Domingo, 30 de junho de 2024 - 12h51
“Moço, pega essa bola pra mim?”
Aquela voz sumida, infantil, quase imperceptível naquela rua por onde os carros passavam velozes, buzinando, e as pessoas, apressadas, mal olhavam por onde andavam, soou dentro de meu cérebro como se lá tivesse nascido. Mal me dei conta. Ainda assim, ouvi.
Novamente, o mesmo som sumido, quase choroso. “Moço, pega essa bolinha pra mim?”.
Desta vez tive certeza que alguém me chamava. Não sei como essa certeza de que se dirigia a mim, mas eu sabia!
Olhei em volta. Atrás das grades de um portão estava a criança olhando pra mim. Um olhar triste, profundo. No rosto, nas bochechas, tinha as marcas deixadas pelas lágrimas a pouco derramadas, aquelas marcas que ficam no rosto das crianças após o choro, mas somente nas crianças que ainda brincam descalças, no pó ou em calçadas simples que solta a poeira que adere à pele infantil. Quando choram, as lágrimas formam aqueles caminhos, pequenos córregos no rosto da criança.
“Moço, a bola!”. Olhei para onde seu dedinho indicava e nada vi que parecesse uma bola. Pensei em desistir, ir embora. Aquele povo todo passando por mim e eu ali, parado, olhando para os lados, procurando uma bola. Olhei para o menino e vi, no rosto, toda a tristeza do mundo, uma tristeza imensa e profunda. Pensei: “Que diabos! Onde está a tal bola?”. Ele, como se adivinhasse meus pensamentos, apontou novamente com o dedo e falou “Ali!”. Acompanhei a direção do dedinho e vi, na sarjeta, a bola, murcha. Fui buscá-la.
Um enorme rombo mostrava que algo passara por cima dela e a fizera estourar, possivelmente um carro.
Pequei a bola, passei pela grade e a entreguei na mão do menino. Um sorriso. Não, não era só um sorriso, era um brilho, uma luz, era como se um novo dia nascesse naquele momento, naquele rosto. Ele pegou a bolinha murcha e a colocou contra o rosto, carinhosamente, apertando-a, como que matando uma enorme saudade.
O rosto nada mais tinha de tristeza, somente o sulco das lágrimas mostrava que a tristeza por lá havia morado, mas já tinha se mudado para o rosto de outra criança, crianças essas como tantas que sabem como ninguém passar da alegria para a tristeza e desta, novamente, para a alegria.
Fiquei imaginando o tanto de tristeza que houvera naquele rosto ao ver que sua bola, seu brinquedo, havia fugido portão afora para morrer, num estouro, sob as rodas de um apressado carro, cujo dono talvez nem sequer tenha notado havê-la estourado e, com isso, estourado também o sonho e a alegria de uma criança atrás daquele portão.
Olhei, e ainda o vi brincando com a bola murcha. Quanta alegria!
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