exclusão. Para isso não é preciso mudar a Bíblia; o Evangelho tem fundamentos suficientes para a revalorizar; por outro lado, se for dado espaço relevante às mulheres na sociedade surgirá consequentemente uma outra imagem da mulher.
Ainda não há consenso na Igreja sobre o sacerdócio para mulheres. Mas uma coisa há que advertir e ter em conta: o poder espiritual não deve ser exercido em padrões seculares e profanos.
Não podemos viver de uma esperança sempre adiada. O critério homem não pode ser exclusivo e além disso vivemos num tempo em que a matriz machista da sociedade se questiona e em que a teologia feminina pode fazer a ponte para a feminilidade do Evangelho. O que continua em jogo é uma visão de domínio do princípio da masculinidade sobre a feminilidade e uma teologia. não se trata aqui de seguir uma teologia hipercrítica que depende demasiado da cabeça, mas colocar no centro a fé como um indicador de e para Jesus.
É claro que as igrejas não cresçam por ajuste ao gosto do tempo, mas sim através da fidelidade ao Evangelho. Urge estarmos mais atentos às mulheres na bíblia de modo a não serem mal-interpretadas pelos homens (o que aconteceu em relação por exemplo a Madalena, a apóstola dos apóstolos)
Uma mudança de moral não implica necessariamente uma mudança de doutrina, dado uma teologia correspondente às sociedades em que se encontrava incardinada ter sistematicamente desvalorizado o papel da feminilidade em ligação com a mulher para, compensatoriamente, a expressar só na liturgia e no culto mariano. Seria um equívoco condicionar o princípio da masculinidade e da feminilidade aos papeis assumidos com base na tradição de reduzir os dois princípios a uma sexualidade de caracter funcional ou de confundir masculino e feminino (homem e mulher) com masculinidade e feminilidade. A Doutrina da Igreja não pode ser condicionada à moral sexual e menos ainda à matriz económico-política de mera masculinidade. (As lutas que se observam na praça em relação a homossexuais e lésbicas dão testemunho praticamente só da afirmação da masculinidade ou da afirmação de um polo contra o outro; neles falta a energia/princípio da feminilidade.)
Através de exclusão das mulheres, as lesões surgem e tornam-se cada vez mais dolorosas; não basta pregar a misericórdia, é preciso refletir sobre a mensagem cristã integral e praticá-la também a nível institucional (sabendo muito embora que é da natureza de toda a instituição humana ter um caracter masculino predominante!).
Porque esperar pela mudança só depois da morte; porque ter de gastar tantas energias na defesa de mudanças necessárias e que nem sequer contradizem o espírito que possibilitou os evangelhos há 2.000 anos.
O que falta praticar é Jesus Cristo. Ganhamos todos, homens e mulheres, com uma maior presença da feminilidade em cada pessoa e na humanidade.
(Este texto fará parte de um livro que, há já muitos anos, tenho à espera de ser publicado)
© António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
In “Pegadas do Tempo”, https://antonio-justo.eu/?p=5576
(Ver notas no Link )
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