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Crônica

Amigos para sempre


Amigos para sempre - Gente de Opinião

O verbo servir talvez seja, dos vernáculos relacionados ao humano, aquele que mais carrega o DNA do amor ao próximo. Tem gente que nasce para servir, são poucos, mas quando assumem esta condição ratificam o lema do Mahatma Gandhi, quem não nasce para servir não serve para viver, e também o de Jesus Cristo, tão bem exemplificado nas caminhadas da pregação e na aceitação da via crucis. Servir ao outro está no bojo do mandamento mais divino que conhecemos: amar ao próximo como a ti mesmo!

Conhecidos e anônimos, entre eles Anísio Gorayeb Filho, não se cansaram/cansam de disseminar o amor no servir, conseguindo resplandecer a própria aura, advinda da admiração e agradecimento do público alvo. Em muitos anos de convivência, em programas de rádio e TV, nunca vi a tristeza estampada no rosto do Anisinho, havia sempre um sorriso entremeado à vontade de ajudar, de ser útil ao outro, ou uma piada pronta para abrir sorrisos. A metros de distância, ao ver um conhecido, ele bradava fortemente – meu amigo – e ia na direção do avistado, para um afetuoso abraço!!!, pronunciando corretamente o nome daquela pessoa, um exercício fraterno que ia na contramão da hipocrisia social, tão comum nos dias atuais.

Quando Anisinho resolveu assumir o papel de historiador/memorialista estudou tanto e aprendeu de tal forma, que incorporou os fatos históricos a sua própria vida, como se ele fosse o protagonista de todos eles. Em suas constantes palestras ao longo do Estado, em escolas públicas, privadas, faculdades, festinhas, o que fosse, para o qual tivesse sido convidado, falava como se amigo íntimo de Percival Farqhuar, Barão do Rio Branco, Marechal Rondon, Oswaldo Cruz, Belizário Penna, Aluízio Ferreira, Getúlio Vargas, Jorge Teixeira e tantos outros, conhecidos ou anônimos, que fizeram parte da história de Rondônia. Anisinho conhecia os nomes dos familiares de todas as famílias tradicionais de Porto Velho. Sabia particularidades dos políticos, que nem os computadores do Google tiveram acesso. Memória de elefante!!! Difícil mensurar a falta que fará.

A internet mudou o mundo e as pessoas, Anísio tinha milhares de seguidores nas redes sociais e atendia a todos, na medida do possível, ele era daquelas pessoas que não sabem dizer NÃO, todo dia era dia do SIM. Nesta pandemia o convívio social e o trato entre os cidadãos não é o mesmo de anos passados, qualquer organização não governamental, como a nossa Academia Rondoniense de Letras Ciência e Artes – ARL, se quiser sobreviver terá que se adaptar ao vazio imortal, deixado pelos que mudaram de endereço, ou se acostumar com o virtual.

Mesmo pós vacina, os relacionamentos de uma confraria cuja matéria prima era/é a memória, o abraço, o tapinha nas costas, o café, o chá e o elogio sincero, demorarão a voltar ao que era, se é que voltarão… Dizem que os dedos de esponja do tempo apaga tudo, mas não é simples assim.  Os sentidos se acalmam, as lágrimas secam, a gente troca o curativo da dor, mas aqueles que amamos, vez ou outra podem emergir das profundezas.  

Anísio esteve na linha de frente, durante a fundação da ARL, em 2015, não tínhamos um endereço para sede própria, ele ofereceu, provisoriamente, uma sala do escritório de advocacia da esposa, o servir era mais importante do que os transtornos que poderíamos causar, nos reunindo na sala oferecida; resultado: até hoje o endereço da ARL é uma sala do complexo de escritórios da Dra. Marisâmia Aparecida de Castro Inácio, até o dia em que algum funcionário do alto escalão governamental reconheça a importância da ARL para Rondônia e nos ajude a conseguir uma sede própria. Com a palavra mestre Suamy, ainda estamos pacientemente aguardando a promessa.  

A via crucis de Anísio Gorayeb durou cerca de 14 dias, testou dia 26/02, soube do resultado positivo no dia 01/03, mas só foi internado no Cemetron em 07/03, um domingo, e faleceu no dia 21/03, outro domingo.  Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente.

Quando Dr. Dimis da Costa Braga me avisou que o quadro era gravíssimo, na manhã daquele domingo, perdi o chão, pois queria acreditar que pessoas boas, como o Anisinho, não morrem precocemente porque são suscetíveis às orações alheias. O aviso final me veio pela voz chorosa do jornalista e amigo Lúcio Albuquerque, às 16 horas, acabavam ali minhas esperanças de revê-lo em vida. Enquanto as lágrimas lavavam o meu rosto, Shakespeare soprou aos meus ouvidos: lembrar é fácil para quem tem memória, esquecer é difícil para quem tem coração. E Adélia Prado complementou: enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos.

Para mim a memória personaliza a saudade, parando o tempo. Anisinho estará eternamente no Panteão dos amigos para sempre, nicho dos imortais da Academia, nos aguardando com o seu bordão preferido: Meu amigo! 

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