Quarta-feira, 26 de janeiro de 2022 - 15h52
Fechei os olhos e uma dormência me invadiu. Vi-me em um lugar que já não
existe mais. Ouvi o silêncio do tempo. A vida vinha nascendo outra vez. Meus
olhos são os olhos dela. A respiração ofegante é minha e é dela. O rosto está
coberto por um manto escuro. O corpo é forte e vestido com roupas negras. Tem
uma adaga na mão, um alforje com moedas e outro com pão, azeite e frutas secas
com aroma adocicado. Os olhos espreitam, por uma pequena janela, a vida lá
fora. Ela é uma fugitiva. Do alto dessa janela, podemos – meus olhos nos dela –
vislumbrar uma cidade linear.
Todas as casas parecem iguais; todas elas têm janelas quadradas e são
tão juntas que parecem um condomínio.
Corremos pelos corredores apertados das ruas ao alvorecer. Sentimos os
passos pesados dos nossos algozes. Eles nos querem, mas seguimos sorrateiras às
vezes; em outras vezes corremos. Sinto que não há medo no coração dela, há uma
força feminina de sobrevivência e coragem; de determinação e de extrema vontade
de libertação. Ouvimos vozes e paramos juntas, eu e ela, em uma só pessoa.
Falam de nós: de mim, dela. Seu nome é Fáthuma!
Meu coração saltou. Revirei-me na cama, mas continuei no torpor e volto
à cidade, a correr, a fugir. Vejo portões e apressamos os passos. Agora
corremos com a velocidade dos que querem ser livres. Atravessamos entre as
aberturas dos portões. Ainda não há sol.
Respiramos fundo e juntas, eu e ela, em uma só pessoa, abraçamos um
cavaleiro e montamos em seu cavalo. Fáthuma abraçada àquele homem desaba em
forte choro. Ele segura sua mão em torno da cintura; ela grita: “Adeus,
Babilônia!”. Juntos, em uma veloz cavalgada, eles desaparecem no infinito.
Atrás, vejo a cidade em sua única cor. Tudo parece tão igual. Sinto uma
profunda angústia e lágrimas correm pelo meu rosto.
“Dorothy?” Acorde querida! Ao abrir os olhos, vejo-o, o cavaleiro do
sonho. Os mesmos olhos, a mesma cor de pele. A mesma cumplicidade. Suas mãos
tocaram as minhas com força, tal como no sonho. Esse toque me dizia: “Ainda
estou aqui. Estamos juntos. És livre!”
Abracei esse ser que me guardava cheio de amor e me perdi em seus braços
para me encontrar novamente. Um sonho, uma visão, uma realidade? Tudo está
assim, tão perto, ao nosso alcance. E é tudo tão real. De longe, tão longe,
ouço a voz sussurrante: “Adeus, Babilônia! Adeus Babilônia!”
Quem era ela? Fátima, Dorothy, Fáthuma? Todas em uma!
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