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Crônica

Feliz Aniversário


Luiz Albuquerque - Gente de Opinião
Luiz Albuquerque

O dia amanhecia e ele mal pregara o olho. Olhou para, a esposa, que dormia profundamente, e notou suaves rugas em seu belo rosto. Foi ao banheiro e se olhou no espelho. Era incrível! Via um rosto aparentando quarenta anos, embora já estivesse com sessenta e dois.

Seu rejuvenescimento acontecia aos poucos. Antes nem notava que estava rejuvenescendo, mas agora estava claro que rejuvenescia tanto na aparência quanto na resistência física. Sentia-se com a força e a disposição de antes, a energia, perdida com o passar da idade, estava voltando. Era o sonho de qualquer pessoa.

Pessoas do seu círculo de amizade já comentavam sobre essa estranha mudança, certos que ele fazia algum tratamento ou cirurgias para rejuvenescer. Embora tentasse, ele não conseguia convencer os outros de que não fazia nada daquilo e que sua aparência, assim como a forma física, simplesmente melhoravam com o passar dos meses e dos anos sem nenhum motivo especial.

Ainda se olhava ao espelho quando a esposa, escorada à porta do banheiro, perguntou:

- E então? Fazendo sua sessão Narcisista?

- Que nada! – respondeu – Estou reparando em algumas rugas...

A esposa completou:

...  que estão é sumindo!

Assim acontecia. Já não dava para esconder. Sentia-se incomodado, ainda que gostasse do que acontecia. Médicos lhe fizeram variados testes e exames, mas nada foi achado de anormal. Era, simplesmente, uma pessoa de sessenta anos com excelente saúde e de aparência bem mais jovem. Na empresa, seu filho primogênito de 37 anos, que já parecia seu irmão, passou até a ser cumprimentado antes do pai por alguns visitantes ou clientes desavisados, como se fosse o patriarca da família e presidente da empresa, o que causava situações embaraçosas.

Ele sempre procurara ser um marido fiel. Mas, nos últimos tempos, começara a ter relacionamentos fora do casamento, pois sua disposição havia se reestabelecido, enquanto a esposa mantinha o desejo bem menos aceso, o que não era estranho para alguém com mais de seis décadas de vida.

Alguns anos depois ele comparou sua aparência com uma foto de quando tinha 30 anos. Incrível! Estava do mesmo jeito. Seu filho, já beirando os 50 anos, mais parecia ser seu pai. Seu neto mais velho, que antes se divertia por ter um avô tão novo, já evitava sua companhia pelo constrangimento que sentia quando estavam juntos em público.

A morte do filho mais velho, de parada cardíaca, foi um violento choque. Durante muitos meses se culpou, achando que era ele quem deveria ter morrido. Sofreu muito, até que um psiquiatra o convenceu que não lhe cabia culpa, convencendo-o que o fato de estar rejuvenescendo em nada havia contribuído para a morte do filho. Tudo voltara ao normal. Se é que se pode chamar de normal um homem com 75 anos aparentar vinte e pouco, mais parecendo um irmão do próprio neto.

Foi por esta época que outro forte golpe lhe abateu: sua esposa faleceu. Só então ele se deu conta de que, nos últimos anos, mesmo rejuvenescendo, tinha na esposa um ponto de apoio, uma referência que fazia com que as antigas amizades ainda se mantivessem, independentemente de sua aparência jovial. A morte da esposa o afastou dos amigos de anos, já que estava muito diferente deles, tanto fisicamente como mentalmente. Não havia como manter aqueles relacionamentos. Se por um lado sua disposição física e mental o afastava dos amigos e de suas fragilidades, por outro lado não conseguia estabelecer amizades firmes com pessoas de menos idade que a sua, pois suas experiências e conhecimentos estavam bem além destes. A coisa ficou confusa.

O processo de recuperação de sua aparência e forma física começara por volta dos 50 anos. Assim sendo, por volta dos 80 podia até prever quando iria morrer. Tal pensamento criou nele uma fixação, um tema único. Entrou em crise, desesperou-se, buscou auxílio profissional. Durante anos passou pelas mãos de qualquer um que imaginava poder lhe ajudar. Médicos de diversas especialidades; religiosos; espíritas; macumbeiros; profissionais das mais variadas áreas. Os médicos, confusos, quiseram extrair parte de seus órgãos para exames, no que ele não concordou. Seus netos já eram os administradores das empresas. Bisnetos não o conheciam, pois o que lhe acontecia nem era relatado às crianças.

Em pouco tempo parecia um adolescente de 14 anos. Os acontecimentos o perturbavam. Os filhos e netos o mantinham sob cuidados de cuidadores profissionais, vivia isolado. E assim os anos passaram. Até o dia em que o único de seus filhos ainda vivo, sentado ao lado de seu berço, desejava-lhe “feliz aniversário”. Morreu! Ou melhor, deixou de viver, de respirar. Tinha 47 centímetros, pesava três quilos e oitocentos gramas. Exatamente no dia em que completava 100 anos. Aliás, na mesma hora, minuto e segundo.

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