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Crônica

Janela interior


William Haverly Martins - Gente de Opinião
William Haverly Martins

Fernando Pessoa dizia que não escrevia em português, escrevia ele mesmo (Eu não escrevo em Português. Escrevo eu mesmo), também penso assim, o que não significa, que estou me comparando ao grande poeta. Saramago achava que somos todos escritores, só que alguns escrevem outros não.

Enquanto escritor eu sou a janela de mim mesmo, oferecendo vistas aos meus leitores. Tenho-as para todos os gostos: ora sou alegre, ora chuto o balde e protesto; produzo crônicas nos seus mais variados segmentos; meus contos são instigantes e possuem finais inesperados, mas os romances me realizam, são mais completos, sinto-me heterônomo, posso participar da vida das personagens, não como se fossem fantoches, nem extensões de mim mesmo, mas personagens de um mundo independente, criado ora na raiz, ora no apogeu da arte literária.

 Ah os poetas, como é legal lê-los, Pablo Neruda, do alto da sua genialidade, chegou a resumir a arte de escrever dizendo: Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca ideias. Parece fácil, mas outro escritor, Henry Miller, disse que nenhum escritor é bom a não ser que tenha sofrido. Será?

Lembro que, no auge das grandes composições brasileiras, dizia-se que o autor de uma boa letra precisava do sofrimento, para se exprimir com a alma, contribuindo com o sucesso do(a) intérprete. Maysa Matarazzo, a rainha da fossa, comentou diversas vezes que ela só conseguia escrever bem, se estivesse na fossa.

Por muito tempo o sofrimento foi considerado a marca registrada dos grandes poetas, não foi à toa que Castro Alves, Fagundes Varela, Casemiro de Abreu, Alvares de Azevedo e tantos outros, embora românticos, foram também exaltados por serem vulgarmente melodramáticos na desgraça, quase todos influenciados pela prosa “miserável” de Victor Hugo.

Eu penso um pouco diferente, concordo com Fernando Pessoa quando diz que o poeta é um fingidor. Por outro lado, destaco o prazer do autor, diante da sua obra, como se fosse um artista plástico diante da tela, para o escritor as tintas são as palavras.

Neste campo minado das autodescrições literárias, endosso humildemente as palavras do genial cronista Rubem Alves, reconhecendo que muita gente gosta mais dos meus escritos do que de mim mesmo:  Escrever e ler são formas de fazer amor. O escritor não escreve com intensões didático – pedagógicas. Ele escreve para produzir prazer. Para fazer amor. Escrever e ler são formas de fazer amor. É por isso que os amores pobres em literatura ou são de vida curta ou são de vida longa e tediosa” 

         Escrever é desejar ao leitor que abra meus livros, a cada dia, a cada hora, a cada momento, como se estivesse abrindo a janela de seu quarto, perscrutando vistas agradáveis e criativas.

Todavia ao abrir a janela da poesia, ficcionista que sou, nas raras vezes que me aventurei, na difícil arte de poemar, o fiz pelo prazer de uma boa vista, repetindo à exaustão as palavras de Edgar Allan Poe: E nenhum poema será tão grande, tão nobre, tão verdadeiramente digno do nome de poesia quanto aquele que foi escrito tão só e apenas pelo prazer de escrever um poema. 

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