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A quem deve servir um sindicato de professores públicos federais? O caso da Adufepe


A quem deve servir um sindicato de professores públicos federais?  O caso da Adufepe - Gente de Opinião

Hoje em dia, as relações de trabalho são regidas por leis amplas e complexas, o que não impede que elas tenham um acentuado cunho pessoal e de subordinação. As regras do estado não são suficientes para fornecer proteção e segurança adequadas ao trabalhador e com frequência deixam deliberadamente de fazê-lo. Assim, um dos principais papeis do sindicato é romper esta relação entre indivíduo e empregador para torná-la uma relação entre um coletivo de trabalhadores e um coletivo de empregadores. Mas não é uma tarefa fácil, pois torna-se central o estabelecimento de percepções e determinações coletivas, de onde sairão as reivindicações e a própria disposição da luta para obtê-las. Desta forma, o sindicato é naturalmente dotado de uma potência para influenciar a vida econômica, social e política de todo o país, o que o coloca no centro de interesses poderosos na medida em que interfere diretamente nas relações de produção.

 

É também natural que grupos organizados que representam o capital, os governos e os partidos políticos de vários matizes ideológicos se esforcem em ações antagônicas ou articuladas para influenciar a atividade dos sindicatos e de suas lideranças. Esta complexidade na atividade do sindicato o força a sair do seu suporte corporativo e observar o cenário político, para que possa construir relações duradouras com a sociedade. Ao desenvolver sua identidade e cultura, os sindicatos podem estabelecer cortes de classe social muito marcados, que introduzem questionamentos e ações mais abrangentes sobre as orientações sociais, econômicas e políticas governamentais e que afetam a população como um todo. Portanto, torna-se natural que sindicatos estabeleçam vínculos diversos com todos os poderes constituídos do estado ou fora dele, como os poderes jurídico, parlamentar, executivo, as representações dos setores empresariais e os movimentos sociais. Um outro desafio surge dentro deste contexto, considerando que os interesses dos trabalhadores da base sindical não podem ser colocados a serviço de partidos políticos, governos ou outros grupos que tentam instrumentalizar os sindicatos para interesses estranhos aos interesses de seus filiados. O assédio e a pressão de forças políticas e econômicas externas aos seus interesses forçam os sindicatos à estabelecer códigos de conduta muito importantes designados dentro de um conjunto de normas éticas chamado de autonomia sindical, onde princípios e orientações são declarados com o objetivo de evitarem-se vínculos que possam comprometer os interesses da base sindical.

 

Apesar da sua importância, um sindicato não se estabelece somente com pautas sobre salários e condições de trabalho. Tudo que interfere direta ou indiretamente nas relações de produção ou na qualidade e custo de vida dos trabalhadores e das trabalhadoras, tais como leis trabalhistas, sistemas de saúde, educação, seguridade social, transporte público, passa a fazer parte da constituição dos direitos trabalhistas e sociais e, portanto, parte da vida sindical. Para fazer frente a esta vasta tarefa, os sindicatos se veem premidos pela necessidade de constituírem instâncias organizativas em contextos geográficos cada vez mais amplos para aumentar a eficácia de suas práticas. Os caminhos neste sentido são diversos, tais como a formação de sindicatos ou federações regionais e nacionais, os quais podem ampliar ainda mais suas ações ao se filiarem a centrais sindicais.

 

Esta complexidade da atuação dos sindicatos estimula a presença na vida sindical de correntes de pensamento e de práticas muito distintas e que possuem diferentes vínculos com o resto da sociedade. Isto é traduzido em disputas muito acirradas entre os trabalhadores, principalmente nas eleições para as diretorias dos sindicatos ou nas decisões de se entrar ou sair de greves. Neste processo intenso de formação política, o trabalhador é chamado a se informar sobre a conjuntura da sua categoria e do seu país em seus mais diversos aspectos, fazendo com que o ecossistema sindical se constitua como um ambiente político-pedagógico ao longo de toda a sua existência, onde vontades políticas coletivas duradouras são construídas.

 

Logo, não é tão fácil responder a uma pergunta tão simples quanto “a quem deve servir um sindicato ?”. Do ponto de vista do professor e da professora – sobre quem se coloca a enorme responsabilidade de colaborar com a formação de cidadãos, incorporando ao ensino da técnica o pensar sobre seus usos e suas consequências – esta pergunta torna-se ainda mais significativa. Se este professor e esta professora atuam na educação pública, a resposta transborda dos contornos profissionais, para abranger a atuação do estado e suas responsabilidades e prioridades com a educação, escapando-se ainda mais de visões meramente corporativas. É claro que, para além de qualquer outro ponto de vista e quaisquer que sejam as respostas para esta pergunta, deve-se sempre afirmar a autonomia sindical, declarando que um sindicato não deve servir a um partido político, a governos ou a outros interesses externos aqueles da base sindical.

 

Passando para considerações mais concretas, a multiplicidade de relações sociais, econômicas e políticas presente na vida sindical pode ser observada neste momento em que os docentes da Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, se preparam para escolher a nova diretoria da Adufepe – seção sindical do Andes-SN – para o biênio 2025/2026. Lembrando que o Andes-SN é o sindicato nacional que congrega a maioria absoluta dos docentes das universidades federais do Brasil. Neste ano, duas chapas concorrem para a direção da Adufepe: a chapa 1: Adufepe Sindicato Democrático e Plural e a chapa 2: Retomando a Luta – Adufepe em Defesa da Universidade Pública.

 

A chapa 1, apoiada pela atual gestão da Adufepe, propõe a continuidade de suas prioridades, centradas em atividades de cunho assistencialista, como facilidades em um número variado de relações de consumo e entretenimento. No plano político este grupo possui relações com forças políticas externas às universidades e que hoje tentam manietar os movimentos sociais, para que não perturbem as escolhas e orientações do governo federal. Seus membros rotulam como fascista qualquer grupo que queira questionar as determinações do governo, a despeito da situação precária em que se encontram as universidades federais do Brasil. No plano sindical, propõem retirar a Adufepe do Andes-SN, isolando-a do movimento docente nacional. Esta demarcação de terreno com o Andes-SN ficou evidente, por exemplo, ao terem se posicionado contrários à greve dos docentes das universidades federais deste ano, mesmo tendo em vista força e adesão demonstradas por este movimento.

 

A chapa 2 se estabelece com uma proposta de oposição, expondo um diagnóstico de deterioração sistêmica do financiamento de toda a atividade federal de ensino, pesquisa e extensão, que se intensificou a partir de 2013. A situação tornou-se tão insustentável, que, neste ano e sob a liderança do Andes-SN, os docentes deflagraram a maior greve da história da educação federal, envolvendo a grande maioria das universidades federais e dos institutos federais por mais de sessenta dias (estes organizados principalmente pelo SINASEFE). O grupo de docentes que apoiam esta chapa se propõe a organizar os docentes para produzir suas compreensões conjunturais e suas ações para que a comunidade universitária possa ser capaz de se sentar à mesa de negociações com o governo federal junto ao Andes-SN, para disputar as verbas do orçamento público que hoje vão alimentar subsídios bilionários dos setores mais poderosos da economia ou que vão diretamente compor a renda dos grandes especuladores.

 

Dentre os governos dos países das Américas - incluindo os EUA - e da Europa, aqueles que se descuidaram dos interesses populares como a educação, a saúde e a economia popular deram lugar ao fortalecimento das organizações fascistas. Assim, é importantíssimo que os movimentos sociais contraponham os interesses da população aos interesses dos rentistas que – através de seus representantes no estado e no parlamento – tentam sequestrar o orçamento público através de uma série de mecanismos, que vão desde o crescimento da dívida até renúncias fiscais volumosas. Já não são somente as lições do século passado que nos ensinam que não se combate o fascismo destruindo os sistemas da saúde pública e da educação pública. Esta lição estamos aprendendo a duras penas na casa de nossos vizinhos e em nossa própria casa.

 

A chapa 2 ainda chama a atenção da comunidade universitária para as consequências do acoplamento pernicioso entre a falta de recursos e a intensificação do trabalho docente através de um conjunto de exigências burocráticas. Os objetivos declarados pelos administradores é o de aumento da eficiência administrativa, mas para os docentes isto tem significado o aumento expressivo do stress profissional e o consequente aumento do risco de doenças cardiovasculares, transtornos mentais e mesmo doenças degenerativas de vários tipos. Assim, ao acrescentarem-se as grandes perdas salariais da categoria, obtem-se um quadro de precarização acelerada das condições de trabalho dos docentes e que deve ser endereçada por uma diretoria mais determinada e consciente de todas as consequências da redução do financiamento das universidades federais.

 

A precarização não se situa somente no pessoal da ativa. Desde os primórdios dos sindicatos no século XIX, a previdência social tem sido uma preocupação central dos trabalhadores. Naquele século, formas primitivas de previdência social eram organizadas como atos de solidariedade de classe pelos próprios trabalhadores através dos seus sindicatos. Com o tempo, esta necessidade foi constituída como direito social e incorporada aos deveres do estado. No entanto, assistimos a um gradativo recuo do estado desta função, empurrando os trabalhadores à inevitável miséria na velhice. Nos últimos trinta anos vários direitos foram retirados dos funcionários públicos através das sucessivas reformas da previdência, que prejudicaram não somente os que hoje estão aposentados, mas principalmente os que ainda irão se aposentar. Neste contexto, solidariedade intergeracional é um dos pilares que sustentam as propostas da chapa 2, que irá reintegrar a comunidade da UFPE nos esforços do Andes-SN pela reconquista de alguns direitos, como a integralidade e paridade dos salários e o fim do confisco salarial representado pelo pagamento da contribuição para o INSS pelo aposentado.

 

Assim, a quem deve servir um sindicato de professores e professoras das universidades públicas? A chapa 2 responde à esta pergunta se propondo a organizar e por em prática os pensamentos e ações dos docentes e das docentes na defesa da universidade pública, tanto localmente na UFPE, quanto nacionalmente junto ao movimento docente nacional representado pelo Andes-SN. Assim, para além dos interesses corporativos, a Adufepe estará servindo à quem deve servir, à população menos favorecida do Brasil, cuidando deste fantástico patrimônio que é a universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.

 

Este esforço político coletivo, solidário, diverso e de grande significado na luta antifascista está sendo organizado por um grupo de pessoas que se dispuseram a colocar seus corpos e mentes neste desafio, que se situa muito além desta eleição. Este novo despertar faz parte de um movimento que está movendo o Brasil inteiro, guiado por uma percepção de que o caminhar se faz – lembrando do saudoso Ferreira Gullar – caminhando com os pés sobre a grama.

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