Terça-feira, 18 de maio de 2021 - 13h41
Era
mulher simples e profundamente crente. Casou duas vezes. Os maridos eram
primos. O primeiro, austero, proibia-a de ler a Bíblia (Novo Testamento,)
porque era, na sua opinião, Livro protestante!
Já
idosa ficou entrevada, impedida de participar na missa, devido à enfermidade.
Assistia, ao culto, na varanda da sua velha casa, virando-se para a igreja de
Santa Marinha, lendo o “Ordinário “
Quando
tinha saúde, em épocas em que se receava entrar numa igreja, para não se
escutar a chacota dos hereges, não faltava à missinha, enfrentando, com ardor,
os vitupérios.
Passou
anos – cheia de dores, – numa cadeira de rodas, encafuada em sombrio quarto, a
rezar e a cantar loas, aos santos e ao Santíssimo Sacramento.
Um
dia, quando ainda andava, foi, com amigas, à igreja de S. Francisco, no Porto.
Demoraram-se, em recolhimento, após a missa.
Saiu
com as amigas, senhoras devotas que frequentavam movimentos católicos, pela
porta lateral. Ao passarem pelo corredor, estacaram:
Decorria
pequena procissão. Eram entoados cânticos muito antigos, e antigos eram as
vestes dos fiéis.
Retrocederam,
e saíram por outra porta.
Ficaram,
todavia, a pensar na procissão, a horas impróprias, e foram, mais tarde, falar
ao sacerdote. Este ficou admirado. Não houvera qualquer cerimónia nesse dia…
Já
de avançada idade, cuidou do neto (meu pai,) órfão – o pai falecera de
pneumónica, a mãe tuberculosa.
Como
o órfão era menor – oito anos, – criou-se Conselho de Família. O presidente era
honesto e pessoa de bem; mas outros, aproveitando a ingenuidade da velha avó,
conseguiram ludibria-la, prejudicando o menino-órfão.
Certa
vez ouvira num sermão, dizer: que as Bíblias protestantes, eram falsas e deviam
ser queimadas.
Escrupulosa,
pegou na sua Bíblia, ricamente encadernada, ilustrada com preciosas gravuras,
em dois volumes, e foi ter com o abade.
Este
disse-lhe, que era pena queima-la. Que ficaria para seu uso, já que era
bilingue (português e latim),
Bondosa
e simples, mas não burra, retorquiu:
- Se é boa para o senhor abade, também é para
mim…”
E
saiu sobraçando os dois pesados volumes. Educou meu pai com esmero, mas o
rapazinho pouco valor dava às recomendações da avó, e menos ainda ao clero.
Por
intermédio de sacerdote, da sua idade, congraçou-se com Deus, chegando a levar,
ao bom caminho, primo, avesso à Igreja, influenciado pelas ideias de velhos e
fanáticos republicanos.
Dizem
que era bonita, mas nada vaidosa; cantava divinamente; faleceu nos anos trinta,
antes de meu pai casar mas ainda conheceu sua esposa.
Morreu
como santa. Após a morte, pediam-lhe intercessão no Céu, porque a julgavam
digna.
Durante
anos, na Igreja de S. Francisco, foi lembrado a misteriosa procissão, com
orações e ligeiras cerimónias litúrgicas.
Tudo
caiu no esquecimento, até para os descendentes. Hoje, não passa, como disse
Cecília Meireles, de simples antepassada, cujo nome nem sequer recordam…
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passa. Tudo esquece…Todos nós, em escassos anos, passamos a mito ou meros
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