Domingo, 31 de outubro de 2021 - 12h02
Foi-se
embora para eternidade, nesta madrugada (30/10), por volta das 4h da manhã, o
jornalista, folclorista e compositor Sílvio Santos, vitimado pela Covid-19.
Depois de
lutar pela vida durante duas semanas, Zé Katraca sumiu como por encanto de alma
penada, como se a morte fosse um sequestro inevitável! Todavia, o balanço da
vida é puxa-encolhe. Quem se distancia também bate continência para a saudade
que cresce e floresce, e a saudade é sem-vergonha: finge que esquece, mas fica
de olho grudado no rastro da pessoa sorrateiramente fugitiva e desertora! Tem
jeito não! A amizade é cega, onde bate aprega! Sílvio vai sempre merecer o
carinho, a admiração e o respeito de todos pelo conjunto da obra que construiu
durante os muitos anos de profícua militância cultural em várias frentes!
O Cara
de Paca era um sujeito esperto desde muito novo! Ele não era porto-velhense!
Era um boto tucuxi do grande Madeira abaixo, menino nascido e criado sem cueca
no distrito de São Carlos! Cansado da pachorra perene na qual ficava mirando o
rio Madeira correr manso e em arcadismo sem graça frente ao seu mundo
provinciano, ele pegou uma barcaça beradeira e se mandou para os altos do
caudaloso rio, fincando âncora cabralina nas barrancas do porto, velho porto,
que mais tarde virou Porto Velho, sua terra amada!
Talvez
tomando uma dose de cachaça Cocal ali pelo beira-rio, foi a partir dessa
angular existencial que ele começou a perceber todo rico processo de
transformações econômica e social, que, em vez canoas, fez surgir chatas,
navios cargueiros de alto calado, enquanto o trem apitava levando carga no
plano inclinado. Mameluco intuitivo e irrequieto, logo percebeu que, para se dá
bem na vida da capital do Território Federal de Rondônia, era preciso inventar
coisa que não existe. E assim partiu para suas primeiras investidas,
trabalhando como engraxate e depois foi pau pra toda obra no jornal Alto
Madeira, onde começou a aprender as manhas do jornalismo, convivendo na aba de
Euro Tourinho, João Tavares, Velho Boy e toda equipe. Depois saltou pra dentro
da Rádio Caiari, onde também trabalhou.
Abrindo
as portas do mundo cultural com talento, autenticidade e muita intuição, Sílvio
Santos se embrenhou nos currais de boi-bumbá (Boi Corre Campo, o Gigante
Sagrado), blocos de carnaval (Banda do Vai Quem Quer e Galo da Meia Noite, para
quem fez marchinhas de carnaval), festivais de música (fez com Bainha a música
Odoiá Bahia, vencedora do Primeiro Festival de Música Popular de Rondônia –
Fempobro), Escolas de Samba e várias outras manifestações da cultura popular.
Muito ligado à professora Marise Castiel, sua escola do coração era a Pobres do
Caiari, adversária ferrenha da escola Diplomatas do Samba, de Bola Sete,
Bainha, Babá e Cabeleira. Antes de parar de beber, Sílvio tomou todas que tinha
direito e foi um grande frequentador da Taba do Cacique, do grande Carmênio
Barroso! Excelente tocador de tantã de repique, esteve no nascimento da Fina
Flor do Samba, no Mercado Cultural, com Ernesto Melo, seu grande amigo! Registre-se também nos anais a composição do samba-enredo
Ceará de Iracema, para a Escola de Samba Pobres do Caiari, belíssima peça
musical do carnaval de rua de Porto Velho! Sandro Bacelar a defendeu na
avenida!
Carne e
unha do Manelão da Banda do Vai Quem Quer, dele recebeu o apelido de Zé Katraca
com o qual passou a assinar a coluna cultural Lenha na Fogueira, do jornal
Diário da Amazônia. Lá ele fazia uma salada mista de notícias, fofocas, opinião,
denúncias e reportagens.
Como
sempre teve militância em inúmeras frentes de atividade artístico-culturais,
Sílvio Santos desempenhava vários papéis no mundo das artes. Porém, o figurino
de Amo de Boi do Boi Corre Campo, do bairro do Areal, de Castro Alves e Branca,
talvez fosse seu papel predileto, onde ele reinava soberano e pomposo como se
fosse Alexandre, o Grande, comandando um exército de guerreiros idealista,
sonhadores e ávidos por novas conquistas!
Só que
no exército lúdico e lendário do Amo Sílvio Santos só havia uma morte, a morte
do boi, que mesmo assim ressuscitava no final do auto folclórico, para alegria
do Amo, de Pai Francisco, Catirina, Cazumbá, da barreira de índios e dos
vaqueiros! O espírito de Sílvio Santos renascerá a cada nova edição da Flor do
Maracujá, a cada toque do tambor da marujada, a cada saída da Banda do Vai Quem
Quer, do Galo da Meia Noite, Pobres do Caiari, Asfaltão, Armário Grande,
Pirarucu do Madeira, Acadêmicos da Zona Leste, São João Batista, Diplomatas do
Samba, porque, por amor a esses furdunços que vêm de dentro do coração do povo
e que engalanam a vida com alegria e graça, ele partilhou um pedacinho da sua
alma de menino de São Carlos em cada vaso desse colorido jardim de poesia,
cores e emoções!
Sílvio
Santos foi um Amo de Boi que amou a boiada toda, portanto, amou a Vida!!!
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