Sexta-feira, 18 de novembro de 2022 - 08h23
Resguardada
do ardor da tarde sob frondoso castanheiro, na cercania de carriça
transmontana, a velhinha fia.
Tem
o rosto sulcado pela goiva do tempo. Olhos apagados, lábios finos, boca
desdentada, e tez crestada, da cor de centeio.
Fia;
e o fuso: gira...gira...gira... pressionado pelos descarnados dedos.
Foi
moça fagueira; esbelta, de farta cabeleira calamistrada e viçosa face da cor de
nácar.
Casou…
Foi mãe.
Criou
filhos, que abalaram...
Todos
partiram: uns, para o Céu; outros, em demanda de vida melhor...
Ficou;
mergulhada em saudade e cuidados de quem a deixou.
De
tempo a tempo, telefonam, escrevem...
Prometem
interná-la num lar...
Daqueles
que guardam pais e mães, que deixaram de serem prestáveis.
Cuidou
dos filhos com esmero: ajudou-os a darem os primeiros passos; a comerem; à
mesa; aparou-lhes a baba viscosa, que escorregava do beiço; enxugou-lhes o
húmido nariz; branqueou-lhes a roupa enegrecida pela traquinice; passou horas
de angústia à cabeceira do berço...
Os
meninos eram tudo, e tudo era para eles.
Agora,
é a mãe que carece de mão amiga: quem a ampare; quem cuide; quem lhe lave a
veste enodoada; quem lhe apare as unhas endurecidas; quem a desvele com
carinho.
Para
que nada lhe falte.
Mas
os filhos não têm disponibilidade...
Olvidam,
que chegou o tempo de retribuírem; esquecem-se de pagarem - os cuidados, os
carinhos que receberam...
Meditando,
a velhinha fia.
E
o fuso: gira...gira..gira...
Pelos
desgastados olhos, desenrolam-se cenas amorosas, recreações pueris, que a
memória guardou, com amor.
Agora
só Deus permanece...
Só
Ele ficou...
Os
gerados pelas suas entranhas esquecem-se, que: a felicidade, o diploma, a
riqueza que gozam, é fruto daquela velhinha, que junto ao carriço, arrimada ao
secular castanheiro: fia... fia... fia...
Zagaziantes
lágrimas de saudade, docemente escorem pela face encarquilhada:
-"
Coitados! Têm muito que fazer...A culpa é das mulheres... trabalham muito. Como
gostava de estar na companhia deles!…”
Leve
sorriso amoroso, alastra-lhe pelo rosto tisnado...
E
o fuso: fia...fia...fia...
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