Segunda-feira, 24 de julho de 2023 - 17h15
Embora as eleições municipais ainda estejam distantes, grupos
partidários já começam a se articular em volta de um (a) possível candidato
(a), as ciganas se alvoroçam no manuseio do baralho e já arriscam previsões:
desta vez, segundo dona Zoroastra, Porto Velho será governada por uma mulher.
Será? Robson Oliveira, Guru das Evidências, depois de retirar a toalha xadrez
que envolve o seu globo espírita e ajustar as lentes de sua luneta astral,
arregalou os olhos da razão, ligou o notebook e, diante de tantos
pré-candidatos, escreveu: Ideologia! Pra completar eu recebi um
comentário inusitado de um desconhecido leitor de Portugal, elogiando minha
crônica Ideologia Carnavalesca, escrita há quase dois anos. Resolvi bisar o texto, ao menos para expulsar
de meu cérebro os neurônios com complexo de Alzheimer, me desculpando com o
confrade Robson pela brincadeira.
Quando a gente cursava o primeiro ano da faculdade, a palavra ideologia
era apresentada ao calouro, com todos os possíveis adereços semânticos,
deixando a gente com ânsia de conhecimento, com aquela vontade de saber o
verdadeiro significado daquela palavra/instrumento de dominação que age por
meio de convencimento, persuasão, e não pela força física, alienando a
consciência humana. Naquela época quase todos os jovens eram sonhadores
marxistas/comunistas e acreditavam que a ideologia da classe dominante tinha
como objetivo maior manter os mais ricos no controle da sociedade.
O tempo foi passando e a palavrinha foi ampliando seu significado,
deixando os universitários convictos do saber e vaidosos com o conhecimento:
ideologia fascista, comunista, democrática, capitalista, conservadora,
anarquista, nacionalista e, mais recentemente, contrariando tudo que se sabia
sobre o conjunto de ideias e princípios que davam origem a uma ideologia,
apareceu a ideologia de gênero, mas não é esta a razão de nossa reflexão. No
momento basta que saibamos que existem ideologias políticas, religiosas,
econômicas e jurídicas e que uma ideologia se distingue de uma ciência, porque
não tem como fundamento uma metodologia exata, capaz de comprovar as ideias.
Cinquenta anos depois, a ideologia comunista, disseminada na Rússia e em
um punhado de outros países, visando a implantação de um sistema de igualdade
social, perdeu força, transformando a Rússia num país capitalista, mas um
capitalismo diferenciado, onde a eleição, dita democrática, é manipulada pela
força, para que o chefe da nação permaneça no poder por um longo tempo. Na
prática, a ideologia russa putiana mascara a realidade, adotando um caráter
expansionista e autoritário.
A vontade de Putin em ampliar seu poder na Europa e no resto do mundo é
tão grande, que ele se jogou numa aventura louca, declarando guerra a um
vizinho, simplesmente porque o tal vizinho, a Ucrânia, é mais simpático à
ideologia europeia, onde se prega a liberdade de expressão, o estado laico, o
livre comércio, enfim uma superestrutura composta por diversas representações
que compõem a consciência. A ideologia de Putin, amparada no egocentrismo, nem
na China encontrou eco, demonstrando ao resto do mundo que qualquer atitude que
Putin venha a tomar, é a atitude de um perdedor, porquanto, no dizer do poeta John Donne, nenhum
homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do
continente, uma parte de um todo.
De todas as ideologias, a que mais intriga é a ideologia política. No
Brasil pode-se dizer que ideologia política e carnavalesca são a mesma coisa.
Agora mesmo, enquanto o resto do mundo tenta salvar o povo da Ucrânia, o
presidente brasileiro defende a neutralidade carnavalesca. Nem a Suíça
conseguiu permanecer neutra.
Em Rondônia, quem poderia imaginar que o coronel Marcos Rocha, do
PSL/UNIÃO, e o prefeito Hildon Chaves, do PSDB, vestiriam a mesma fantasia,
dançariam no mesmo bloco partidário, na campanha para governador do estado, e
que distribuiriam serpentinas e confetes à população estupefata, como se fossem
termos de uma ideologia carnavalesca, pela permanência no poder. Parece que eu ouvi
o prefeito cantando Cazuza, a plenos pulmões: “Meu partido é um coração
partido...Os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu nem
acredito. Ideologia, eu quero uma pra viver, meus inimigos estão no poder,
aquele garoto que ia mudar o mundo, agora assiste a tudo em cima do muro”.
Resta ao povo esquecer as mortes violentas da guerra
do outro lado do mundo, dar os braços à pandemia e sair dançando pelas ruas de
Porto Velho, no bloco dos sujos, ignorando a sujeira que rola na ideologia
política. Ideologia, eu quero uma pra viver.
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