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Crônica

Competitividade: o mundo não é plano


Competitividade: o mundo não é plano - Gente de Opinião

Assistindo à abertura e ao encerramento das Olimpíadas, ocorreu-me o título de um livro de Thomas Friedman, que li, há poucos anos − “O mundo é plano: uma breve história do século XXI” − sobre como a globalização vem achatando o mundo. Em pouco mais de 400 páginas o autor traça os planos da concorrência mundial, recorrendo a uma imagem simbólica que é uma lição e um hino à competitividade: “Em África, todas as manhãs, uma gazela acorda. Sabe que tem que correr mais depressa que o leão, ser mais veloz ou será morta. Todas as manhãs um leão acorda. Sabe que tem que correr mais depressa que a gazela mais lenta, ou morrerá de fome. Não interessa se és um leão ou uma gazela. Quando o sol se levantar será bom que corras." Simbolicamente, nestas Olimpíadas, quantas nações foram leões, quantas foram gazelas e quantas ainda terão de correr pela melhoria do seu IDH ou pela sobrevivência?

A natureza, no reino animal, é pródiga em exemplos de competitividade e os humanos, desde a antiguidade, concorriam entre si, em guerras tribais, mas foi na mitologia grega, com Hércules, filho de Zeus, e a partir da cidade de Olímpia, que as olimpíadas evoluíram, até chegarem, após anos de esquecimento, à idade contemporânea, mais precisamente à década de 1890, no formato jogos olímpicos, sob o patrocínio do Barão de Coubertin. Ele acreditava que a prática do esporte devia ser estimulada na sociedade contemporânea, sobretudo entre os jovens. Além disso, era interessante que houvesse uma organização internacional de jogos esportivos que ajudasse a promover uma paz niveladora entre as nações, já que naquele contexto de transição do século XX para o século XXI havia uma rivalidade doentia entre as potências imperialistas, que culminaram com duas grandes guerras. Mesmo com os jogos, a rivalidade doentia permanece, basta conferir o quadro de medalhas.

No espaço físico da grande Tóquio, ou de qualquer outra grande cidade que tenha patrocinado as Olimpíadas, competitivo é aquele que consegue utilizar os recursos disponíveis e entregar bons resultados. Simples assim! mas por trás de cada modalidade existe uma tradição, por trás da bandeira de cada país existe uma história, só vista com o exercício do conhecimento e da imaginação: há uma espécie de ranking entre as nações, algo fácil de perceber, pelo número de competidores, quando se junta, num estádio, os representantes de cada país, concorrendo sob a bandeira do COI. Dá pra sentir a gritante diferença entre as gazelas e os leões, desde o momento em que eles pisam no estádio da abertura dos jogos. Nem todos os ombros suportam a esperança de uma nação.

O mundo então parece plano, acessível, pequeno, irmanado, mas se ativarmos o efeito discernimento, no cérebro, perceberemos as distâncias, o efeito gravidade, a evolução dos continentes, a necessidade da substituição da velha bússola por um GPS informativo, que aponte não só a certeza do formato da Terra, mas também a influência dos colonizadores e da economia, nos resultados olímpicos, a extensão dos velhos tentáculos imperialistas, não desejados pelo barão. Citius, Altius, Fortius (o mais rápido, o mais alto, o mais forte): EUA 113 – China 88.

Os efeitos niveladores, atuando a nível global, em uma olimpíada, camuflados pela empolgação dos organizadores, são invisíveis, ou inexistentes, principalmente pela grande diferença de população dos países envolvidos e do seu posicionamento no G20. Uma pequena nação jamais conseguirá resultados iguais aos das dez primeiras colocadas no quadro de medalhas, salvo uma ou outra modalidade. Num futuro muito distante, quando forem reduzidos o número de países concorrentes e a habilidade dos humanos for substituída por máquinas, capazes de conversar com outras máquinas, algo um pouco diferente do robô que o Japão apresentou ao mundo nestas olimpíadas de 2021, que não errava uma cesta de basquete, qualquer que fosse a distância, talvez haja uma modificação. As máquinas reduzirão o mundo esportivo a um terreno plano, resta saber, com a evolução, quantas máquinas serão colocadas no mundo da competitividade esportiva. 

Apesar das distâncias econômicas e sociais entre os concorrentes, as Olimpíadas são bacanas porque nos obrigam a conhecer modalidades geralmente esquecidas, nos transformam em torcedores, técnicos e especialistas em assuntos esportivos. Ademais é a chance de se ver um significativo sorriso nos lábios dos fundistas africanos em seus raros momentos de felinos.  No fim das contas, a nosotros humanos normais resta parar na frente da TV e se divertir, ganhando ou perdendo. Esse é o grande barato do esporte, mesmo sabendo que a competitividade sadia depende de uma série de fatores de complexa relevância. Lembram do doping da Rússia, punido pelo COI??? Vai Isaías… acelera essa canoa.

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