Terça-feira, 16 de abril de 2024 - 10h44
“Até a metade vai parecer que irá
dar errado, mas depois dá certo!” Assim que terminou de pronunciar essas
palavras, Jonas Abib, o padre, contou mais uma daquelas suas histórias que
ensinavam verdadeiras lições de vida. Em seguida, com a voz cansada e as mãos
trêmulas, abençoou os autores do livro de sua biografia, no meio da tarde do
dia 13 de julho de 2022. Exatamente cinco meses depois, em 12 de dezembro do
mesmo ano, ele faleceu, faltando menos de dez dias para completar 86 anos.
Na ocasião, a história que o padre contou foi a
de um jogo de futebol entre São Paulo e Corinthians, no último domingo de
agosto de 1949. Com 12 anos de idade e faltando uma semana para entrar no
seminário, Jonas foi ao estádio do Pacaembu junto com o pai, o pedreiro Sérgio
Abib, filho de pai libanês e mãe italiana, imigrantes.
Até o intervalo do primeiro tempo, era
impossível prever o resultado. No final, ganhou o São Paulo, de 3 a 2. Foram
três gols do astro Leônidas, o Diamante Negro! São-paulinos, pai e filho
vibraram muito. Encerrada a partida, demorou mais de hora para chegarem em
casa, no bairro da Cachoeirinha, lá longe, “a periferia da periferia, na
época”, como contou o padre. Por pouco não tinham que percorrer a pé o caminho
de terra que os levava à casa recém-construída, a primeira da família, nem
pronta de verdade estava. Ônibus não havia naquele dia.
A morte de padre Jonas, em dezembro de 2022, e
os meses muito difíceis que se seguiram levaram o projeto do livro a um ponto
crítico, justamente na metade do período de um ano e meio dedicado à sua
produção. O material jornalístico disponível era abundante e o padre já não
estaria mais junto, revisitando com carinho as histórias que sentia sempre
tanto prazer em contar. E nem poderia acompanhar o nascimento dos dezesseis
capítulos da obra de mais de 500 páginas em que sua vida dialoga o tempo todo
com sua fé em Deus, com a esperança e a vontade imensa de servir ao próximo.
Nem a morte, porém, impediu padre Jonas de
contar as suas histórias, de mais de uma maneira. Histórias alegres, que
teceram o arco de sua vida desde o nascimento, em Elias Fausto, interior de São
Paulo, em 1936, até a sua morte, em Cachoeira Paulista (SP), na sede da
comunidade religiosa que fundou: a Canção Nova. E histórias também tristes, não
tão poucas assim.
Já aos 2 anos de idade teve que ser submetido
às pressas a uma cirurgia dos olhos, em Campinas (SP), para não perder a visão.
O pagamento do empréstimo que o pai precisou fazer durou anos, e obrigou a
jovem família a se mudar muito cedo para a capital, em busca de trabalho. A
família – pai, mãe e o filho Jonas – passa a morar nos primeiros tempos num
porão, no bairro da Barra Funda. Pobre, muito pobre, era o que tinha condições
de pagar.
Anos mais tarde, já na segunda metade da década
de 1950, o pai arruma a mala para uma longa viagem até o Planalto Central, onde
estava sendo erguida a futura capital federal, Brasília, inaugurada em 1961. O
pedreiro Sérgio deixaria para trás por quatro ou cinco anos a esposa Josepha
com a sua máquina de costura e seis filhos, dois meninos – o mais velho deles,
Jonas, no seminário – e quatro meninas, a caçula mal tendo aprendido a andar.
O rosário completo das histórias mais sofridas
de padre Jonas fala de doenças e cirurgias diversas e de muitas idas ao
hospital, com uma frequência impressionante nos últimos anos de sua vida, até a
morte, decorrente de um câncer. Inclui ainda um período dos mais difíceis –
“terrível”, na expressão do padre – que desde São João da Cruz (1542-1591) se
conhece pelo nome de “noite escura da alma”. Em alguns dos momentos mais
dramáticos, parecia o fim. Já não conseguia rezar, perdera o sentido das
coisas, se perguntava se tinha valido a pena a vida até então, tanta coisa
feita, tanto sonho realizado!
Mas Jonas Abib, que nunca reclamava de nada, se
mantinha de pé, do jeito como muitas vezes se aguentava. Ele soube ler,
inclusive, na mais profunda depressão – mesmo às vezes com os lábios cerrados
de dor e com os olhos turvos pelas lágrimas – um sinal de que estava sendo
provado, qual Jó, no exercício da fé, da misericórdia, da paciência e da
coragem.
Morreu com a alma leve, qual passarinho, tendo
combatido o bom combate, na expressão do apóstolo Paulo. Pouco tempo antes
havia redigido, à mão, o último documento que quis deixar para a comunidade que
fundou. Era sobre “o hábito do sorriso”. Morreu sorrindo, docemente, em sua
casa, cercado de perto e de longe pelas pessoas a quem tanto amou na vida,
tendo instantes antes recostado a cabeça no travesseiro do leito hospitalar
após ter rezado a oração do Anjo do Senhor.
*Dimas Künsch é
professor universitário e escritor, autor do livro “O Padre: a História de Vida
de Jonas Abib”, junto com a jornalista Renata Carraro.
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