Segunda-feira, 17 de outubro de 2022 - 12h36
Uma janela que permaneceu fechada por
muitos e muitos anos, quando você a abre, é difícil se acostumar com a vista, é
como um prisioneiro que ganha a liberdade depois de trinta anos de prisão e não
aceita a ressocialização, acaba pedindo para voltar ao presídio: por uma
simples questão de convivência, sente-se preso na rua e livre na prisão. Mahatma Ghandi dizia que a prisão não são as grades,
e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É
uma questão de consciência.
Antigamente não era proibido criar
pássaros cantadores em gaiolas. Eu criei várias espécies, pássaro preto,
canário da terra, canário belga, papa-capim, coleira, pintassilgo, pintagó,
curió, bigode, sete cores, e tantos outros; certo dia, meu pai abriu as portas
das minhas gaiolas, como punição por desobediência a uma ordem dada por ele: − pássaros
foram criados por Deus, para viverem em liberdade!
Muitos foram embora,
entretanto, os mais valiosos, o que significa dizer os mais cantadores, na
aurora do dia seguinte, me aguardavam com a ração do dia a dia: colocava a
comida e a água nos locais apropriados e eles iam voltando às gaiolas,
saltitando de alegria. Os mais arredios eu precisei usar o alçapão para
recaptura-los, recuperei cerca de 30 por cento. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos
de idade e entre lágrimas cheguei a dizer ao meu pai: − viu, pai, eles voltaram, voltaram porque me amam. E meu pai
retrucou: − voltaram porque se
acostumaram a comer na gaiola, não sabem mais procurar comida.
Não contestei a autoridade
paterna, apenas estalei os dedos para que meu pássaro preto começasse a
assoviar a introdução do hino nacional. Inconformado com a resposta, ele se
retirou e eu fiquei na companhia da orquestra formada por meus pássaros e
passarinhos queridos.
Quando recebi a notícia que
precisaria morar em Salvador, para continuar meus estudos, senti um baque no
peito. Com o coração sofrido, deixei as gaiolas com as portas abertas, por
vários dias, para que meus passarinhos pudessem se acostumar a procurar comida,
mas eles não arredaram pé. Saíam e voltavam. Algum tempo depois, já em
Salvador, recebi uma carta de minha irmã mais nova, dizendo que meu pai
alimentava meus pássaros, todos os dias. Quem viveu aprisionado uma vida quase
toda, precisa ser reeducado para viver em liberdade.
Também senti muito, quando
tive que deixar minha casa para viver em pensionatos na capital. Durante as
férias, voltar para casa, era como um passarinho em busca da portinhola aberta,
onde sabia que havia segurança, água e comida em abundância. Sentimentos como
bairrismo, nativismo e amor ao rincão natal, se assemelham a uma gaiola
invisível, sem portas. Só quem já passou por isso sabe mensurar o prazer de se voltar
pra casa, a força do abraço do reencontro.
A janela da liberdade, quando
aberta, mostra vistas variadas, descortinando sentimentos, mas a verdadeira
liberdade é um ato puramente interior, na maioria das vezes somos prisioneiros
de nós mesmos, solitários em busca de um porto pra se agasalhar. Outras, somos
livres, todas as portas e janelas estão abertas, mas não conseguimos
encontra-las, porque estamos sozinhos no meio da multidão.
Meus pássaros
sentiam-se interiormente livres, mesmo no cárcere, porque viam-se cercados de
amor, é o amor ao outro que nos liberta. Ademais o ser humano
precisa aprender a se livrar dos julgamentos alheios. Com a ajuda da
consciência, abrimos os olhos para as vistas da janela da liberdade.
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