Terça-feira, 4 de maio de 2021 - 12h42
Um grupo de jovens chineses,
entre 20 e 25 anos, nascidos na Itália ou adotados por famílias italianas,
quando ainda eram bebês, topou participar de um projeto do canal Discovery Word
de retorno à China, por um período determinado. A ideia era que eles pudessem
fazer uma avaliação sobre as diferenças e o que representava a mãe China para
quem, embora chinês, nunca havia pisado em seu imenso território. A cidade
escolhida para base do projeto foi Shangai e o resultado ratificou um provérbio
chinês milenar: Aquele que retorna de uma viagem, nunca mais será o mesmo
que partiu.
Para aqueles jovens, alguns já
namorando com italianos (as), educados na Europa, quase todos universitários,
voltar ao passado sem nunca tê-lo vivido, não era uma simples viagem às
aparências, mas uma imersão ao mundo interior, como se ali estivessem suas
raízes, verdadeiros tentáculos de uma verdade que eles só conheciam pela TV ou
pelo cinema e da qual não sabiam se valia a pena ir fundo ou nem começar, talvez
fosse melhor permanecer no presente do que ingressar num mundo de certa forma
desconhecido, ainda que fosse o mundo onde estavam suas origens, seus avós.
Vale considerar que a vida na
Itália não apagara, de todo, o DNA Chinês. São mais de 350.000 chineses vivendo
nas diversas regiões da Itália, ali eles sofrem de bullying e são apelidados de
“bananas”, brancos por dentro e amarelos por fora. Uma mãe italiana, de uma
chinesa do grupo, lembra que sua filha adotada, quando pequena, questionava,
aflita: − mamãe, por que sou diferente das outras meninas, por que meus
olhos são assim fininhos? As marcas da aparência ou da cor da pele,
parece que não, mas fazem muita diferença a um grupo e aos seus descendentes
que estão se integrando. Foi assim com os que emigraram à força para as
Américas, é assim, hoje, com os asiáticos, os negros, os árabes que tentam
migrar, de boa-fé, para a Europa. Todos viveram um passado de exploração e
buscam compensações, que os aproximem dos padrões culturais estabelecidos pelos
colonizadores europeus. Igualdade é mito só desfeito pela morte.
Não foi à toa que o
dinamarquês Hans Christian Andersen criou, em 1843, a história do patinho
feio; pela inteligência de um escritor de ficção ficou mais fácil
entender e tolerar as diferenças, mas, ainda assim, falta massificar a educação
e padronizar o conhecimento científico e religioso, pois só desta forma, o ser
humano se verá como criatura única, enxergando, no mundo das diferenças, o que
cada ser tem de especial e de belo, mesmo que esta beleza esteja oculta por uma
pele de outra cor, por um nariz chato, um cabelo crespo, ou por olhos oblíquos,
como bem disse o mestre Machado de Assis, descrevendo Capitu. Quem ama o
feio, bonito lhe parece!
Ao retornar à Itália, o grupo estava
renovado, pronto para não ceder às pressões sociais, a compreender que fazia
parte de um país mais poderoso do que a Itália, onde sua cor e seus olhos eram
iguais aos de mais de um bilhão de pessoas, por isso não mereciam ser
ostracizados. Adoraram o mergulho ao passado, mesmo adultos, aceitaram a adoção
da mãe China, mas à distância; alguns conheceram e abraçaram seus antepassados,
contudo, não quiseram ficar na China: não gostaram da poluição absurda, do
excesso de gente nas ruas, da música, da dificuldade de se conseguir emprego, das
restrições e censuras aos celulares, dos baixos salários e da falta de uma
liberdade, similar a dos europeus. Conclusão unânime: melhor tentar
passar por pato na Itália, do que ser cisne na China, ainda que pudessem ter
crises de autoestima ao se olharem no espelho.
Essa experiência do canal Discovery
mostra um pequeno aspecto das diferenças, a China, embora gigante e com enormes
distâncias sociais, não serve de modelo único, para se resolver a problemática vivencial
das diferenças, porque a China, hoje, totalitária e com baixíssimo índice de
imigração, é uma das potências mundiais e, pelo andar da carruagem, poderá ser,
amanhã, aquela que ditará a moda, as normas e os padrões físicos aceitáveis dos
humanos: aí, no futuro, todo mundo vai querer ter os olhos
puxados e a pele amarela. Eheheh!!! Na verdade, só a inteligência
artificial massificará a aparência, dotando o cérebro de um dispositivo capaz
de ignorar tais superficialidades. Esta é uma realidade ainda muito distante,
tão distante que é difícil classifica-la como utópica ou distópica. Tão
distante que dói só de pensar. Ai de mim, já na tumba, cruz credo!
Voltando ao nosso mundo, é
fato que as diferenças não precisam significar divergências, mas
as vivências têm nos ensinado que todo ser humano é, como dizia o poeta
Drummond, um estranho ímpar, intuindo que, embora tenhamos a
mesma essência, não conseguimos nos integrar a ponto de sermos pares. Falta a
intersecção das diferenças, algo só possível quando o amor, as cores, a
miscigenação, a superação e o respeito puderem trilhar e se encontrar nos
mesmos caminhos, sem despertar animosidades. Coitada da minha bola de
cristal, embaçou!?
P.S. A viagem, de fato,
ocorreu, no entanto, todas as deduções são do cronista, inclusive a comparação
com a estória do patinho feio.
* Professor, escritor,
romancista e atual presidente da Academia Rondoniense de Letras
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