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Crônica

O oráculo da racionalidade


O oráculo da racionalidade - Gente de Opinião

Desde os primórdios da humanidade que religião e política tentam se misturar, ensejando a unificação do poder humano ao divino. Muitas vezes isso ocorreu, mas nem sempre os resultados foram satisfatórios, porque o poder político/humano, personificado no líder, no herói, está sujeito a fraquezas e o divino é superior, intocável, imaginário, logo, não se juntam. Os povos, onde o “chefe” não se confundia com o “sacerdote”, tendiam a permanecer mais tempo em harmonia. Diferente dos egípcios, os gregos criaram um monte para morada de Zeus e demais deuses e os administraram distantes da política terrena, já os hebreus colocaram essa morada ainda mais distante, no inatingível céu, como que adiantando ao futuro: política e religião não se misturam.

Esses desarranjos administrativos já aconteceram em vários lugares, inclusive na Pérsia, que virou Irã, depois de mais de mil anos de brigas territoriais, religiosas e culturais, com os gregos e com os vizinhos asiáticos, culminando com uma administração moderna e ocidentalizante de Mohammad, filho do Xá, mas que, em 1979, foi deposto pelo aiatolá Khomeini, ocorrendo um retrocesso em todos os avanços civilizatórios, devido à unificação do poder político com o poder religioso dos aiatolás. O mesmo que ocorreu e está ocorrendo com o Afeganistão e o retorno do Taliban ao poder.

Levando em conta que o poder divino está estruturado com o sentido de “temor a Deus”, leis humanas, quando são apresentadas como a simples vontade soberana do Estado, tem uma eficácia muito menor do que se aparecerem como mandamento divino. Por esse motivo, diz Maquiavel: "Nunca houve um legislador que tenha dado leis extraordinárias a um povo e não tenha recorrido a Deus, pois de outro modo não seriam aceitas". Daí porque normas do Alcorão são intercaladas na Constituição Federal dos países, radicalmente, submetidos ao Islamismo. O recurso da religião torna-se útil aos legisladores, quando os argumentos racionais são impotentes para convencer os homens.

Também no Ocidente, a História está cheia de exemplos, porque a religião tem valor instrumental e foi/é um elemento de grande eficácia política. Ainda tomando como base os ensinamentos de Maquiavel em O Príncipe, o apelo à força irracional da religião converte-se num meio eficiente para o “príncipe” convencer o povo da legitimidade de suas ações e da pureza de suas intenções, objetivo que não seria alcançável, recorrendo unicamente à razão. Em assim sendo a religião, um fenômeno irracional, se constitui num meio de persuasão privilegiado, do qual os governantes mais espertos podem dispor, para fazer com que o povo admita um bem do qual a simples razão, não seria suficiente para convencê-lo.

À moda romana, os oráculos, imaginariamente questionados pelas forças políticas brasileiras, polarizadas ideologicamente em esquerda e direita, bem e mal, cristo e anticristo, socialismo e capitalismo, não produziram, ainda, augúrios convincentes que pudessem fazer parte da retórica política. O convencimento carece de argumentos que multipliquem os votos, venham de onde vierem. Não foi à toa que a imprensa marrom divulgou, esta semana, que está se formando no Planalto uma nova chapa concorrente à eleição presidencial, juntando o profano ao sagrado.

O presidente pretende caminhar para a reeleição de braços dados com os líderes religiosos do evangelismo, entre eles, o pastor Malafaia, como vice, mas esquece que o universo racional conspira contra a força irracional das religiões, aumentando o preço dos combustíveis, tocando fogo nas reservas florestais, secando os lagos que abastecem de energia elétrica as nossas cidades, disparando a inflação e acendendo os sinais de alerta da Economia. Isso sem contar que o demoníaco careca da suprema corte, não se cansa em podar os mais afoitos partidários do capitão.

Infelizmente a gente sabe que os deuses ou semideuses, listados pelas religiões, não socorrerão uma administração comprometida com falácias, bravatas, com o egocentrismo e com o centrão dos adeptos da endêmica corrupção. Os castigos religiosos já não amedrontam mais o povo, como antigamente, todavia o castigo do resultado das urnas/2022 atemoriza os sensatos e racionais conservadores, porquanto o voto dos desinformados, dos néscios, pode ser o fiel da balança, nos arrastando para a desesperança de um ditado nordestino: fugi do cão, me encontrei com o diabo. Aguardamos o rei de espadas com uma criptonita na mão, que possa vencer a bandeira vermelha do rei de ouro. Ou será a rainha de copas da Alice? O rei de copas do Tarot seria bem-vindo.  

Até o momento nenhum livro sibilino nos apontou a solução para esta equação político/social de segundo turno, advinda do forno da antropologia cultural: dois menos dois é igual a um, quem será? Logo saberemos. 

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