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Crônica

Coisas de casal


Luiz Albuquerque - Gente de Opinião
Luiz Albuquerque

Um médico, ginecologista, instalou seu consultório no nosso bairro. Mulheres de longe, e até as que moravam perto e tinham alguma condição financeira, iam se consultar com o doutor. Um dia foi minha mulher, Tiana, que veio com a novidade:

- Marquei consulta com o doutor, aí no consultório novo. Vou lá na segunda-feira.

Me espantei.

- Que estória é essa? Ele está consultando de graça, agora?

- Claro que não! E num consultório desses você acha que é de graça?

- Mas eu não tenho dinheiro pra pagar. É muito caro! – argumentei.

- Se eu esperar por ti morro podre e não me cuido. Se preocupe não! Juntei um dinheirinho aqui, um troquinho acolá, e até já paguei a consulta.

- Mas mulher, com tanta coisa que a gente precisa? Por que tu não vai no posto, como sempre foi?

- Aquilo lá? A gente é tratada que nem cachorro! O doutor só olha, dá uns remédios bestas e manda embora.

- Mas você não tem nada, tá boa...

- É que você não sente o que eu sinto – a Tiana fazia cara de sofrimento – e não adianta eu reclamar, você não me escuta. Só tem olhos e ouvidos pras outras.

- Mas...

- Vai falar mais o quê? Não quer que eu vá, é? Com certeza quer mais é que eu morra pra, aí sim, se soltar todo.

- Deixa disto, mulher. Tu sabes que eu só quero é o teu bem.

- Então não reclama. Não vai te custar nada, mesmo!

 

Foi. O doutor passou uns exames de urina, sangue, fezes e um preventivo. Era muito caro fazer no particular, por isso Tiana fez tudo no posto. Devia voltar ao médico sem pagar mais nada, mas não foi. Perguntei:

- E aí? Não vai levar os exames pro médico ver?

- Tá certo, eu vou! E aí, o que é que ele vai pensar de mim, hein? Deve estar acostumado com as madames, que fazem os exames só no particular. Quando ele ver que fiz os exames tudo no posto logo vai saber que eu não tenho dinheiro nem prá comprar remédios, e então vai passar só aspirina pr’eu tomar. E aí, como é que fica a minha cara, hein? Como?

- Mas vá assim mesmo – falei – é melhor do que ter jogado dinheiro fora!
- E se joguei fora, não foi o meu? O que é que tu pode reclamar disto?
- Não tô reclamando – não gostava de discutir com Tiana pois nunca consegui ganhar uma. Mesmo assim tentei argumentar – mas dinheiro aqui em casa só entra o meu. Então, o dinheirinho juntado com o troco era sobra do meu...
- Tá vendo? – ela com cara de choro – só isso é que você sabe fazer! Jogar na minha cara qualquer coisa que eu faço em meu benefício. Uma mixaria, um nada que no dia-a-dia não paga nem tuas pingas. Mas você prefere gastar com bebidas do que com a minha saúde.
E caiu em prantos. 
Mais uma vez ela conseguia mudar tudo para dar a impressão de que a culpa era toda minha. Não tive outro jeito, fui consolá-la. Me sinto mal vendo Tiana chorar, e ela sabe disto.

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