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Crônica

Mundo paralelo


Mundo paralelo - Gente de Opinião

Das vistas que me atormentam a existência, as da janela da alteridade (ou será da empatia?) são as mais difíceis de serem assimiladas, compreendidas como sendo de fundamental importância, no respeito ao outro, nos relacionamentos. Como é difícil encontrar dentro da gente um ser humano sinceramente psicossocial. A simples empatia, a troca de favores, o altruísmo, o sentir a dor do outro é razoavelmente possível, mas nem sempre buscado. Deixar a caverna custou milênios da evolução, embora em algumas atitudes da vida, parece que a caverna nunca nos deixou. Como entender as milhares de crianças assassinadas na Ucrânia, na Palestina, na Somália, Sudão …? Que diabo de civilização é esta que não evolui, parou no tempo?

Entrementes, se em cada cabeça há uma sentença, assimilar e aceitar as vistas da janela do outro, não é tão fácil assim. Não se trata de diferença de cor, de gênero, de comportamento fora dos padrões éticos, mas de penetrar o pensamento alheio, como se estivesse na pele do outro, porque só assim você perceberia a existência de situações esdrúxulas, como a dos morenos ou pardos, que se comportam como brancos e têm preconceito de cor. A ABL, do moreno Machado de Assis, recusou por duas vezes o ingresso de Lima Barreto, nos quadros da Academia, simplesmente por preconceito de cor, porque ninguém ousaria, àquela época, duvidar da capacidade do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma.

Como entender alguém que se acha melhor porque “tem mais”, ainda que este “ter” tenha um passado comprometido com a ética;

Ou o outro que se acha mais sábio, mais inteligente, ainda que a vida tenha nos ensinado que “o homem que diz sei, não sabe; que diz sou, não é”, etc. etc.

E se você for o reitor de uma universidade, líder de um partido político, presidente da Câmara de Vereadores, da Assembleia Legislativa, da Câmara dos Deputados, do Senado, ou simplesmente presidente de uma academia de letras, formada por juízes, desembargadores, médicos, advogados, professores, cientistas, artistas plásticos, egos inflados, que precisam ser administrados levando-se em conta o princípio da empatia ou da alteridade? Não, não é fácil, meu caro Diego Vasconcelos!!!

Às vezes me ponho a abrir a janela do outro ou a trocar a janela dele pela minha, as vistas são de difícil assimilação, porque envolvem muito mais do que a simples diferença de cor, de gênero, de grau de instrução, de cargo, de status e vão às profundezas da alma, onde se escondem os primeiros comprometimentos genéticos, que determinam de que parte do mundo você veio, quais conceitos você assimilou ao longo do tempo, o que entrou mais no cantinho da memória do seu cérebro e permanece até hoje, tanto do lado materno quanto do paterno.

Gustave Young nos ensinou que no cérebro humano está a soma de todas as civilizações, entretanto, um ser do norte da Europa foi influenciado pelo meio e se comporta de forma diferente dos demais europeus, gerando outra civilização, o mesmo ocorre com judeus e árabes, árabes e persas, árabes e europeus, incas e astecas. etc. etc.  Atualmente, estudiosos como Yuval Noah Harari acrescentam mais um diferencial: não apenas os Sapiens sobreviveram ao tempo, deixando marcas nas civilizações, mas também os Neandertais, gerando características físicas e mentais diferenciadas, ao longo dos continentes, apontando os grandes fantasmas que perseguem o homem desde a origem.

Com isto não quero dizer que não seja possível a interação humana, quando você se relaciona com outras pessoas ou grupos, difícil é reconhecer e aprender com a diferença, fazendo-se respeitar ao mesmo tempo em que respeita o indivíduo, uma verdadeira via de mão dupla, onde ocorrem invasão de pista alheia, derrapagem, contramão, atropelamento e mortes.

Às vezes eu gosto de me imaginar em um universo paralelo, onde a alteridade fosse a norma que levaria o ser humano ao amor pleno, ao profundo significado do perdão, o fim de todas a desavenças pessoais. Logo vejo o comboio da vida, puxado pela locomotiva da razão, passando por cima das variantes da fabulação: pobre menino septuagenário, de perfil comprometido pelos sonhos da ficção. 

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