Sábado, 5 de março de 2022 - 09h57
O vocábulo janela
talvez seja o que mais aceita sentido figurado, em todas as línguas. São tantos
os sentidos, os adjetivos possíveis de serem incorporados ao substantivo, que
poderíamos radicalizar e dizer: “existe janela pra tudo”. Em se tratando de
sentidos, a vista independe da visão, cala profundamente ao intelecto. Todavia
o fenômeno “olho no olho” produz vistas que vão diretas ao coração, como se
estivéssemos trocando pensamentos, palavras mudas, carregadas de emoção. Porém,
se estamos diante do espelho, nos surpreenderemos com o desabrochar da vaidade,
de um emergente narcisismo ou do desnudamento da alma. Vistas nunca vêm
prontas, são lapidadas conforme a instrução de cada um.
O
significado literal da palavra janela escapou ao dicionário, ganhou asas,
ingressando com força no mundo das palavras figuradas, simbólicas, alegóricas, metafóricas, imaginárias e enigmáticas.
Nos computadores e celulares, os inventos mais festejados
dos séculos 20/21, as pequenas aberturas que servem de guia aos usuários,
receberam a denominação genérica de janelas. Não existe aplicativo sem a
sua respectiva janela, viralizou!!!
Para estudiosos da psique humana, poetas e escritores, os
olhos são as janelas da alma, entrementes as vistas produzidas por essas
janelas repercutem as faculdades mentais da humanidade, conforme a região, o
passado e as oportunidades de cada um.
As janelas e suas respectivas vistas podem ser educativas,
divertidas, intrigantes, instigantes, indiscretas, “dedo duro”, comoventes,
provocantes, emoldurantes, amigas, confidentes, enfim, a janela se presta à
criação de centenas de frases em sentido figurado, à disposição de quem usa a
imaginação e a inteligência, nos mais variados segmentos da vida,
especialmente, da vida literária.
Não escrevo pela janela, mas pelo que ela descortina. A
vista é proporcional ao conhecimento! Sem o preparo da educação, da leitura,
não alcançamos a sua integralidade. Bem instruídos, somos a janela que espia o
mundo, em sua universalidade, assimilando lições que modificam as vistas.
Em nenhum lugar do mundo as janelas da educação oferecem
vistas sapientes sem dor, sem suor, sem dedicação. Ninguém se torna sábio lendo
apenas um livro, ninguém se torna sábio sem que o raciocínio exerça seu efeito
maturação, no espírito humano. No campo das vistas doutrinárias, que levam à
gratificação existencial, não existe sociedade imediatista, tudo tem seu tempo
de siso, de equilíbrio, de perspicácia.
É lamentável, mas moramos num país onde pouco se lê, até
temos jovens escritores que semeiam janelas e vistas bem construídas, aos
quatro cantos da nação, mas o terreno é infértil, seco, pior do que a aridez da
caatinga, lá ao menos ainda brotam reedições de João Cabral, José Lins do Rêgo,
Ariano Suassuna, Graciliano Ramos, Jorge Amado e tantos outros, feito frutos
vermelhos e suculentos dos resilientes mandacarus.
No
Brasil, best-seller é o escritor que consegue comercializar 1.000 exemplares.
Não há adubagem governamental, a regra geral é um secundarista, às portas da
universidade, que nunca leu um romance, que nunca usou o seu tempo, para
meditar sobre textos poéticos, que espera e espera por uma ajuda invisível.
Muitos nem chegam a universidade e se prestam a engrossar a massa das igrejas,
buscando no post-mortem o sentido da vida.
Quando alcança o 3º grau, sem o preparo da leitura, esta
jovem massa perde o status de formadora de opinião e adquire nova semântica: massa
de manobra!
Com
dificuldade para gerenciar o mapa dos labirintos existenciais e sem preparo
intelectual para enxergar as vistas, não ultrapassará os limites geométricos do
caixilho da janela da ilusão.
·
Texto extraído do livro “De que me vale a
janela sem a vista” de William Haverly Martins – Editora Temática Porto Velho
RO - 2019
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