Quinta-feira, 18 de março de 2021 - 10h28
Contava meu
pai, que certa ocasião, estando no escritório, recebeu a visita de amigo e sua
filha.
Ao deparar
sobre mesinha, de pé de galo, livro de versos de Camões, abriu-o, e começou a
declamar com ênfase, fazendo profunda pausa no fim de cada verso.
Nisto entra a
filha eufórica, e ao ouvir certa expressão, que lhe pareceu ridícula, Desatou a
gargalhar.
Furioso, o
pai, por ser interrompido, berra-lhe:
- “De que te
ris, estúpida. Isto é Camões!”
Perante a
revelação, o riso desapareceu, e numa atitude de respeito profundo, exprimiu um
“Ah!” reverente e convicto.
Como o nosso
velho Raposão, perante o douto Topsius, não compreendeu, mas venerou.
E concluía meu
pai: que se admira, não o autor, mas o mito.
A grande
Amália Rodrigues, dizia, muitas vezes, ao ler os versos que o empresário lhe
entregava: - “Ficava encantada com a letra, e pedia-lhe, o favor, de
apresentar-me o poeta.”
Uma vez,
frente a frente, Amália tinha grande desilusão. Era feio, tímido, sem dotes
físicos, que o favorecesse e ainda insípido conversador. O poeta, para ela, de
excepcional, passava a homem vulgar.
O mesmo
aconteceu à menina Clarissa, de Erico Veríssimo, ao conhecer o seu poeta
preferido, Antilóquio Madrigal…
É por esse
“fenómeno” que muitos intelectuais se resguardam no interior dos seus escritórios
e raras vezes surgem em publico.
Recomendava S.
Tomás o pouco convívio, pois a familiaridade demasiada gera o desprezo. Por
vezes nem é preciso familiaridade: basta ver o ídolo…
Mal vai o
professor, quando não é um mito para seus alunos; o escritor, para seus
leitores; o artista, para seus admiradores. Admira-se o mito. Certa vez gabava
a José Régio a celebridade, a fama que alcançara, ao que este respondeu, que
para quem com ele trabalhava, era apenas “o senhor doutor.”
Certos
médicos, certos escritores, certos artistas plásticos, são apreciados porque ao
redor deles criou-se áurea de glória, muitas vezes mantida pela publicidade e
correligionários.
Certas obras
admiradas, de artistas plásticos, não merecem um chavo; mas são vendidas por
milhões, devido à assinatura, ao mito, que se criou.
Muitos
adquirem livros, não porque sejam valiosos, sob aspecto literário ou conteúdo,
mas apenas porque a critica o acarinhou (quantas vezes paga pelo editor,)
assegurando que é bom; que vale a pena ser lido. Entretanto, há monos,
esquecidos nas prateleiras do livreiro, que ninguém lê, e são preciosos: no
estilo e nos pareceres revelados.
A velha
história do rei vai nu, repete-se todos os dias… até na politica…
odavia a sociedade necessita dessa dose de mitologia, para o vulgo
acreditar, e não veja o que vê, mas o que querem que veja.
Sem o mito,
muitos desabavam…porque têm pés e barro…Vive-se de ilusões…De palavras ocas…
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