Segunda-feira, 1 de agosto de 2022 - 11h42
A gente aprende na escola que
a língua é dinâmica, muda a todo instante e é comum receber influências de
outros idiomas. A gente até entende a globalização proporcionada pela Internet,
mas quem usa a língua mãe, para escrever, quem faz dela ferramenta de trabalho,
quem gosta do português puro, não aceita pacificamente interferências berrantes
de outros idiomas.
Qualquer
palavra estrangeira, para entrar no dicionário, necessita obedecer a um ritual,
começa quando os lexicógrafos, profissionais especializados, vão à caça de
novos termos ou significados, para palavras que já existem nos meios de
comunicação tradicionais e na internet. Isso às vezes demora anos.
Não somos obrigados a aceitar
mudanças, tranquilamente, ao arrepio da linguística, nem tomar conhecimento de
novos termos e os seus respectivos significados, criados pela internet, na rapidez
com que se processa a informação. Certos neologismos demoram para serem
assimilados pelo diálogo humano, ainda não somos máquinas.
Durante um diálogo com o chefe
de gabinete da Prefeitura de Porto Velho, passei por um momento constrangedor:
− Então, vamos estartar o
plano A?
Ouvi, mas não entendi.
− Como?
− Estartar.
− O
que é estartar? Assombrado com a resposta das oiças, fiz cara de besta!
− Estartar é um verbo, significa dar
continuidade ao processo. Iniciar o processo.
De besta, mudei pra cara de anta.
Pedi desculpas por não conhecer o tal verbo. Usei a expressão “vivendo e
aprendendo” e balancei a cabeça, como se dissesse: Sim, doutor, pode estartar o
plano A.
Pensei, pensei, mas não me
senti confortável com o tal verbo. Concluídas as conversas, me retirei do
recinto onde se encontravam, além do chefe, um advogado e duas administradoras
de instituições municipais, todos me recriminando com os olhos e aquele sorriso
amarelo: − Presidente da ARL e desconhece o verbo estartar…
No momento as palavras
inglesas estão em maior quantidade na internet. Quem pode mais, influencia
mais. Não alterei a voz, pedi desculpas pela ignorância e me retirei do
ambiente, satisfeito! Afinal meu propósito ali era outro. Estava estartando um
documento, há muito esperado pela Academia Rondoniense de Letras, Ciências e
Artes-ARL.
Eu escrevo diariamente, já
publiquei romances, contos, crônicas, poesias ecológicas e divulgo, todas as
semanas, crônicas e artigos no site Gente de Opinião. Sou daqueles autores
chatos com a escolha das palavras, pesquiso à exaustão, mas estartar era demais
pra mim. Se é um verbo da 1ª conjugação, visto que termina em “ar” deve ser
conjugado como o verbo amar, aí saí pela rua, dirigindo e conjugando o verbo
estartar, no Indicativo presente: eu estarto, tu estartas, ele estarta, nós
estartamos, vós estartais, eles estartam. Meu caro Aurélio, esse verbo ainda não
existe. Isto é um estupro de linguagem, uma aberração linguística. Insatisfeito
com o sapo que engoli, fui pra casa, curtir a minha estartação. Ainda
inconformado, perguntei a minha filha:
− Filha,
você conhece o verbo estartar?
−
Claro pai, é um neologismo do internetês, derivado da palavra inglesa start e
quer dizer iniciar, começar, dar continuidade.
− Não
conhecia estartar, conheço a palavra inglesa start.
− Não
é do seu tempo, pai, o senhor já passou dos setenta.
O silêncio tomou conta de mim,
fui tomado por um processo de estartização: a que ponto chegamos?! Imagino que a cada vez que esta palavra ou este
verbo é conjugado, Camões vira na tumba, Olavo Bilac chora e Castro Alves grita:
Brasil, fecha a porta de teu vernáculo, chega de palavras saxônicas, maculando a
Última Flor do Lácio.
Aqui
pra nós, no escurinho do conhecimento, não seria mais importante valorizar o
nosso idioma? Iniciar, começar, dar continuidade, são termos derivados do latim,
históricos, expressivos, mais amáveis ao ouvido do que o tal estartar. Por essa
e por outras é que Ariano Suassuna costumava dizer que o mundo de hoje está
dividido entre os que já foram a Disney e os que nunca foram.
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