Terça-feira, 3 de agosto de 2021 - 13h20
Em minha volta a Porto Velho,
retomando o prazer da escrita, tive a sensação de estar escrevendo no escuro,
principalmente depois de dez dias de férias, em busca de limpeza mental, longe dos
aparelhos eletrônicos e das querelas políticas, oriundas da CPI do Senado. Por
breves dias pude trocar as intrigas do dia a dia, pela alegria do reencontro
familiar, pela visão do marzão da minha adolescência, na minha querida
Salvador. Encontrei a Academia de Letras da Bahia fechada pelo temor da
Pandemia, segundo soube pelo seu presidente, todas as academias de letras
nordestinas e até mesmo a Academia Brasileira de Letras estão fechadas por
ordem do Coronavírus. Hoje, no chá dos acadêmicos, nas reuniões necessárias, virtual
e real se confundem, logo seremos meros hologramas. Eu que esperava alento,
encontrei escuridão.
É como se a gente estivesse aprendendo a
escrever, tateando o desconhecido, em busca de ideias e fatos atuais, que possam
nortear as palavras em espera, no cérebro, ansiosas pela expectativa de se
mostrarem em nova temporada, como um clarão, ainda que vivamos numa época de
pouca leitura. A preguiça pela leitura está se tornando crônica, só se fala em
podcasts, áudios, vídeos e filmes/séries curtos dublados. Filmes com legendas é
coisa do passado. Se é concisão o que querem, leiam ao menos o conto mais curto
do mundo, com apenas seis palavras, de autoria de Ernest Hemingway: For sale: Baby Shoes, never worn. Em português: Vende-se: Sapatos de bebê, nunca usados.
Encontrei-me com Jorge Amado e
Zélia, imortalizados em bronze e silenciados por máscaras, sentadinhos num
banco, em uma praça do Rio Vermelho, a mesma praça que abriga as festas de
Iemanjá, no dois de fevereiro, tão presente em vários romances de sua autoria.
Os olhos fixos no mar, Jorge deveria está pensando em Mar Morto (romance/poema,
publicado no distante 1936), quando recebeu a distinção de estátua: com
grande lirismo ele narra o cotidiano de trabalho árduo, marcado pelo risco de
perder a vida, no mar. Em Mar Morto, homens e mulheres do cais da Bahia vivem
cada dia como se fosse o último. Paixão e trabalho se misturam à aventura, na
imensidão do oceano; amor, instinto e sobrevivência se conjugam de maneira
trágica, à medida que os personagens vão se apresentando ao leitor.
Os jovens que não apreciam a
leitura de um bom romance, não sabem o que estão perdendo. Jorge Amado escreveu
milhares de páginas, para deleite meu e de inúmeros jovens leitores, hoje,
sexagenários/septuagenários, espalhados pelo mundo. Exercer a arte da leitura,
compreendendo a magia da palavra e os meandros da história ficcional, é como
apreciar, demoradamente, a obra de um grande pintor, absorvendo cada pincelada,
cada escolha de cor, de forma, desvendando segredos, o enredo por trás das
tintas. A fabulação é como a luz de uma vela acesa na escuridão da ignorância.
Nem tudo está perdido,
encontrei, com enorme prazer, em Salvador, Alessandra, filha de minha
sobrinha Maiara, que com quinze anos de idade, é viciada em leitura. Talvez a
Biblioteca de Alexandria, erguida em homenagem a Alexandre Magno, grande divulgador
da cultura helênica, ao influenciar na escolha de seu nome, tenha adentrado em
seu cérebro, pelas veias históricas da admiração. Com certeza Alessandra
vive seu momento de patinho feio.
Reencontrei-me com a estátua
de Zumbi dos Palmares, na Praça da Sé, e ergui os olhos para alcançar Castro
Alves, pairando entre as nuvens, colocado no topo de um enorme pedestal,
instalado na praça que leva o seu nome e de onde se pode avistar o belo marzão
sofrido da velha Bahia: foi como se visse, sem enxergar, os navios negreiros
adentrando à Baía de Todos os Santos (o sofrimento dos porões apinhados de dor
e saudade transformou o romantismo em realismo, na consciência poética de
Castro Alves), abarrotados de farofa de dendê, galinha d’angola e pipoca, para
a festa da estupidez humana, sob a complacência dos mitos daqui e dos orixás
d’alhures, axé pelo bem do Brasil.
“Mas
é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!”
Aos poucos, assim que decidi
escrever esta nova crônica/artigo, as palavras e os fatos foram aparecendo, com
a argúcia de seus significados, aí me senti na pele de meu xará, o Faulkner: “O que a literatura faz é o mesmo que acender um fósforo no campo no meio
da noite. Um fósforo não ilumina quase nada, mas nos permite ver quanta
escuridão existe ao redor”. (WF)
Retomo este prazeroso trabalho semanal, na
esperança de que a escrita retome seu lugar de sedutora da imaginação e que
meus amigos leitores, feito estrelas, clareiem meus textos, nesses tempos de pandemia,
lembrando que só a luz pode dissipar a escuridão. Enquanto houver vida, serei
a humilde chama de um tição, torcendo para que a escuridão da inveja, do
egoísmo, da vaidade e da intriga política se reconheça vã e venha colaborar,
com outros tições, para que tenhamos a fogueira cultural que o Estado de
Rondônia merece.
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