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Crônica

A janela da liberdade


William Haverly Martins - Gente de Opinião
William Haverly Martins

Uma janela que permaneceu fechada por muitos e muitos anos, quando você a abre, é difícil se acostumar com a vista, é como um prisioneiro que ganha a liberdade depois de trinta anos de prisão e não aceita a ressocialização, acaba pedindo para voltar ao presídio: por uma simples questão de convivência, sente-se preso na rua e livre na prisão. Mahatma Ghandi dizia que a prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.

  

Antigamente não era proibido criar pássaros cantadores em gaiolas. Eu criei várias espécies, pássaro preto, canário da terra, canário belga, papa-capim, coleira, pintassilgo, pintagó, curió, bigode, sete cores, e tantos outros; certo dia, meu pai abriu as portas das minhas gaiolas, como punição por desobediência a uma ordem dada por ele: − pássaros foram criados por Deus, para viverem em liberdade!

 

Muitos foram embora, entretanto, os mais valiosos, o que significa dizer os mais cantadores, na aurora do dia seguinte, me aguardavam com a ração do dia a dia: colocava a comida e a água nos locais apropriados e eles iam voltando às gaiolas, saltitando de alegria. Os mais arredios eu precisei usar o alçapão para recaptura-los, recuperei cerca de 30 por cento. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos de idade e entre lágrimas cheguei a dizer ao meu pai: − viu, pai, eles voltaram, voltaram porque me amam. E meu pai retrucou: − voltaram porque se acostumaram a comer na gaiola, não sabem mais procurar comida.

Não contestei a autoridade paterna, apenas estalei os dedos para que meu pássaro preto começasse a assoviar a introdução do hino nacional. Inconformado com a resposta, ele se retirou e eu fiquei na companhia da orquestra formada por meus pássaros e passarinhos queridos.

Quando recebi a notícia que precisaria morar em Salvador, para continuar meus estudos, senti um baque no peito. Com o coração sofrido, deixei as gaiolas com as portas abertas, por vários dias, para que meus passarinhos pudessem se acostumar a procurar comida, mas eles não arredaram pé. Saíam e voltavam. Algum tempo depois, já em Salvador, recebi uma carta de minha irmã mais nova, dizendo que meu pai alimentava meus pássaros, todos os dias. Quem viveu aprisionado uma vida quase toda, precisa ser reeducado para viver em liberdade.

Também senti muito, quando tive que deixar minha casa para viver em pensionatos na capital. Durante as férias, voltar para casa, era como um passarinho em busca da portinhola aberta, onde sabia que havia segurança, água e comida em abundância. Sentimentos como bairrismo, nativismo e amor ao rincão natal, se assemelham a uma gaiola invisível, sem portas. Só quem já passou por isso sabe mensurar o prazer de se voltar pra casa, a força do abraço do reencontro.

A janela da liberdade, quando aberta, mostra vistas variadas, descortinando sentimentos, mas a verdadeira liberdade é um ato puramente interior, na maioria das vezes somos prisioneiros de nós mesmos, solitários em busca de um porto pra se agasalhar. Outras, somos livres, todas as portas e janelas estão abertas, mas não conseguimos encontra-las, porque estamos sozinhos no meio da multidão.

Meus pássaros sentiam-se interiormente livres, mesmo no cárcere, porque viam-se cercados de amor, é o amor ao outro que nos liberta. Ademais o ser humano precisa aprender a se livrar dos julgamentos alheios. Com a ajuda da consciência, abrimos os olhos para as vistas da janela da liberdade.

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