Quinta-feira, 13 de junho de 2024 - 15h28
A partir de 2025, começa a findar a vigência,
estipulada em 30 anos, dos contratos de concessão dos serviços públicos de
distribuição de energia elétrica, também conhecidos como “contratos de
privatização”. Entre 2025 e 2031, 20 contratos de distintas concessionárias chegam
ao fim. E é prerrogativa do poder concedente, o Ministério de Minas e
Energia (MME), decidir se prorroga ou não essas concessões.
Na última semana de maio, o MME encaminhou à presidência da
República o esboço do decreto presidencial, sobre as concessões no setor
elétrico de distribuição. Segundo a imprensa, a proposta traz a prorrogação das
concessões por mais 30 anos, com modificações pontuais nos novos contratos. O
ministro de Minas e Energia alega que as modificações são necessárias pois “os
contratos de distribuição são frouxos e dão poucos mecanismos à agência
reguladora e ao poder concedente de cobrar da distribuidora melhor qualidade do
serviço". "Queremos endurecer o processo, os índices e os mecanismos
de fiscalização e de cobrança da qualidade”. Foram necessários praticamente 30
anos para se chegar a estas conclusões!!!
Segundo o Ministério, foram propostas 20 novas regras, para
cobrar, de forma mais rígida, as distribuidoras, quanto à qualidade dos
serviços prestados. E caso não cumpram as regras, estarão sujeitas a
penalidades mais severas. Lembrando que as concessões são federais e devem ser
fiscalizadas pelo MME e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Os impactos econômicos, traduzidos nos aumentos abusivos
das tarifas elétricas, resultam diretamente do processo de privatização do
setor elétrico brasileiro, ocorrido a partir da década de 1990, que atingiu
fortemente a população brasileira. Recente estudo do Instituto Pólis e do
Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica aponta que a conta
de luz é o item de maior impacto no orçamento de quase metade (49%) das
famílias brasileiras, ao lado da alimentação.
Outra consequência da privatização foi a degradação e
precarização das condições de trabalho dos eletricitários, resultando no
péssimo atendimento e na baixa qualidade dos serviços. Com a privatização,
houve demissões de pessoal nas empresas, desmantelando a capacidade operativa
de manutenção e atendimento das demandas dos usuários.
Os contratos de privatização permitiram que se instalasse o
capitalismo sem risco no Brasil. Empresas do setor obtiveram exorbitantes
lucros (dentro da realidade econômica brasileira) apresentados nos Relatórios
Anuais Contábeis. Para os consumidores, os contratos significaram, além dos
apagões, a baixa qualidade nos serviços e aumentos extorsivos nas tarifas, bem
acima da inflação.
Na lógica dos privatistas, para atrair o capital nacional e
internacional a participarem dos leilões de privatização, cláusulas draconianas
foram introduzidas nos contratos, para favorecer as empresas, contrariando os
interesses dos consumidores, do povo brasileiro. De fato, as tarifas
pós-privatização contribuíram para uma extorsiva transferência de renda dos
consumidores para as distribuidoras e seus donos estrangeiros.
Com tarifas altas e péssima prestação de serviços, as
distribuidoras estaduais foram alvo de inúmeras reclamações, manifestações,
denúncias e processos jurídicos. Os índices de qualidade (DEC e FEC)** a que
estavam submetidos, foram sistematicamente desrespeitados. Mesmo assim, aceitos
pela ANEEL/MME, com algumas multas aplicadas, mas dificilmente pagas.
Prefeituras, câmaras de vereadores, governos estaduais,
parlamentares federais se manifestaram, reclamaram, divulgaram cartas de
repúdio exigindo melhorias na prestação dos serviços, com mais qualidade, à
população atendida. Uma das manifestações de maior repercussão foi a decisão da
Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de São Paulo, que exigiu
o rompimento do contrato com a concessionária, que atende à capital paulista.
Diante de tantas evidências, e fatos concretos, nada mudou.
Ao contrário, nos últimos anos pioraram. A blindagem destas empresas, além de
serem os próprios contratos, conhecidos como “juridicamente perfeitos”,
contaram com a leniência, omissão, e mesmo, em certos casos, prevaricação de
agentes públicos.
Diante da expectativa da edição do decreto com novas
diretrizes para a renovação das concessões, o lobby das distribuidoras,
representado pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica
tem atuado em duas frentes. A primeira, junto ao MME e o Congresso Nacional
para evitar mudanças substanciais nos contratos, que diminuiriam seus lucros. A
segunda, para deslocar críticas da sociedade, e, assim, mudar a imagem do
setor, as concessionárias se alvoroçaram em anunciar investimentos bilionários,
mudança na gestão das empresas (no caso da ENEL Brasil com a troca do
presidente), e aumento substancial da propaganda institucional na mídia
nacional.
As corporações que estão por trás das distribuidoras
estaduais não querem, e não desejam sair deste negócio tão lucrativo,
verdadeiro “negócio da China”. Seus dirigentes declaram confiar que não haverá
mudanças importantes na renovação dos contratos, que possam afetar seus lucros
e a consequente distribuição de generosos dividendos para alguns.
É reconhecido que as concessionárias Brasil afora, de modo
geral, não têm cumprido regramentos, requisitos e indicadores que atestam a
qualidade dos serviços, com a esperada continuidade no fornecimento de energia.
Nem a revisão das tarifas tem contribuído em benefício da tão esperada
modicidade tarifária, configurando “quebra de contrato”. Será que a prorrogação
dos contratos das concessões por mais 30 anos, continuará favorecendo as empresas
e penalizando o povo brasileiro?
Alguma dessas mudanças contratuais, caso sejam
implementadas na renovação dos contratos, até poderão atender parte das
demandas da sociedade, mas dificilmente melhorarão a qualidade dos serviços e
nem atenderão o anseio da redução das tarifas, sem a mudança substantiva na
relação do poder concedente com as concessionárias. Abaixo, algumas das
propostas e comentários:
1)
Mudança no índice de remuneração das distribuidoras do IGP-M para o IPCA. Medida mais do que justa e necessária (se ocorrer), pois é
nos contratos que a fórmula de cálculo dos
índices de reajuste aparece. Nos atuais contratos as tarifas estão indexadas ao
Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), que tem forte influência do dólar,
cujos valores são superiores aos índices de inflação. Com o índice atual,
pode-se afirmar que as tarifas têm subido de elevador, enquanto os salários
pela escada.
2)
Possível limitação na distribuição de dividendos ao mínimo legal (25% do
lucro líquido) se os índices de qualidade não forem cumpridos. Como pagar
dividendos em casos de serviços de má qualidade? Seria uma punição aos maus
operadores, o que aparentemente pode ser até um fator de proteção para os
investidores. Todavia, caso se mantenha a mesma fiscalização (?) inexistente,
nada acontecerá. Lembrando que esta fiscalização cabe ao MME, através da Aneel.
Relações promíscuas contribuem para a ineficiência da fiscalização.
3)
Comprovação anual da saúde financeira das concessionárias. Esta
comprovação, segundo declarações, terá base na relação entre lucro e dívida (ou
seja, indicadores de alavancagem) e na manutenção da qualidade do serviço em
todos os bairros e áreas de concessão, indiscriminadamente. Ainda neste caso é
fundamental o papel da fiscalização.
4)
Sobre a qualidade dos serviços prestados, as empresas precisarão, entre
outros compromissos, diminuir seus índices de frequência média de interrupções (FEC) e de duração média de interrupções (DEC). Segundo
a proposta, caso a concessionária não cumpra a meta de continuidade por três
anos consecutivos, ou os critérios de eficiência na gestão econômico-financeira
por dois anos consecutivos, a renovação dos seus contratos estará em risco.
Neste caso duas ações poderão ocorrer: (1) a alienação do controle de concessão
ou, (2) aumento de capital (dentro de 90 dias) para manter a sustentabilidade
da operação da concessionária. Esta questão é essencial para o consumidor que
sofre com a demora na religação quando há interrupções no fornecimento
elétrico. Atualmente este ponto é descumprido sistematicamente pelas
concessionárias, mesmo diante do que já é exigido.
Um
ponto reivindicado, mas que lamentavelmente foi ignorado pelo MME, foi propor
estímulo à adoção da fiação elétrica subterrânea. Nenhum recurso está previsto
para esta atividade. A discussão sobre o enterramento da fiação além dos
aspectos econômicos deveria englobar a questão urbanística e paisagística.
Outro assunto que o MME diz estar avaliando para os novos contratos é a
inclusão de mecanismos que permitam discutir a caducidade da concessão, caso o
serviço e os índices operacionais estejam abaixo do estabelecido.
Uma boa notícia foram as declarações do presidente do
Tribunal de Contas da União. Este órgão terá participação na análise
individualizada dos novos contratos, pois na função de controle externo, deverá
verificar se as modelagens jurídica e econômica se encontram conforme a
Constituição Federal, as leis do país e as práticas nacionais e internacionais
recomendadas.
O que é notório, sem dúvida no setor energético/elétrico
brasileiro, é a falta de transparência e de participação social, democratização
em todo este processo decisório. O Conselho Nacional de Política Energética,
que assessora a presidência da República, carrega em sua essência e composição
um grande déficit de democracia, que não condiz com os tempos atuais em que a
participação da sociedade é exigida.
___________________
* Professor associado aposentado da
Universidade Federal de Pernambuco, graduado em Física pela Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares
na Universidade Federal de Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na
Universidade de Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de
Cadarache/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França.
** DEC (Duração
Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) é o tempo que, em média,
cada unidade consumidora ficou sem energia elétrica; o FEC (Frequência
Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora), é o Número de interrupções
ocorridas, em média, no período de observação. Os valores destes
índices, que não devem ser superados, são fornecidos pela Aneel para cada
distribuidora.
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