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A violência da opinião para a crueldade da actuação - Apenas um passo

Assassínio do alemão Walter Lübcke pela Extrema Direita, “Rede de Resistência Democrática” … nas pegadas da “Fração do Exército Vermelho”?


A violência da opinião para a crueldade da actuação - Apenas um passo - Gente de Opinião

A 2/06/2019 foi assassinado, em frente de sua casa, Walter Lübcke, presidente distrital do distrito de Kassel, alegadamente, por mão traiçoeira da extrema direita, com um tiro na cabeça. Na sequência do crime, foi preso, como suspeito, o neonazi Stephan E.

Lübcke, político da CDU, que era conhecido pelo seu empenho em favor dos refugiados, incomodava de maneira especial a cena parda da sociedade. Aquando (2015) da abertura de um lar para refugiados, ele foi apupado por alguns presentes. Lübcke, homem de texto claro e não habituado a engolir cobras e lagartos, dirigiu-se então aos apupantes dizendo: "Vale a pena viver no nosso país. É preciso defender os valores, e aqueles que não os defendem, se não estiverem de acordo, podem deixar este país a qualquer momento. Essa é a liberdade de cada alemão."

Desde então não se fizeram esperar ameaças contra ele por parte dos “Cidadãos do Império” ( Reichsbürgern) e da extrema-direita "Nuremberga 2.0 Alemanha - Rede de Resistência Democrática" que colocara Lübcke numa lista de inimigos, porque tinha participado na "islamização, na desdemocratização, na repopulação da Alemanha" (1).

Desde 2011, circula na Internet uma lista negra da rede extremista de direita com pessoas consideradas desagradáveis e em que constava também Lübcke. 

Este facto trágico não pode ser considerado como um caso isolado. Depois de ter sido encontrado morto no seu jardim já outros dignitários alemães têm recebido ameaças de morte. Desde 2015 cresceu “enormemente" o potencial de terror de direita na Alemanha. O medo do islão e insatisfações difusas mudaram o clima social e estão a mudar a constelação dos cenários governantes.

O assassínio de Walter Lübcke provoca imensa excitação e medos na sociedade alemã porque esta ainda tem bem presente na memória a atmosfera social que se viveu da década dos anos 70 até 1998, causado pela Fração do Exército Vermelho (RAF), uma organização terrorista extremista de esquerda (“Bando Baader-Meinhof”), responsável por 33 assassinatos de líderes políticos, empresariais, administrativos, funcionários aduaneiros e soldados americanos. A divisão na sociedade alemã e europeia é hoje semelhante à dos tempos da “guerra fria” entre os propagandistas do capitalismo e os do socialismo (hoje os militantes internacionalistas e os nacionalistas). Então a ala esquerda da sociedade encontrava-se extremamente descontente até ao ponto de se sentir vítima do sistema; atualmente é a ala direita da sociedade que se sente descontente e vítima, provocando nos seus extremos reacções de violência que poderiam, com o tempo, vir a igualar a violência da Fração do Exército Vermelho (2) de outrora.

Num país que parece ter a visão geral de tudo, o Governo encontra-se cada vez mais na necessidade de se explicar. O cidadão normal sente-se cada vez mais existencialmente inseguro e sem perspectivas de futuro. Muitos são do parecer que o direito penal se tornou insuficiente na luta contra o extremismo de direita e a julgamentos demasiado laxos na solução do crescimento da delinquência social.

De facto, com a imigração muçulmana, a Europa já não é a mesma; tornou-se numa Europa de extremos condensados; especialmente para o cidadão europeu, torna-se mais difícil viver nesta EU dividida em duas trincheiras (direita e esquerda), cada vez mais agressivas e fanáticas. A crescente politização do dia a diaenvenena as relações e enegrece o horizonte e as perspectivas de vida do cidadão, tornando possível assassínios como este. A sobranceria dos dirigentes e a insatisfação dos desnorteados não possibilitam uma plataforma de interesses comuns. As agressões que antigamente eram compensadas em jogos ou em guerras extramuros são hoje vividas dentro da sociedade numa espécie de guerrilha. No discurso público falta o cultivo de uma tolerância global, uma tolerância de diferentes horizontes e perspectivas e não apenas uma tolerância do politicamente correcto, ou apenas reduzida ao que fomenta a própria ideologia e opinião.Também nos formadores da opinião pública (Media) se pode ver uma certa divisão: os Media considerados sérios como multiplicadores do politicamente correcto (discurso oficial) e os meios virtuais sociais de interesses difusos mais multiplicadores de alegados interesses do cidadão.

Numa época em que o extremismo político se expande, põe-se a questão até que ponto a democracia é capaz de integrar extremistas da direita e da esquerda. O clima político encontra-se em mudança numa sociedade que se sente cada vez mais insegura e em que a política não consegue refelectir nem explicar o próprio agir. Num clima de intolerância recíproca, cada parte considera a outra ilegítima, não concedendo margem para compromissos; passa-se à lei da selva, do “quem pode, pode” e do quem não pode abaixa-se... A politização da linguagem tem concorrido para a rudeza da expressão; a violência normaliza-se, seja de forma velada em palavras polidas ou de forma manifesta em palavras grosseiras que conduzem a atos violentos. Tudo é usado para colocar o adversário na lista negra.Neste ambiente confuso e perturbado, o Estado desleixa o seu dever de proteger o cidadão.

Ser a favor ou contra é um direito democrático, mas existem redes extremistas de direita e redes extremistas de esquerda que não abdicam da violência para impor os seus fins; como não se trata de perpetradores individuais, tanto a ala esquerda como a ala direita da sociedade deveriam analisar as cenas extremistas criticamente numa perspectiva já não de perpetrador único mas de redes organizadas e de ONGs. Há 13.000 extremistas da direita que estariam prontos a usar da violência, na Alemanha de hoje (3).

Na Alemanha é agora bastante criticada a existência do órgão de proteção da Constituição (BfV). Nos Estados torna-se por vezes difícil desmantelar certas redes maléficas porque por razões de Estado, os órgãos de protecção da constituição (Ministério do Interior) bloqueiam o acesso a ficheiros e actas, por espaços de 30, 50, 90 e até 120 anos.

Geralmente são 30 anos de bloqueio a jornalistas e historiadores e de uma maneira geral os documentos secretos das autoridades podem ser vistos depois de 60 anos. A lei alemã permite tais prazos de tempo (casos de espionagem, etc. dizendo para tal tratar-se da protecção dos informantes que correriam perigo, no caso de se tornarem públicos).

A protecção da Constituição em sentido lato refere-se a todas as medidas de consolidação e defesa da Constituição contra insurreições e revoluções, bem como contra outros ataques anticonstitucionais e perturbações constitucionais. Na Alemanha há uma discussão aberta sobre a oportunidade dos órgãos de protecção da constituição, sendo estes, por vezes, vistos, mais como impedimento do que prevenção contra a extrema direita.

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=5489

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