Terça-feira, 13 de abril de 2021 - 12h03
A Pandemia escancarou de vez a
responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros, ainda que tenhamos
de adotar o distanciamento social. No entanto, na história da humanidade,
especialmente em países mais religiosos, os vírus foram explorados e temidos,
direto do púlpito dos pregadores, com a lembrança de que a morte prematura não
dava tempo a arrependimentos, era preciso rezar e apressar as ofertas. O
contraponto iminente anunciava o inferno, aos que não reconheciam a igreja,
como o caminho da salvação. As coisas mudaram, desta vez, a igreja, refúgio dos
necessitados, dos que buscam o perdão aos seus pecados, mas também dos que
cobram explicações e ajuda, foi temporariamente fechada pelas autoridades. E
agora José, para onde?
Podemos não saber quem somos,
onde estamos, para onde vamos, mas já que estamos aqui, nossa responsabilidade,
mesmo à distância, é cuidarmos dos que estão sem trabalho, obrigados a viver
entocados para não espalhar o vírus, pois desta vez já não há o costume de
marcar as casas com o sangue do cordeiro, por isso devemos reconhecer que a
vida já estigmatizou em nós o sentimento nobre do amor ao próximo, ainda que o
vírus mancomunado com a morte ignore sentimentos humanos.
Em 5 de setembro
de 1977, a Nasa lançou ao espaço a nave Voyager, sem destino conhecido, tendo
como única carga um disco organizado pelo astrônomo Carl Sagan, projetado para
durar um bilhão de anos e para oferecer aos extraterrestres uma ideia do que era
a humanidade, até aquela data. Incluía música internacional, saudações em 50
línguas (as vozes ao fundo vão
sendo substituídas por um tema de jazz), o som das ondas do mar, do
vento entre os galhos de carvalhos, o canto das baleias, o som do coração
humano, o som de um beijo. Imaginem hoje com o avanço da inteligência
artificial, da internet, dos celulares e dos vídeos, quanta coisa boa poderia
ser incluída, inclusive o avanço da ciência, na cura de doenças e na brevidade
da descoberta das vacinas.
Em 27 de setembro de 2013, após
vagar 36 anos pelo espaço, a Voyager concluiu sua missão em nosso Sistema Solar
e entrou em território não mapeado. Antes, porém, tirou uma foto da Terra, a
mais de 6 bilhões de quilômetros, o resultado foi reconhecido, pelo referido
astrônomo e escritor, como um pálido ponto azul, título de um livro
escrito por ele, há trinta nos. Continuamos passageiros desse pálido ponto
azul, reféns do medo da viagem ao além, mas anunciando presunçosamente ao
Cosmos a existência do Nirvana ou a do Paraíso final, conforme muçulmanos e
cristãos, exclusivo para seres humanos, satisfazendo vaidade e orgulho.
Leitor assíduo de Carl Sagan,
costumo dizer que, em se tratando de literatura, ele nada deve a grandes
escritores americanos. O texto de A Pale Blue Dot é genial – cada frase
é um poema: “Olhem de novo esse ponto. É aqui, é a nossa casa, somos nós.
Nele, todas as pessoas que você ama, todos a quem conhece, qualquer um sobre
quem você ouviu falar, cada ser humano que já existiu, viveram as suas vidas. O
conjunto da nossa alegria e do nosso sofrimento, milhares de religiões,
ideologias e doutrinas econômicas, cada caçador e coletor, cada herói e
covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e camponês, cada
jovem casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor
e explorador, cada professor de ética, cada político corrupto, cada superstar,
cada “líder supremo”, cada santo e pecador na História da nossa espécie viveu
ali – em um grão de pó suspenso num raio de sol”.
A Terra tem sido um cenário muito
pequeno nessa vasta arena cósmica. “Pense nos rios de sangue derramados por
todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo,
pudessem ser senhores momentâneos de uma fração desse ponto. Pense nas
crueldades sem fim infligidas pelos moradores de um canto deste pixel aos
praticamente indistinguíveis moradores de algum outro canto, quão frequentes
seus desentendimentos, quão ávidos de matar uns aos outros, quão veementes os
seus ódios.” Pense nos milhões de seres humanos, vítimas de um outro pontinho
invisível, sem vida, mas dono do destino de muita gente, conhecido como
coronavírus. No dizer de Carl Sagan, “O nosso planeta é um grão solitário
na imensa escuridão cósmica que nos cerca. Na nossa obscuridade, em toda esta
vastidão, não há indícios de que vá chegar ajuda de outro lugar, para nos
salvar de nós mesmos”.
Somos insignificantes e não temos
nenhum privilégio no Universo, somos partes da inexplicável cabala da vida:
nasce/morre/nasce. Renascemos como a aurora, no mesmo pontinho azul. Se formos
sensatos, descobriremos em nós um mundo de possiblidades divinas, inclusive o
amor, único bem coletivo que pode alterar o destino da humanidade, aqui mesmo.
Para tanto basta que o ser reconheça, humildemente, que, goste ou não, é finito,
e a Terra é nossa única morada, até que a inteligência evolua e a espécie
humana possa emigrar. Esta é a hora, o vírus vem nos ensinando a cuidarmos uns dos
outros e a protegermos nosso pálido ponto azul. Salve, salve o amor ao
próximo.
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