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Gente de Opinião

Crônica

A janela da ausência


William Haverly Martins - Gente de Opinião
William Haverly Martins

A ausência, quer seja pela morte, sumiço, abandono, simples briga, desquite, divórcio, brigas de qualquer natureza, provoca alterações no comportamento humano, como se fossem vistas figurativas de uma janela abstrata.

No caso da Academia Rondoniense de Letras – ARL, as ausências interferem no grupo de várias formas, promovendo danos que poderiam ser evitados. Há os que entram na Academia e não comparecem às demais reuniões, como se a ARL fosse uma mera escada para melhorar o currículo; há os que se fazem de difíceis, exclusivistas, egocentristas, que sequer imaginam, como a sua falta faz falta, como seria importante uma palavra aos demais, que não o ouvem nem o leem. Tem gente que se olha no espelho e se vê num vitral.

No grupo de WhatsApp, não se compartilham olhares, afagos, sorrisos e muito menos tapinhas nas costas; somos uma confraria de Emojis. No dia do lançamento do livro do confrade Walter Bariani, a reunião marcada pelo presidente da AML, pretendia reunir a maioria dos membros das academias com sede em Porto Velho; não totalizamos 10 acadêmicos presentes, visto que alguns pertenciam a mais de uma confraria.

A morte é a que causa maior dano, as pessoas reagem à morte de várias formas e conforme a natureza do laço familiar envolvido. Entretanto algumas reagem a qualquer morte, sem se importar com o grau de parentesco ou a distância do fato ocorrido, reagem até mesmo às mortes noticiadas pela TV ou pelas mídias sociais, e isso tem a ver com a empatia humana. Um ser sem empatia é um ser vazio. Há pouco mais de um ano, perdemos 4 confrades, ainda não me acostumei, às vezes penso que estou vendo o Anísio pronto para um abraço, seguido de seu bordão preferido: meu amigo! Poucos sabem, mas o Anísio foi quem mais me ajudou na fundação da ARL, tanto que, até hoje, o endereço da ARL, usado para que pudéssemos conseguir a documentação, é o escritório da esposa dele.

Como somos uma academia majoritariamente de letras, Shakespeare soprou aos meus ouvidos: lembrar é fácil para quem tem memória, esquecer é difícil para quem tem coração. E Adélia Prado complementou: enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos.

A sensibilidade do poeta inglês John Donne, que viveu no distante século XVI, mostra como a vida de todos são importantes para a humanidade, como um todo: “Nenhum homem é uma ilha; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

Infelizmente, o sentimento do vazio, na sociedade, com a perda de um ser humano, já não representa tanto, a vida foi banalizada com as guerras, com a pandemia, com as várias modalidades de tráfico, com a escravidão, com os novos conceitos de morte, enfim o toque dos sinos já não representa a perda de um pedaço de mim, ele sequer é ouvido nas grandes e médias cidades, sequer desperta o sentimento da saudade. Só tem saudade quem tem empatia, quem ama, mas mesmo assim é o tempo quem regula a duração de um sentimento de ausência. A saudade, enquanto ponte entre amor e dor, é o sentimento que deveria substituir a ausência, qualquer ausência. Ainda pretendo, com a ajuda dos demais, promover a sessão solene da saudade, em memória dos nossos confrades que partiram.

Pior que tudo são os ausentes vivos, aqueles que poderiam priorizar o encontro entre companheiros e não o fazem, por razões incompreensíveis.

 

Nem no velório o ausente está presente: a maioria, em vez de demonstrar o sentimento da perda, está mais preocupada com o celular, como se dissesse: quando ele era vivo não comparecia, porque tenho que me preocupar com ele, agora que se foi – já vai tarde! Na pós pandemia, o medo e a febre das mídias sociais têm adoecido a intensidade da convivência. Nem os gritos da janela do amor ao próximo conseguem repreender, amenizar as vistas, surgidas a partir da ausência.

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