Terça-feira, 4 de junho de 2024 - 14h45
O sol forte indicava que a manhã já estava bem avançada.
Ele virou-se para o lado contrário da luminosidade do sol que a cortina branca
da janelinha não conseguia vedar. Tentou voltar a dormir, porém, sem sucesso.
Depois de algum tempo resolveu se levantar.
Foi ao banheiro, escovou os dentes, lavou o rosto e saiu do
quarto. Foi até a cozinha e tomou só um cafezinho. Não cumprimentou a esposa,
que, àquela hora, já cuidava do almoço. Ouviu barulho num dos quartos das
crianças: “devem estar brincando, ou assistindo TV” – pensou.
Voltou ao quarto, tomou um banho, vestiu bermudas e
camiseta e saiu. Raciocinava sobre sua vida, seu casamento bastante desgastado.
O relacionamento com a esposa ia de mal a pior. Não se sentia culpado; afinal,
vivia só para trabalhar e assim poder suprir qualquer necessidade da família.
Mas, ultimamente, as coisas estavam difíceis. Não aguentava mais. Até evitava
vir direto do trabalho para casa, preferindo ficar nos bares com os amigos do
que chegar cedo e ouvir a mulher, sempre insatisfeita, reclamar por qualquer
motivo. Sem vontade nem assunto, quando conversavam sempre acabava em briga.
Saiu de casa e se dirigiu ao bar da esquina. Lá tomaria
umas cervejas e depois voltaria para casa para almoçar e tornar a dormir.
“Melhor assim” – pensou.
Parou na calçada. Atravessando uma rua, mesmo as mais
calmas como as do condomínio onde morava, sempre tinha o cuidado de verificar
se vinha algum carro, moto ou mesmo bicicleta. Por isso olhou para um lado e
nada, ninguém na rua. Ao olhar para o outro lado mal conseguiu manter os olhos
abertos quando o sol, muito forte, cegou-o como se fosse um flash que não se
apagava.
Fechou imediatamente os olhos. Colocou a mão direita
espalmada sobre os olhos e tornou a olhar. Ainda assim, mal via a rua. Firmou
mais a vista e viu que não havia nenhum veículo. Começou a atravessar.
No meio da travessia sentiu que algo o envolvia ou passava
por ele. Não soube definir. Podia ser um vento ou algo que desconhecia, só
sentiu que “aquilo” encostara nele. Era como uma sensação. Só!
Terminou a travessia da rua sentindo como se o sol agora
estivesse em todos os lados do seu corpo formando um enorme círculo a seu
redor.
Na calçada, virou-se para a esquerda e começou a caminhar
em direção ao bar.
Logo olhou e viu, no outro lado da rua, a sua casa. Andou
mais um pouco, olhou novamente e então constatou, surpreso, que ele continuava
no mesmo lugar em relação à sua casa. Só aí se deu conta que algo estranho
acontecia. Olhando para a frente verificou que tudo estava nebuloso, enquanto
que ao olhar para trás nada conseguia ver por causa da luz forte do sol. Era
como se as únicas coisas que existissem fossem: ele, sua casa, a névoa e o sol.
Teve medo, ou quase isso, não tinha certeza. Seu corpo se
arrepiou.
Resolveu voltar para casa. Começou a caminhar, mas não saia
do lugar mesmo sentindo que dava os passos.
Neste momento viu que a porta frontal de sua casa se abria
e, por ela, ele passava levando duas malas em direção ao carro. Como era
possível? Se ele estava ali, no outro lado da rua, como podia se ver saindo da
própria casa? Mas não teve dúvidas, era ele mesmo! Então ele viu o seu “eu” –
ou aquele outro “eu” – sair de casa.
Pelo semblante e pelo andar, sabia que estava com raiva.
Estava com muita raiva. Viu que gritava e gesticulava como se estivesse numa
discussão. Viu que entrava no carro enquanto, da casa, pela porta da sala,
saíam seus dois filhos, chorando e o chamando, apelando para que não fosse
embora. Viu que mesmo diante dos apelos das crianças, não lhes dava atenção.
Viu que ligava o carro e o motor roncava forte. Se viu saindo em arrancada da
garagem, em curva aberta para a direita, sem atentar para uma carreta que
vinha, à média velocidade, em sentido contrário.
O choque foi inevitável. O automóvel perdeu toda a metade
frontal e encolheu como uma sanfona se fechando. Pedaços voaram para todos os
lados.
Ele, sem conseguir sair do lugar, via os filhos correrem,
aos gritos, em direção ao carro. Viu a esposa sair de casa, desesperada. Ele
tentou correr, se esforçou, mas continuou no mesmo lugar vendo as coisas
acontecerem. Desesperou-se. Sentiu a vista ficar turva e tudo em sua volta
girou. Caiu, desacordado.
Acordou em sua cama. Levantou-se atordoado, tonto,
assustado. Foi, rapidamente, até a cozinha e viu sua esposa preparando o almoço
de domingo. Aproximou-se, abraçou-a e deu-lhe um leve beijo. Nos olhos,
lágrimas teimaram em vir. Então sussurrou no ouvido dela. “Desculpe!”, ainda
que achasse que ela não entenderia.
As crianças faziam barulho num dos quartos. Deviam estar
brincando. Ou vendo TV.
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