Quarta-feira, 18 de dezembro de 2019 - 08h38
Rondônia, terra de oportunidades, nunca foi uma novidade no Brasil. Desbravadores como o Marechal Cândido Rondon travaram uma verdadeira “Odisseia Amazônica" para mostrar ao mundo uma região pujante, misteriosa, rica em recursos naturais e culturais. E Isso sempre despertou atenção do Brasil e do mundo.
Pasme o leitor, existem relatos que, no mesmo período em que o café chegava à Belém, trazido por Palheta, também foi introduzido em terras do Vale do Guaporé em Rondônia.
A história do café, bebida mais consumida no mundo, depois da água, se mistura com a do Brasil e não seria diferente em Rondônia.
Primeiro, vieram as plantas de arábica e, depois, os resistentes Conilons. Finalmente, entre as décadas de 80 e 90, os vigorosos Robustas.
Podemos dizer que o café foi o pai, ou a mãe de grande parte do desenvolvimento que se encontra hoje na região.
Em meio a tantos desbravadores, heróis e empreendedores é interessante notar que existe uma sombra... E ela é feminina.
Um elo comum à grande maioria dos destemidos pioneiros de Rondônia é que eles tinham mulheres, esposas e família para dar suporte afetivo, financeiro e em sua mão de obra, braçal e intelectual.
As mulheres têm hoje, mais do que nunca, alta relevância no campo. Mas nos parece comum ignorar isso. Eu gostaria de contar aqui uma história de como isso vem mudando em uma revolução silenciosa. A emancipação das mulheres também acontece no campo e que quase passa despercebida.
A cafeicultura em Rondônia sempre foi vista com uma visão de atraso e como garantia de subsistência para aqueles destemidos pioneiros que não foram tão bem sucedidos. Mas, a evolução que vem acontecendo na última década mostra exatamente o contrário. Para a maioria dos produtores remanescentes, o que os fez persistir foi o amor pelo café e o desejo de passar esse legado aos seus descendentes.
Hoje, é um exército de 17 mil produtores, já foram mais que o dobro de homens e mulheres que produzem em, aproximadamente, 63 mil hectares, mais de dois milhões de sacas de café.
Vale mencionar que, há quase 20 anos estes produtores precisavam de mais de 240 mil hectares para produzir o mesmo volume.
Saímos de uma cafeicultura quase extrativista para uma mais tecnológica e sustentável. Tecnologias que passam pelo uso de variedades clonais de genética superior, novos arranjos espaciais e técnicas de manejo. E não para por aí...
Hoje, Rondônia é reconhecida como a terra dos Robustas Amazônicos. Cafés aromáticos, doces como caramelo, de corpo aveludado e retrogosto agradável e persistente.
Isso não veio ao acaso, foram muitos anos de desenvolvimento de pesquisa, dias de campo e treinamentos de técnicos e produtores. Um verdadeiro trabalho de formiguinha! Mas, como a Amazônia é sempre quente, estas formiguinhas não param de trabalhar no inverno.
Os melhores produtores de Rondônia não produzem apenas cafés. Eles criam iguarias, que agora começam a ser embalados de forma cuidadosa e em garrafas que lembram vinho, uísque e, porque não, cachaças finas.
Mas, se tem uma coisa que toda essa evolução nos ensina é que a qualidade é, antes de tudo, substantivo feminino. E Isso começa a ficar cada vez mais evidente, de uma forma orgânica e natural.
Em 2012, em congresso de café Conilon ocorrido em Vitória, ES, conheci duas mulheres que me apresentaram a Aliança Internacional das Mulheres do Café, a IWCA. Eram elas: Josiane Cotrim e Sunalini Menon. Confesso que me senti ignorante por não saber que tal instituição existia. Encantei-me com a proposta e disse que Rondônia precisava fazer parte desse movimento. Fiz o convite: “Vocês precisam conhecer a cafeicultura da Amazônia e suas mulheres!” Mas, em meio aos compromissos e desafios do dia a dia, essa conversa se perdeu.
Em 2017, veio o convite para que a jornalista da Embrapa Rondônia, Renata Silva, uma mulher do café no estado, escrevesse um capítulo no livro editado pela IWCA, Embrapa e parceiros. E foi aí que a evolução feminina despertou. A jornalista ficou incomodada por notar que as mulheres não se sentiam parte do processo produtivo, não tinham representantes e haviam poucas estatísticas sobre a sua presença no campo e em outras áreas de atuação no setor do café em Rondônia. Eram quase invisíveis!
A partir desse momento, “se deu a luz”, ao capítulo de Rondônia no livro Mulheres dos Cafés do Brasil. É, não estou falando apenas do livro. Neste processo, foram muitas pesquisas, publicações e reuniões. Até que, em 2018, a indiana Sunalin Menon, primeira dama do café na Ásia, aceitou o convite feito em 2012 e visitou Rondônia. Ela se surpreendeu com o que viu no campo e passou a repetir a frase: "Welcome to the mysterious Amazon. The Land of the fine Robustas – Bem-vindos à misteriosa Amazônia, a terra dos Robustas finos". E Isso me parecia correto e até poético.
Junto a ela veio a especialista em cafés especiais, que trabalha na Europa, Josiana Bernardes. Outra Josiana, porque a Cotrim ainda nos deve a visita prometida em 2012.
Nessa ocasião, foram realizados seminários, visitas a produtores e a primeira edição do Encontro das Mulheres do Café de Rondônia. Foi uma grande mobilização da Embrapa e diversos órgãos vinculados ao Governo do Estado de Rondônia.
Estas visitas ajudaram a motivar, mobilizar e educar a cadeia produtiva sobre a importância do trabalho da mulher e dos ganhos que essa valorização e reconhecimento poderiam trazer para a cafeicultura.
Novamente, estas visitas geraram frutos e eles eram bons. As mulheres foram destaque na Revista Cafés de Rondônia em 2017, 2018 e novas ações de incentivos ocorreram, fomentando o movimento das mulheres do café em Rondônia.
O estado, anualmente, organiza o que se tornou o maior concurso nacional de Coffea canephora do País, o Concafé. Mas, em suas primeiras edições, em 2016 e 2017, a participação das mulheres praticamente não existia.
Foi em 2018 que os trabalhos de mobilização junto às mulheres começaram a ter os primeiros resultados concretos. No Concafé deste ano, nove mulheres enviaram amostras e, pela primeira vez, uma cafeicultura, a Suzi Aparecida da Silva, ficou entre os dez melhores cafés de Rondônia. Ela tem uma linda história de superação, aprendizado e evolução técnica. Isso parecia certo e a cadeia produtiva comemorou o feito.
Os trabalhos de mobilização das mulheres continuaram em novas visitas técnicas, com transferência de tecnologias e mobilização em grupos de redes sociais.
Em 2019, uma nova personagem "empoderada" ganhou destaque entre tantos produtores talentosos do estado. O seu nome é Poliana Perrut, engenheira agrônoma, mestre, viveirista, produtora, extensionista rural e esposa. Lembro-me de encontrá-la em um dos muitos eventos sobre produção de Robustas Finos e ela me disse: "Em 2019 vou colher a minha primeira safra de café como produtora e eu gostaria de ver se eu consigo fazer um bom café. Você me ajuda?"
Mal sabia que ela é quem estava me ajudando. Como pesquisador, a nossa maior alegria é quando um produtor caprichoso e animado quer ser nosso parceiro. Sorte a minha!
Conversamos muito, traçamos estratégias. Foram muitas mensagens trocadas e o trabalho gerou bom fruto.
A tentativa da Poliana em produzir um bom café "falhou”. Pois o que ela produziu foi um café especial, único, premiado. Foi o melhor café de Rondônia em 2019 – campeã do Concafé – e um dos melhores do Brasil. Além disso, carregou com ela diversas mulheres do café, inspiradas em sua ação e mobilização ao longo de todo o ano de 2019. Os números mostram: em 2018 apenas nove mulheres se inscreveram no Concafé. Já em 2019 foram 50! O movimento tomou forma e curso certo.
Nossa cafeicultura está cada vez mais inclusiva e plural. São mulheres, indígenas jovens e experientes fazendo a diferença no campo.
Não é à toa que em um universo de cafés especiais, representados por figuras masculinas, Rondônia tem num sorriso largo uma de suas representações. Se Colômbia tem Juan Valdez, Rondônia tem Dona Lena.
Parabéns às Polianas, Suzis, Lenas que fazem dos Robustas Amazônicos únicos, inclusivos e saborosos.
"Welcome to the mysterious Amazon. The Land of fine Robustas and strong women – Bem-vindos à misteriosa Amazônia. A terra dos Robustas finos e mulheres fortes!"
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*Enrique Anastácio Alves é doutor na área de Engenharia Agrícola e, desde 2010, atua como pesquisador A na Embrapa Rondônia, nas áreas de Colheita, pós-colheita do café e qualidade de bebida. Contato: enrique.alves@
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