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Crônica

As janelas ideológicas


William Haverly Martins - Gente de Opinião
William Haverly Martins

No estertor dos anos sessenta, quando ingressei na Faculdade de Direito da UFBA, levei comigo uma densa bagagem esquerdista, composta por vistas da janela da esquerda, fundamentada em teóricos/sonhadores que faziam a cabeça da juventude, mundo afora, ignorando ou usando a condição humana regional, para implementar sua ideologia, cuja meta principal pregava a proximidade das classes sociais. A janela da esquerda, apesar do fracasso mundial do socialismo/comunismo, continua exclusivista, promovendo, ideologicamente, vistas desagregadoras, arrogantes e distantes do respeito à opinião alheia e ao bem comum.

Pois bem, o mundo deu muitas voltas, eu aprofundei meus estudos, o muro de Berlim caiu, e pelos portões de Brandemburgo recebi novas e esclarecedoras vistas da janela da esquerda, que já, àquela época, mostrava-se duvidosa, com ideias tremulantes, como se incomodada com o insucesso da aplicabilidade de suas teorias na governabilidade de inúmeras nações. Enquanto Cuba se desesperava economicamente, o Leste Europeu via sua cortina de ferro despencando, corroída pela ferrugem do desgoverno da ditadura soviética. No outro lado do mundo, os Tigres da Ásia ditavam as normas do sucesso capitalista, trucidando princípios que não caminhassem pela livre concorrência, pela educação em massa e pela meritocracia. A diferença entre as duas coreias mostra bem os efeitos da esquerda e da direita na forma de governar um país.

Não foi fácil mudar de alcova, reconhecer a perniciosidade das ideias socialistas, fugir dos afagos da utopia, romper as amarras da ideologia, doeu muito, mas me libertei da cegueira ideológica. Busquei novas lentes e hoje me considero curado de um mal qua aflige muita gente, gente que vendo não vê, como dizia o mestre Saramago. Paulo Francis, talvez o jornalista mais lúcido da minha juventude, também trocou a esquerda pela direita e foi morar nos EUA, onde divulgou inúmeros textos contra o socialismo/comunismo: “o comunista só é comunista enquanto não ganha seu primeiro milhão”.

 

Muitos não se conformam com o insucesso de Cuba, com a China abrigando multinacionais, como que aderindo ao capitalismo, rasgando o Capital de Marx e a teoria da revolução do proletariado; nem com o egocentrismo de Putin, querendo a todo custo o retorno da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, mesmo que para isso tenha que matar civis de toda ordem, inclusive crianças, na guerra da Ucrânia. Os esquerdistas mais radicais chegam a elogiar o ditador da Coreia do Norte.

 

O jovem da minha época achava legal falar de capitalismo selvagem; chamar a direita de reacionária e conservadora; aplaudir e ler o livro vermelho de Mao; concordar com os crimes absurdos de Stalin e toda sua corriola socialista. Hoje a social democracia que merece meus aplausos está no Norte da Europa e é muito diferente da que foi implantada no Leste Europeu, Cuba, Nicarágua, Venezuela etc. Enquanto o Leste Europeu foge do retrocesso, ajudando Zelensky numa guerra insana, os latino-americanos se esforçam pela implantação de um socialismo moreno, focado na estatização e na multiplicação dos cargos públicos, via duplicação de Ministérios, consequentemente na corrupção e no inchaço do Estado. A fome e a ignorância, ou seja, o povo volta ser massa de manobra.

 

A partir da Constituição de 1988, a população, principalmente a classe média esclarecida, passou a enxergar o Exército Brasileiro como Poder Moderador, tanto que o art. 142 da referida Constituição, praticamente ratificou essa teoria. Pela doutrina sempre que houvesse necessidade, sempre que os poderes republicanos se desentendessem, o EB entraria em cena para pôr ordem na casa, como ocorreu em 31 de março de 1964, depois de monstruosas passeatas, com quase um milhão de pessoas em Belo Horizonte e em São Paulo. Desde essa época, o exército passou a ser a metáfora da Espada da Justiça. O braço forte e a mão amiga do povo brasileiro.

 

Após mais de 20 anos de governo militar, os generais devolveram o governo aos civis, esperando que a Democracia não fosse usada, demagogicamente, como moeda de troca, no possível retorno dos socialistas. Entrou governo e saiu governo e nos deparamos com o retorno do PT e a prisão de seu líder maior. Todavia, no meio do caminho da esquerda tinha um desastrado capitão, falastrão, exercendo um autoritarismo singular, sem o apoio do colégio de Generais, mas convencendo a maioria de que ele era a SOLUÇÃO, para nos livrarmos, de uma vez, da esquerda petralha. Um novo Messias?

 

Pobre povo brasileiro, o capitão era apena um ENGODO. O STF soltou o presidiário, o capitão decepcionou os brasileiros se aliando ao Centrão, e a direita se viu no mato sem cachorro: perdeu a reeleição e viu uma pequena parcela de seus membros, usando a artimanha de acampar em frente aos quartéis, para forçar a ajuda do EB, esquecendo que os tempos são outros e o exército já não é mais o mesmo. O que mais doeu foi ver o exército abandonar os acampados à própria sorte. No mínimo poderia ter impedido o tresloucado ato de invadir as sedes dos três poderes republicanos.

 

É verdade que metade da população não estava preparada para rejeitar a demagogia e o populismo, tão usados pela esquerda, e, como é o lado mais fraco e manipulável, no exercício da política, perdeu a reeleição e voltou a sonhar com a interferência do exército e seu poder de polícia, nos moldes da PE do governo militar, achando que a corrupção generalizada nos três poderes republicanos, só acabaria com a interferência militar. Foi um tiro no pé! Os pseudos patriotas, alguns presos, compreenderam que o verde não é mais a cor da esperança. Melhor se conformar com o vermelho e torcer pelo Internacional. A frase do socialista José Dirceu só tem sentido no meio petista: "Vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar a eleição".

 

O que ninguém pode apagar é que a nação foi vítima de uma quadrilha de espertalhões, convenientemente apelidada de esquerda caviar, que por mais de quinze anos assaltou os cofres públicos, sob o olhar complacente do Legislativo e da elite do Judiciário. Mesmo com tantas evidências, como as delações premiadas de Marcelo Odebrecht, Palocci, Cabral etc., mesmo com tanto dinheiro devolvido aos cofres públicos, voltaram ao poder, recebendo ajuda maciça da mídia, do STF e dos votos dos eleitores petistas, ideologicamente apaixonados, logo, cegos, como se nada tivesse acontecido. Em nome da democracia, teremos que tolerar uma esquerda brasileira, sem princípios morais. Ao olharmos pra trás, fica difícil achar que nos próximos 4 anos teremos um governo melhor. Tomara que estejamos errados, não advogamos a máxima de quanto pior melhor.

 

O filósofo inglês, conservador, Roger Scruton, gerou, recentemente, a seguinte vista, na janela da direita: Pessoas normais não são de esquerda. Os esquerdistas acham que são donos da verdade.

Entrementes, à esquerda, ao centro, ou à direita, somos todos normais, o que nos diferencia é a forma como valorizamos nossos relacionamentos, como encaramos os valores familiares e patriotas, como buscamos a vista da felicidade, na janela da vida e como exercemos a vista da nossa cidadania, na janela da política. Os judeus esperaram milhares de anos por um Messias, quando ele apareceu, não o reconheceram, porque ele não era guerreiro, divulgava o amor entre as pessoas e se chamava Jesus. A direita brasileira também esperou pelo seu Messias e, quando pensava que ele havia chegado, foi enganada. Que venha um novo líder, mas com outro nome, gato escaldado tem medo da água fria.  

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