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Crônica

O mito da meritocracia


O mito da meritocracia - Gente de Opinião

Enchentes no Nordeste, seca no Sul, a natureza estampa nas telas da TV os problemas sociais desse país continente. Como se já não bastassem as desigualdades, enfrentadas no dia a dia, onde o mais grave dos problemas é a fome, somos surpreendidos pelas enchentes e pela seca. Miséria é o que mais se percebe, mas também o seu oposto: é difícil ignorar uma mão estendida nas portas dos shoppings da elite, é difícil ignorar inúmeros moradores de rua e as cracolândias, ao longo de todas as capitais brasileiras. No Brasil e em muitos países, o ser humano já nasce diferente, basta saber o bairro em que nasceu, a cor da pele e o nível educacional dos pais, para que os sociólogos façam uma análise do futuro daquela criança. Horóscopo social!

É dolorido comemorar o Natal, sem se lembrar das diferenças, das distâncias, do abismo que separa pobres de ricos, não só no Brasil, mas na grande maioria dos países cristãos.  Aqui os dados estatísticos mostram que o rendimento mensal dos 1% mais ricos do país é quase 34 vezes maior do que o rendimento da metade mais pobre da população. A gente fala, fala, porque a teimosia fez morada em nossa consciência, mas a gente sabe que é chover no molhado. Pacificamente não se consegue nada e a desproporção de força desestimula qualquer ação, resta a recompensa no céu, após a lida.

É notório que a desigualdade social está presente em todos os países do mundo, uns mais do que outros. Nas relações sociais existe o bairro de pobre, o de classe média e o de rico, tudo determinado por questões econômicas, de gênero, de cor, de crença, de círculo ou grupo social, contudo o que mais salta aos olhos é que essas diferenças limita o acesso a direitos básicos, como direito à educação e à saúde de qualidade, moradia, trabalho, transporte, enfim limita o direito a viver com dignidade.

Em ano de eleição, os políticos exercem a politicalha, o populismo, a mentira de palanque, tentando abocanhar o voto do eleitor despreparado, o primeiro passo da continuidade do status quo.

Os contrastes estão em cada região, nem a globalização comparativa, tão presente nas críticas sociais, consegue explicar um país com tantas diferenças. A única particularidade que nos une é a língua portuguesa, ainda assim muitos vocábulos são entendidos num estado federativo e desapercebidos em outro. Só o palavrão conseguiu a unanimidade. Lembram de Renato Russo, cantando na Esplanada dos Ministérios? – Que país é esse? E o povão respondia, a plenos pulmões, presencialmente, e em todos os estados brasileiros, onde o show chegava pelos canais de TV: − É a porra do Brasil!!!

Os analistas apontam a distribuição de renda e a concentração de poder, como a base dos problemas sociais, mas não devemos esquecer da má distribuição de recursos públicos, da lógica de mercado do sistema capitalista, da falta de investimento nas áreas sociais, principalmente na educação, cultura, saúde e nas oportunidades de trabalho, o que escancara o despreparo de nossos governantes. Estamos à mercê do pai nosso da política partidária: − venha a nós e ao vosso reino nada.

Grupos mais favorecidos têm acesso a boas escolas, boas faculdades, consequentemente a bons empregos, e isso se repete por muitas gerações, como se tais grupos fossem bolhas sociais, enquanto as margens lutam desesperadamente para alcançar uma brecha nesta maldita bolha. E quando um ou outro, marginalizado pela cor, pelo gênero, etc. consegue se destacar, geralmente mediante o quesito educação, os porteiros das bolhas batem palmas: − vejam! é possível, nós vivemos num país sem preconceitos, somos uma meritocracia. Deixem de mi mi mi…

Todo mundo sabe que os marginalizados sofrem os maus efeitos da existência dessas bolhas sociais e econômicas, porque não lhes são concedidas oportunidades de vida, de estudo e de crescimento profissional de maneira igualitária. O sistema de cotas é uma tentativa insignificante, mas válida, de se resolver um velho problema. No entanto, vale lembrar que o analfabetismo é duas vezes maior entre os negros do que entre os brancos. Os pobres em geral, de qualquer cor ou origem, continuam com menos probabilidade de ter uma excelente educação e instrução; e a sociedade destina empregos de baixo prestígio social aos de baixa escolaridade, com uma remuneração modesta, mantendo seu status social intacto, perpetuando as diferenças.

Por esta e por outras razões, estipuladas acima, chegamos a inegável conclusão de que a ligação direta entre mérito e poder, uma das significações de meritocracia, no Brasil, é um mito: a prática e o direito nos ensinam que os iguais são tratados como iguais e os desiguais como desiguais, perpetuando as distâncias sociais por longo tempo, demonstrando que as classes não alcançam prestígio por mérito, já que o acesso às oportunidades não é o mesmo para todos.  

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